terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Nota ao texto anterior: "Intempéries"...

Para que conste e não haja dúvidas, o texto que aqui se reproduz relata tempos idos. Mas,às vezes, a história repete-se. Oxalá que não seja o caso...

Intempéries

Com a natureza não se brinca Das medidas que os homens vão engendrando, quer gostemos ou não, ao menos podemos contestá-las e até vociferar um pouco, se tal for visto como conveniente. Quanto àquelas que a natureza, senhora e rainha de seu nariz, nos oferece, nada melhor que calar o bico e, se houver necessidade, acorrer às chamadas no sentido de minorar estragos, prejuízos, quem sabe se pessoas feridas, mortas ou desaparecidas. Esta é a verdade que não sofre contestação. Estes últimos dias, com destaque para a noite e dia de sábado passado, foram de grande violência quanto a ventos, chuvas e neves. Um pouco por todo o país, com manchas onde estes fenómenos mais se fizeram sentir, houve razões de queixa e nada se pôde fazer. Honra, porém, seja feita aos serviços de Meteorologia, que não se cansaram de pôr à nossa disposição sérios e bem fundamentados avisos, que se vieram a revelar de grande utilidade. Com as cautelas que daí advieram talvez muita coisa possa ter sido salva e muitas perdas de vida evitadas. Mas nem todas: ao que sabemos, assistiu-se a uma morte em consequência das condições atmosféricas adversas, na zona de Abrantes, havendo ainda a registar 21 feridos, 46 desalojados, fora outros números que as fontes não conseguiram obter. Em termos desta nossa região, sendo vários os prejuízos materiais, mas não de grande monta, convenhamos, há a lamentar, no momento em que escrevemos estas linhas, o desaparecimento, em Vouzela, de um Irmão marista, talvez fruto de qualquer fatal acidente relacionado com esta intempérie. Sem mais dados, por enquanto, este é um episódio que pode tornar mais negra a história destes dias de temporal. Oxalá que possamos estar enganados, mas, como diz o nosso povo, onde há fumo, há fogo. Infelizmente. Olhando para o mapa das ocorrências, há culturas altamente danificadas, Póvoa de Varzim, Vila do Conde, Esposende, Oeste, assim como árvores derrubadas, sendo um dos pólos mais graves o da Serra de Sintra com mais de duas mil caídas, muitas delas com centos de anos. No meio disto tudo, depois de uma noite de uma dura luta entre a limitação das forças dos homens e a bravura de uma natureza com “quem” se não pode nem brincar, esta saiu vencedora. Levando à sua frente tudo aquilo que mexia e que estava quieto, desde postes de electricidade e de telefones a muros e ribanceiras, estufas, telhados, chaminés, casas e as citadas plantas de grande e médio porte, também os rios começaram a não se contentar com os seus limites e toca de fugir para a rua e para as margens, assim como o mar. Enfim, esta foi, sem dúvida, uma das mais pesadas acções de tempos adversos nos últimos anos. Por aqui, outras situações têm vindo a acontecer, sem esta se lhe poder comparar, entre as quais se inclui o ciclone de 1941 que foi, esse, muito maior e mais destrutivo, tal como se registou no nosso jornal em 15 de Março desse mesmo ano: “…O dia quinze de Fevereiro findo foi, entre nós, de inverno rigoroso, nada fazendo, no entanto, prever o que se iria começar (sic) no começo da noite! Cerca das 18 horas, o vento começou a soprar com mais violência. Das 19 para as 20, o vendaval atingiu o seu auge, assim se mantendo algumas horas, horas que foram de angústia e pavor… Ao amanhecer do dia 16, deu-se a romagem aos campos sendo desolador o estado em que se encontravam… “ Com tudo isto, bem se pode dizer que, ontem e hoje e, com toda a certeza, no futuro, a natureza não se confessa e mostra-se total e globalmente quando, como e onde quiser. Fenómeno que o homem não controla, por mais que tente, a este cabe apenas - e já não é pouco - minimizar, na medida do possível, os seus efeitos. Foi o que aconteceu depois da noite de sexta para sábado e na manhã deste dia 19 de Janeiro, quando os Bombeiros, os funcionários das Câmaras Municipais, da EDP, da CP, da PT e populares puseram pés a caminho e mãos à obra, tentando reparar os prejuízos encontrados. Gente brava esta, a quem temos de estar gratos por tudo aquilo que fizeram e ainda estão a levar a cabo. A par de tudo aquilo que acabámos de descrever, também o mar não esteve com meias medidas e aqui a pouca distância, em S. Jacinto, um barco acabou por encalhar, felizmente sem males maiores. Desta forma, se com as posições tomadas pelos homens, há sempre um eventual meio de evitar estragos de monta, com a Natureza o caso muda de figura: com ela, repetimos, não se brinca nem se lhe pode perder o respeito. Isto se comprovou, uma vez mais, no fim de semana que acabámos de viver. Viu-se. Carlos Rodrigues

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Despedida

Tenho por norma gostar pouco de despedidas. Prefiro as chegadas. Mas há excepções e esta, a que vou referir, cabe por inteiro nesse sector: adeus 2013. Saio deste ano sem saudades. Pessoalmente, fiquei muito mais pobre, por ter perdido a maior das referências familiares. Economicamente, acabei por perder também. Só ganhei em experiência, em mais um ano de contactos e conhecimentos, em convívio familiar e com os amigos. O resto quero esquecê-lo e varrê-lo do velho baú de minhas memórias. Este 2013, já o disse, até pela terminação, foi ano de azar. Com várias lutas travadas, perdi também muitas delas: as freguesias, a perda de outros serviços e mesmo a esperança em tempos melhores, sobretudo nos mais próximos, são algumas dessas assumidas e tristes derrotas. Mas fica-me uma convicção: não vou desistir, nem ficar quieto e calado sempre que for necessário manifestar-me. Usando mais a palavra e a escrita, esses são os meus instrumentos preferidos e, em jornais, já levo mais de quarenta anos de participação activa. Em rádio, mais de vinte. Isto está feio: pesam os anos que se farta. Mas a vida tem valido a pena. Sinto, com orgulho, que tenho muitos amigos e também alguns inimigos. É mesmo a vida. Adeus 2013. Parte, que não me dói nada o coração com tua ida. Venha 2014, mas muito melhor que o seu antecessor...

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Cambra, uma terra a correr para a frente

Hoje, por razões de ordem social, fui a Cambra, no concelho de Vouzela. Terra de Igreja com duas torres, com um ar que cheira a cultura e artesanato, ali se respira, agora, também uma forte vertente social: o Centro de Dia, o JI, a Extensão de Saúde e, sobretudo, o LAR em construção,deixaram-me com os olhos em bico:aquilo é obra de estalo. Destes aspectos, muito se poderá dizer,hoje e no futuro, próximo e distante. Mas há uma outra nota que gosto de aqui registar: ali conhecia a restauração boa do "Palmeira", do "Mira Serras", da "Taberna do Lavrador", todos locais em que a gastronomia sai sempre a ganhar. Junto agora uma nova proposta: a "Casa dos Pereiras", em Santa Comba, que serve muito bem, que tem umas instalações de sonho, com uma paisagem que nos cativa até ao tutano e que está à mão de semear. Recomendo.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Mais de vinte anos de histórias de sucesso - Martifer

A Martifer, empresa de Oliveira de Frades, anda agora nas bocas do mundo, porque quer entrar na operação de revitalização dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo e foi apanhada num turbilhão de emoções, contradições e confusões, que, creio eu, lhe são absolutamente alheias. Empreendedores, os Irmãos Martins, Carlos e Jorge, têm no sangue aquele entusiasmo que me habituei a ver-lhe desde sempre, a partir do momento em que, com o Primo Bastos, que, entretanto, se afastou destes seus projectos, iniciaram, com pá e picareta nas mãos, a criação de uma pequena, mas atrevida firma, esta, a Martifer, num lote na ZI deste mesmo concelho. Estava-se nos princípios dos anos noventa. Eram três jovens: um engenheiro, um economista e um jurista, unidos por laços familiares e pela ambição de singrar na vida. Vieram de Sever do Vouga e instalaram-se em Oliveira de Frades. De princípio, eram apenas três aventureiros das coisas empresariais. A vida sorriu-lhes e a primeira fábrica tornou-se pequena para a realização de seus sonhos. Mais além, uns pavilhões nascidos e não alimentados devidamente estavam às moscas. Decisão: compra-se aquilo. Dito e feito. Depois, vieram mais um e outro e outro e outro edifício e sector de actividades. Os meninos das estruturas de ferro não se contentaram com isso: puseram-se a fazer parques na Expo 98, ventoinhas e painéis eólicos, estádios de futebol, centros comerciais, foram para os EUA, Austrália, Brasil, Polónia, Moçambique, Angola, Arábia Saudita, Espanha, etc, etc, e afirmaram uma presença global. Certos de que estavam bem em terra, foram para os rios e para os mares. Criaram. Inventaram. Progrediram. Caíram também algumas vezes. Mas o certo é que têm continuado a manterem-se de pé. Aparecem agora os ENVC e a polémica toda em seu redor. Como alguém que conhece a sua obra e o seu génio, custa-me ver que queiram questionar a sua mais valia empresarial e a sua capacidade de fazer obra e assumir riscos. Em matéria de barcos, a sua Navalria, um dos muitos braços da gigantesca Martifer, diz tudo: tem paquetes de luxo na Douro Azul e navegam no Rio Tejo criações suas. Viana do Castelo, que tem nos seus velhos estaleiros uns montes de sucata e um império destroçado, muito pode ficar a ganhar com esta entrada em cena da Martifer. E os trabalhadores, os melhores, os bons, os voluntariosos têm tudo a ganhar com esta reactivação dos seus ENVC agora com outra designação. Por conhecermos bem esta gente, por habitarmos o concelho onde têm a sua Sede, dói-nos este alarido e estas sucessivas desconsiderações. Ninguém nos encomendou isto nem aquilo. Mas é nosso dever testemunhar em seu favor...

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Uma visita relâmpago

Tive o grato prazer de ter estado, há poucas horas, com meu Amigo, Comendador José Ferreira Trindade, Presidente do Centro de Apoio Social e Associativo (CASA), do Luxemburgo, que por aqui passou com sua esposa, filho e nora. Recebido o telefonema da praxe, percebi uma de suas vontades: comer a boa Vitela de Lafões no Restaurante S. Frei Gil, o "Meu Menino", em Vouzela, e assim aconteceu. No meio do cumprimento desta "promessa",nos poucos momentos que tem para dar um abraço a esta malta, houve espaço para saber novidades e as que chegam daquela terra de emigrantes portugueses, em número assinalável,não são as melhores. A crise também anda por lá... Mas o que muito gostei de ouvir foi a sua confissão de que os filhos e os netos, sempre que podem, não deixam de por aqui aparecer. Isto é: em três gerações passa a vontade de não esquecer as raízes e isso é o que importa realçar. Relembro: o Zé Trindade saiu de Levides-Cambra, onde nasceu, viveu e trabalhou em Águeda e, um dia, partiu para o Luxemburgo. Aqui fez vida. Aqui criou uma obra, o seu CASA, aqui ajuda, permanentemente, portugueses em dificuldade, já que conhece aquela realidade local melhor do que ninguém. Com pontes estabelecidas com as autoridades locais (com ele tive a honra de conviver com o Grão-Duque e Esposa, com o então Primeiro-Ministro Claude Juncker, com as entidades municipais daquela Cidade do mesmo nome),com Embaixadores e Cônsules, enfim, com tanta gente que, a partir destas portas abertas, olham até os nossos conterrâneos como seus quase concidadãos. E assim todos ficam a ganhar. E rematou, com um brilho nos olhos: o passo que está a dar, presentemente, é estabelecer com essas mesmas altas Entidades um novo Estatuto para os nossos Emigrantes, deixando que assim seja considerados para começarem, de facto, a serem tratados como luxemburgueses, sem rótulos... Bom sucesso lhe desejamos nesta, mais uma, enorme diligência. Obrigado, Zé. Um abraço.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

No Centenário do Comboio em Vouzela - Os órfãos dos comboios

Linha do Vale do Vouga e os órfãos dos comboios - REPORTAGEM São os comboios filhos de um progresso que foi corrido à pedrada. Por ocasião da inauguração da linha do caminho de ferro, que iria ligar Lisboa ao Carregado (1856), a população, avessa a mudanças e cheia de medo dos efeitos das máquinas a vapor, premeia com palmas, talvez, a passagem do primeiro comboio, mas não deixa de lhe atirar uma pedras de raiva e revolta. Escusado será dizer-se que vivíamos uma época histórica em que a carruagem da mala-posta, no percurso entre Lisboa e Coimbra, no ano de 1798, demorava cerca de 40 horas, e que as estradas de maior importância vinham, sem apelo, nem agravo, das realizações romanas de há 1800 anos. Nesta Reportagem e neste fim de mês de Julho, o que nos move é o extinto comboio do Vale do Vouga e o que ele representou para as nossas comunidades e para o desenvolvimento de uma vasta região, que ia de Aveiro e de Espinho a Viseu, cidade que se habituou a “mandar” os seus habitantes para aquela cidade (Espinho), precisamente pela influência directa deste meio de transporte. Sernada sentiu nas suas entranhas a força criativa do saudoso Vale do Vouga, devido às oficinas ali existentes e ao entreposto que constituía. Hoje, é quase um cemitério com algumas memórias vivas. Alguns quilómetros além, temos o Museu de Macinhata do Vouga, valha-nos isso, onde este nosso passado está bem retratado e recordado. Mas, aqui entre nós, em Figueiredo das Donas, o comboio do Vale do Vouga e as automotoras deixaram marcas de muitos ordenados ganhos, de muitas viagens feitas, de muita boca a quem se matou a fome, de muito estudante que pôde prosseguir a vida académica, porque, talvez mais, de 80% de suas famílias tinham o seu sustento na linha ferroviária. Antes de falarmos em nomes concretos, fruto de uma pesquisa de nosso correspondente Fernando Silva Pereira e da achega de outros amigos, de quem não nos esqueceremos, vamos dar uma volta pela história desta Linha do Vale do Vouga e dos seus 176 quilómetros de via estreita, com o Ramal de Aveiro. A partir, sobretudo, das “ Memórias do Vale do Vouga”, obra de Manuel Castro Pereira, do ano de 2000, editada no Porto, e que se encontra, por exemplo, na Biblioteca Municipal de Vouzela, muito ficámos a saber, juntando-lhe o “Guia dos Caminhos de Ferro”, de 1933, e outras fontes. O traçado que, neste caso nos interessa, é o que ligou Vouzela a Bodiosa, que esta via foi feita por fases e por troços distintos quanto à sua abertura e que viu a luz do dia, em termos de conclusão, em 1 de Fevereiro de 1914. Nesse momento, pediu-se à Companhia a comparência da Comissão de Exame para apreciar o trabalho feito, de modo a poder pô-lo em funcionamento no mais breve prazo possível. A este propósito, o “Jornal de Lafões” de então, relatava assim esse acontecimento: “… É com a maior satisfação que damos a notícia que ontem (30 de Novembro de 1913), cerca das três da tarde, passou nesta vila – S. Pedro do Sul –, em fiscalização, o primeiro comboio da nossa Linha… “ Em jeito de elogio e gratidão, ali se destaca a acção de José Vaz Corrêa Seabra de Lacerda, descrito como o filho de Lafões que mais lutou por este comboio, o que talvez melhor se compreenda se for dito, por ser verdade, que o seu projecto sofreu muitas alterações para servir, por exemplo, as Termas de S. Pedro do Sul… Antes, porém, em 1 de Dezembro de 1913, era aberta à exploração a linha entre Ribeiradio e Vouzela e Bodiosa/Viseu, também por essa mesma altura. Ficando encravado no meio, o espaço de Ribeiradio para cima até Moçâmedes e antes, Figueiredo das Donas, esperaria então mais algum tempo. Mas esta base de recrutamento profissional não tardaria a dar os seus frutos, passando a ser, tal como Sernada, uma espécie de Meca desta Linha, ali mãe e rainha. Em resumo, quanto à entrada em funcionamento de cada itinerário, anotemos estes dados: 1908 – Espinho/Oliveira de Azeméis; 1911 – Daqui a Sernada; 1913 – Sernada/Vouzela e Bodiosa/Viseu; 1914 – Vouzela/Bodiosa. Se hoje muito se fala em CP e na possibilidade de vir a ser privatizada, é bom dizer-se que, no ano de 1907, aqui se instalava a Companhia Francesa de Construção e Exploração de Caminhos de Ferro que liderou todo este processo. Mais tarde, a Linha do Vale do Vouga passa por alguma autonomia, mas a CP nunca a perdeu de vista. Num transporte de passageiros que foi determinante para o desenvolvimento e sustentabilidade desta zona, são ainda de assinalar-se os aspectos relacionados com as mercadorias, a ponto de, em 1916, se porem em destaque as estações ferroviárias e os respectivos apeadeiros como fontes de bastante tráfego de materiais diversos, citando-se, nomeadamente, Macinhata do Vouga, Vila Chã, Pinheiro de Lafões e Real. Logo, no ano a seguir, vem a assistir-se a uma monumental greve do pessoal desta Companhia, que a muito a afectou, até porque os comboios estiveram paralisados durante cerca de vinte dias, reiniciando-se o seu curso normal em 1 de Julho de 1917, depois de 15000$00 de prejuízo, só na Linha do Vale do Vouga. A determinada altura, em 5 de Março de 1941, inaugura-se o serviço de autorail (automotoras) no troço Espinho/Viseu, sendo um dos modelos utilizados a Panhard Levassol, de 23 cavalos. Por ironia do destino, logo que o comboio acabou de por aqui passar, no início dos anos setenta, ressuscitando por volta de 1975, mas por pouco tempo, condenado por culpas que teve e que não teve, foram as automotoras que o vieram substituir, em exclusivo. Mas até estas desapareceram e a Linha se fez em farrapos dispersos, para darem lugar aos autocarros, primeiro, da própria CP e, posteriormente, da Empresa Guedes, serviço que ainda perdura, mas bem menos eficiente, pelo menos em horários, dizem. Assim, até Dezembro de 1989, circulou-se muito nas automotoras Allan. Em 1 de Janeiro de 1990, tudo isso teve um fim inglório, morrendo, com essas mudanças, de certa forma, a própria CP, que os veículos, que aqui colocou, andando pelas estradas normais, cavaram a sepultura daquilo que tinha sido a acção da via ferroviária. Figueiredo das Donas com o comboio no coração A introdução, que acima acabou de ser feita, foi apenas o pretexto para o enquadramento daquilo que tínhamos em mente: homenagear as gentes de Figueiredo das Donas, que viveram décadas e décadas seguidas ao ritmo da passagem dos comboios e automotoras. Para esse efeito, pedida a colaboração de nosso correspondente, Fernando da Silva Pereira, ali nos deslocámos para um contacto directo com essa mesma realidade. Sente-se, por aquelas bandas, uma profunda nostalgia por esses tempos. Ali ainda há trabalhadores na CP e subsistem muitos aposentados dessa mesma Companhia, podendo também falar-se em beneficiários de transportes gratuitos ou bonificados, que abrangiam os funcionários, seus pais, filhos e irmãos, estes até aos 21 anos e as irmãs e filhas até ao casamento, única situação que põe termo a essa “oferta”. Com tudo isto, a CP era uma boa mãe, que não desamparava seus filhos. Não admira, por aquilo que estamos a dizer e que é sempre pouco, que ali se evoque a Linha do Vale do Vouga, na toponímia da moderna Variante local, no Largo do Apeadeiro de Real das Donas e na Travessa da Linha. Desta maneira, a sua memória não se perde, transmitindo-se de geração em geração, porque, merecendo-o, assim o quiseram os homens e mulheres de agora. Sem grande dificuldade, há sempre alguém, familiar directo, ou um tanto mais afastado, que tem ligação à tão falada Linha. Numa freguesia, em que cerca de 80% da sua população masculina activa, foi empregada da CP, muitos são os nomes que se podem referenciar. Com o risco de incorrermos em falhas involuntárias, atrevemo-nos a colocar aqui todas estas pessoas, a razão de ser desta nossa Reportagem, contando com a preciosa ajuda de Fernando da Silva Pereira e ainda de Manuel Carvalho e Ernesto Sousa Santos, a quem agradecemos o esse mesmo contributo. Para uma mais fácil compreensão, associamos nomes a funções, ainda que aproximadamente, sobretudo em categorias profissionais. Aqui se regista, para a posteridade, esta listagem de gente que passou pela Companhia: Inspecção – Idalécio Serra; Chefia – Albano Cardoso; Chefia do Via – Agostinho Cardoso, José Cardoso, Fernando Serrano, David Cardoso, Fernando Sousa Santos e Carlos Cardoso; Chefia de Estação – António Amaral, genro do nosso amigo e colaborador, Alberto Serôdio; Factores – Idalécio Rodrigues, Adelino Serrano, Manuel Almeida e António Rodrigues; Maquinistas – Arlindo Marques da Silva, Aires Presas, Pedro Quintal, José Cardoso, Manuel Almeida, Paulo Serôdio e Valdemar Serra; Revisores – Custódio Cardoso, António Sousa Rocha, Manuel Silva, Paulo Jorge Marques e José Carlos Marques; Trabalhos de Via – António Fernandes Almeida, Manuel Carvalho, João Chaves, António Pinto Serra, Virgílio Almeida, António Fernandes, Horácio Serra, Aurélio Silva, Afonso Pereira, António Pereira, Gilberto Matos, Bernardino Sousa, Delfim, Ângelo Rodrigues, Norberto Chaves; Oficina, S. Pedro do Sul – António Serra, Celso Castro, Evaristo de Matos e Norberto Rocha; Oficinas, Viseu – Valentim Serôdio, António Chaves, Joaquim Matos, Augusto Cardoso, António Silva; Trabalhadores de Estação – Ernesto Sousa Santos, Henrique Almeida, Fernando Rocha, António Rocha, António Almeida, Edmundo Pereira de Almeida, José Serôdio, Alberto Bandeira, Diogo; Construção Civil e Vias – Albano Ramos, Valentim Mendes, Fernando Chaves e Armando Rocha.; Revisor de Material – António Silva Carvalho. Habituados a ver passar os comboios e a servirem-se deles, por ali circulavam, mais ou menos por estas horas, os seguintes trajectos: Sernada/Viseu – 9 horas, 11.40 h, 14.10 h, 15.30 h, 18.30 h e 23 horas; Viseu/Sernada – 6.30 h, 9.40h, 13h, 15.30 h, 18.40 horas. Com Santo Amaro como padroeiro dos ferroviários, o milagre maior não foi feito: o comboio não resistiu e morreu, cedo demais. Hoje, em Figueiredo das Donas, permanece a sua memória e o desejo de, um dia, quem sabe, o verem voltar, que se fala na ligação Aveiro/Salamanca e não se sabe por onde irá passar. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Uma lei cheia de água

Na Assembleia da República, no ano de 2005, foi aprovada uma Lei peregrina, no mês de Novembro, que aponta para o seguinte, em linhas gerais: quem tiver terrenos privados à beira de águas públicas, mar, rios, riachos, talvez, lagos, lagoas e outras aguadas que tais, tem de provar a propriedade privada, com DOCUMENTOS, desde o longínquo ano de 1864, em acção judicial que tem de intentar até 1 de Janeiro de 2014, daqui a curtos meses. Se esta legislação é demasiado estranha (não sei como é que não se lembraram de recuar mais na data da posse, aí até ao tempo dos Castros!...)e palermice pegada, é este o termo que me ocorre, para ser meigo, mais se lamenta o facto de os actuais deputados, em vez de anularem aquela Lei, se terem limitado a prorrogar o prazo, salvo erro, até Julho de 2014. Aqui nesta minha terra da Serra do Ladário, no concelho de Oliveira de Frades, pouca gente sabe disto. E também não perde nada em desconhecer tal parvoíce. Como estou em crer que ela vai morrer por morte natural, ou por uma qualquer decisão mais ajuizada, não me ponho em bico de pés (eu, que até tenho mania de chafurdar em tudo o que seja Arquivo, Biblioteca e outras valências do género)para procurar essa papelada. A uma decisão sem pés nem cabeça só se pode responder desta maneira: vão dar uma curva ao Bilhar Grande, se sabem onde é, que desses papéis tem Vexas, Srs. Deputados, extremas dificuldades em conseguir aquilo que legislaram...E nós muito mais...

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A dois anos de distância, um texto sobre a Ciência nas Termas de S. Pedro do Sul - Notícias de Vouzela

Professor Fernando Manuel Silva em destaque na vida académica termal Este nosso conterrâneo, docente universitário e estudioso das questões termais, o Professor Fernando Manuel Silva, com ligações fortes a esta região, está a desenvolver um muito assinalável trabalho de investigação e divulgação acerca de tudo aquilo que se relaciona com este mundo da ciência das águas com virtudes especiais. Presentemente, lidera um Curso de Especialização da Universidade Lusófona, do Porto, na área do Turismo de Saúde e Bem-estar. Para além desta iniciativa, há a destacar várias obras de sua autoria, que muito úteis são para quem se dedica a este ramo da saúde e do lazer, sobretudo para uma terra que alberga as maiores termas da Península Ibérica. Inserem-se nesta nossa curta, mas merecida notícia, o “Manual de Auditoria e Diagnóstico de Monitorização da SST em Unidades Termais”, “ A SST em Unidades Termais: Manual de Boas Práticas” e “ O state of the art nas Unidades Termais em matéria de SST”, todas estas obras com a chancela de Petrica Editores. Com tudo isto tem-se em vista dar um contributo da academia ao mundo da acção prática, o que, em parceria e partilha de conhecimentos, é de um alcance extraordinário. As nossas felicitações ao Professor Fernando Silva, com votos de muito sucesso na sua carreira.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Descansa em Paz

Amigo e Colega, Joaquim Mendes! Acabaste de partir, há poucas horas, segundo as informações recebidas. Não resististe aos sofrimentos provenientes da tua vontade em lutar pela defesa de bens e pessoas da terra em que eras Presidente de Junta de Freguesia: Queirã-Vouzela. Quiseste apagar o fogo e foste traído pelas chamas e nem o Hospital, depois daquele fatídico e negro dia 23 de Agosto, te conseguiu salvar. Perdi-te. Mas continuas comigo. Não esqueço o tempo, os três anos da Escola do Magistério Primário de Viseu, em que estudámos juntos, na turma A, eu, na D, tu. Não esqueço a vida depois disso. Nem os telefonemas que me fazias por questões jornalísticas, sempre com a intenção de lutares pela tua terra, pelo teu Grupo de Cavaquinhos e Cantares à Beira, pela Feira da Giesteira, pela Feira da Vitela e por tantas realizações em que estiveste metido. Agora, passados estes trinta e sete anos de intenso conhecimento e amizade, partiste. Por mim, continuas por aqui. Um abraço. Vamos falando...

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Dois anos depois, de novo a Escola...

Um novo ano escolar com velhos problemas Estamos muito longe e em cima de dois tempos antagónicos, o das escolas por tudo quanto era canto e a abarrotar de alunos, enxameados dentro de uma sala de aulas, e estes que vivemos, em que estas instituições vêm morrendo aos poucos para darem lugar a modernos centros pedagógicos. Nada de mais contrastante: por um lado, um(a) só mestre(a) com quatro duros anos e dezenas de crianças, em salas improvisadas, antes dos planos Raul Lino e dos Centenários, praticamente sem mais nada; por outro, risonhos espaços físicos, mais docentes e pessoal diverso, cantinas, bibliotecas, pavilhões desportivos, aconchego, bons transportes – ainda que fora (?) de horas – e muito de novas tecnologias. Mas os resultados, custando dizê-lo, não acompanham todo este progresso material, numa relação estritamente circunscrita à relação custo/benefício. Ao dizermos isso, não queremos afirmar, de maneira nenhuma, que hoje se está pior em matéria de escolaridade. Nada disso. Constatamos apenas que não há uma correspondência entre os gastos, a dedicação a esta causa por parte de toda a sociedade, que conduziu à educação democrática, geral e inclusiva, mas que, em muitos casos, não oferece os devidos resultados, na sua dimensão real, que não apenas estatística. Apetece-nos, por isso, enviar um enorme abraço de elogio a todos aqueles professores que, do nada, faziam milagres, saudação esta que se estende àqueles que, hoje, na barafunda de meios e contradições, dão tudo para “trazer” os discentes ao universo escolar e o viverem com a força e dignidade que se exigem. Incomparáveis são estas realidades. Mas há dados que, bem analisados, muito demonstram em termos destas questões essenciais. Numa altura em que o cíclico regresso às aulas está a acontecer, sendo esta primeira quinzena de Setembro o princípio deste tempo sempre novo, sem deixar de ser velho, tentamos aflorar o contexto em que tudo isto se desenrola. A nível de contendas de carga sindical, crê-se que se vive uma espécie de maré de acalmia, ou, no mínimo, de banho-maria. O Ministro Nuno Crato, a Fenprof e a FNE têm estado à mesa, sendo que, de momento, até se vêem luzes ao fundo do túnel: “parada” a avaliação, esbatido o terrível problema dos horários-zero, adormecida a gravíssima questão dos professores sem escola e sem trabalho, o resto dos assuntos, mais ou menos trambolhão, lá vai seguindo o seu caminho. Se esta “abertura” tem um cariz geral, no plano concreto, como veremos com a investigação feita pela Lurdes Pereira, hoje, e pela Salete Costa, no próximo número, detectar-se-ão outros pormenores e contornos, mais localizados, no terreno essencial de cada território educativo, o que nos leva à sempre presente dicotomia da centralização/descentralização, matéria que tem de ser encarada de frente e a sério. Para já e numa perspectiva abrangente e transversal, vêm ao de cima os problemas com que se debatem as Câmaras Municipais que, sem terem sido pagas dívidas antigas, estão a mostrar a gravidade daquilo que estão a enfrentar, ameaçando, pela voz da ANMP, cortar o fornecimento de refeições, de transportes e outras situações do género, como a de não avançarem com a oferta de livros e outro material. Quanto a este aspecto, na esfera governativa, pensa-se mesmo, de acordo com a Confederação da Associações de Pais, que os livros, para cerca de 600000 beneficiários, têm de ser previamente pagos, recebendo-se as comparticipações depois, com todos os inconvenientes duma época de crise. Por outro lado, com cerca de 570 milhões de euros não utilizados em 2008 e 2009, com 100 milhões retirados em 2010, com um orçamento restritivo para o corrente ano de 2011 e o cutelo de mais agravamentos para 2012 e 2013, estes são tempos de não desejar a ninguém. Sem querer que desfaleçamos, apesar de afogados em dúvidas e dívidas, a educação merece tudo e é nela que está o futuro. Mas tem de ser vista e pensada com olhos de ver, de feição estratégica e não de remendo em remendo até à derrocada final. Oxalá que, arrepiando caminho a tempo, tenhamos aquilo que as nossas crianças e os nossos jovens tanto merecem: uma educação à EDUCAÇÃO e não simples remedeios! Carlos Rodrigues, in Notícias de Vouzela, há dois anos

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A morte nos incêndios no Caramulo, em 1986 e 2013

No momento em que a Serra do Caramulo continua a ser tragada pelas chamas, com ondas de destruição, de ferimentos e mortes, evoco aqui quem ali faleceu nos últimos dias, a Ana Rita Pereira, de Alcabideche, Bernardo Figueiredo, do Estoril, e, hoje, Cátia Pereira, de Carregal do Sal. Relembro ainda quem, numa cama de hospital, sofre por se ter dedicado à causa pública de salvar pessoas e bens. Obrigado a todos. Ao passar, de manhã, por Águeda, quando o fumo cobria o céu e tapava o sol, de olhos húmidos, resolvi fazer uma pequena visita a quem, em anos anteriores, também tombou em idênticas circunstâncias: no Quartel dos Bombeiros desta cidade, seus nomes se encontram perenemente registados. Fui prestar-lhe a minha homenagem, ao mesmo tempo que, naquele mesmo local de morte, o fogo avançava a galope, indiferente ao esforço de centenas de homens e mulheres, de meios terrestres e aéreos e muita entrega pessoal. Curvadamente, parei e li, aproveitando para aqui trazer os HOMENS que Águeda perdeu ao longo dos tempos: 24/07/72 - Víctor Manuel M. Silva; 14/06/86, em plena Serra do Caramulo, no sítio da Castanheira, onde um monumento assinala esta tragédia: António Eduardo C. Pires, Abel Ferreira, Arsénio Oliveira Silva,Cândido Oliveira Marques, Armando Rodrigues C. Loura, António Pereira Matos, Fernando António J.R. Guerra, Domingos Brás e Luís Graça Gonçalves; 5/10/92 - José Augusto S. Tavares. Adoptando como minhas as palavras de um poema que ali se estampa, ei-lo:" Heróis com nome" ... Bombeiros mártires; no amor/Os primeiros.../Heróis com nome.../Dão vida à vida/Na chama que os consome/E, quando o amor é forte/ Não há morte/Sois, no tempo, a saudade/ O sol da eternidade/..." - Direcção e Comando, 14/06/96 Numa prece, englobo-os a todos, os de ontem, acima citados com eterna saudade, e os de hoje, Cátia Pereira - Carregal do Sal; Bernardo Figueiredo - Estoril; Ana Rita Pereira - Alcabideche; Pedro Rodrigues - Covilhã; e António Ferreira - Miranda do Douro. Voltando atrás, olho ainda para António "Cifra", de Vouzela, que caiu para sempre em Oliveira de Frades e José Vaz, de Arca, que se apagou na freguesia de Arcozelo das Maias. Que descansem em paz. OBRIGADO, mil vezes Obrigado. Não esqueço estas vossas dádivas totais, meus AMIGOS... Nunca mais.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Incêndios por aqui na Serra do Ladáro

A minha Serra do Ladário, aqui em Oliveira de Frades, está a arder desde ontem, domingo. A noite foi de intensas e rápidas labaredas, num grande pavor. A manhã acordou com cerca de trezentos e oitenta Bombeiros, com o Comando junto às Bombas de Paredes de Gravo, com helicópteros e aviões em acção...E muitas chamas e fumos... Ontem, numa volta pela Serra do Caramulo, deparei-me com o mesmo cenário... Recordei, com tristeza e saudade, a Bombeira Rita Pereira, de Alcabideche, morta ao serviço de uma causa pública, e o meu Amigo, Professor Mendes, de Queirã, que luta com o sofrimento num Hospital do Porto( a quem desejo rápidas melhoras), assim como outros feridos... E outros prejuízos, sempre menores quando comparados com tragédias humanas...

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

A minha ideia sobre freguesias, há muitos meses em "Notícias de Vouzela"...

Freguesias com grande proximidade ao povo que representam Há lugares comuns que nunca são demais. Afirmar que as freguesias são o mais próximo elo político-administrativo de ligação entre os cidadãos e os eleitos, repetimos, eleitos, é um desses axiomas sem tirar nem pôr. Dispensando comentários, fala por si. As suas origens, muito embora durante séculos integradas numa organização que confundia o sector religioso com o civil, numa amálgama profunda, podem ver-se nos períodos romanos e da reconquista, com um interregno lógico, naquele figurino, durante a supremacia árabe. Assim, às paróquias associa-se, regra geral, uma freguesia, facto tanto mais de relevar quanto se sabe que o termo radica em «filius eclesiae», filho da igreja, o conhecido freguês, que adquire também, em termos comerciais, um outro significado, bem conhecido de todos nós. Ligadas aos municípios ou concelhos, estes com existência mais concreta e definida desde há séculos, são, porém, muito mais serôdias quanto ao seu actual enquadramento histórico na esfera do direito da nossa arquitectura de estruturas institucionais civis. Mas isso não lhes retira credibilidade e muito menos razão de ser. Aliás, como organismos de ordem mista, como vimos, têm um papel próprio e inalienalável, Ao virem a ser reconhecidas pelo legislador no ano de 1830, como Juntas de Paróquia, era-lhe então confiada um a extensa missão, que passava pela reparação de templos, administração de bens e rendimentos da Igreja, conservação de fontes, poços, pontes, caminhos e baldios, subindo mesmo a mais altas esferas, como sejam as de cuidar da saúde pública e das escolas do ensino primário. Em 1835, são consideradas parte da divisão administrativa. Mas já em 1832, pelo Decreto nº23 de Mouzinho da Silveira, sem efeitos práticos, no entanto, detinham um estatuto idêntico. Com os Códigos Administrativos de 1836 e outros, estas formas de poder apareciam com vida própria, com um apagão em 1840, sendo que, no ano de 1867, vemos aparecer a chamada Paróquia Civil, que o Código de 1878 consagra, retocado posteriormente, para a 1ª República o repescar em termos de maior autonomia e descentralização política. Chegado o Estado Novo, surge, então, uma espécie de seu apoucamento. Com o 25 de Abril de 1974 e a Constituição, adquirem esplendor, sangue, vitaminas e fulgor em dose imensa, respondendo com propósito e vontade aos desafios que lhes são colocados, a ponto de, hoje, ser necessário repensar a legislação que está em cima da mesa e que lhes não é, de todo, favorável, em muitos casos. Muito embora possamos e devamos distinguir freguesias urbanas e rurais e, dentro desta categoria, olhar bem para a sua essência, temos o dever de exprimir a nossa posição: neste poder de ao pé da casa não se pode tocar por dá cá aquela palha. È preciso muito cuidado e muita canja de galinha, antes de se tomar qualquer decisão. Para ilustrar este raciocínio, remetemos os nossos leitores para o nosso último jornal, onde se fala de uma brilhante iniciativa da Junta de Freguesia de Valadares, do vizinho concelho de S. Pedro do Sul. Ao ler aquilo que ali se está a fazer, nota-se que estas e outras freguesias (que, parece, nem é o caso desta autarquia) não podem morrer assim, só porque têm menos habitantes que a tabela, de régua e esquadro, acabou por registar. Com tempo e com obra, umas outras suas dimensões não têm paralelo: a proximidade, a cumplicidade, o conhecimento dos problemas e a capacidade de os resolver. Isso, não há dinheiro que o pague. Ao deterem uma vasta teia de funções próprias e outras delegadas, a que se junta um extraordinário espírito de voluntariado e bem fazer, tudo quanto a elas diga respeito merece uma atenção especial, que os responsáveis políticos, lá em cima, não podem descurar. Nem atirar pela janela fora. Muito menos isso. Carlos Rodrigues

Uma ideia sobre as autarquias publicada em NV há largos meses

Poder local à espera de machadada forte e feia - 1 – Uma leitura geral Anunciada vezes sem conta e outras tantas alturas adiada, a reforma do poder local parece que, daqui a tempos (?), vai mesmo aparecer. Pelo menos, já tem Livro Verde e um Ministro, Miguel Relvas, com vontade de mexer nessa estrutura da nossa organização política e administrativa. Só lhe falta uma condição: ter a força de Mouzinho da Silveira, aquela veia de estadista que não toca a todos. Sendo a maior conquista do 25 de Abril, as Autarquias são isso mesmo: donas de si e do seu destino. Porque lhes assiste uma força imensa, a do voto e a da proximidade, têm marcado um caminho, que é o de seguirem o seu rumo, em função de programas, agentes activos e dinâmicos, conhecidos, estimados (também odiados), pessoas de carne e osso, que se cruzam com seus fregueses e munícipes ao virar da esquina e deles quase percebem o que desejam, pelo menos aparentemente. Se, em 1975 e 1976, foi fácil definir um rumo e encontrar um quadro legislativo para o nosso figurino democrático mais imediato e genuíno, que se consubstanciou numa lei que agradou a todos, se as fronteiras pegaram nos limites do anterior século XIX, em que tudo andou em bolandas, mas que, nesse último quartel de século XX, se entendeu não retocar, muito menos alterar, salvo um ou outro aspecto de pormenor, tudo se conjugou para que tivesse – como aconteceu - êxito assinalável. Temos assistido a arremessos vários ao longo destes tempos, nesta matéria. Chegou a ser praticamente assinado um acordo que, por razões que só a política e o tacticismo sabem entender, veio a ser rasgado. Agora, com a Troika, colocados perante um cutelo ameaçador, Deus nos acuda, temos de puxar pelos cordelinhos da imaginação e encontrar as soluções miraculosas. Uma delas, talvez nunca a melhor, nem a mais sensata, veio fazer inscrever no papel a tese dos números, das distâncias, das estatísticas, da contenção (?) de gastos, mas esqueceu aquilo que é mais importante e sagrado: a identidade das pessoas e de suas comunidades. Mesmo que assim falemos, não descartamos a hipótese de ver este tema ser repensado, alterado, melhorado, se for possível, mas nunca desvirtuado. E o que vemos em cima da mesa, para sermos fiéis a posições com anos de assumido destaque pessoal, têm carimbos de que não gostamos e um deles, talvez o mais forte, é este: defender-se a ideia de vereadores de estufa, sem serem eleitos e, pelo contrário, escolhidos pelo cidadão mais votado da lista para a Assembleia Municipal. Essa é uma tese que nos desagrada vivamente. Para nós, um vereador é isso mesmo, desde a Idade Média e até, às vezes, mais entroncado que os “presidentes” que, nesses tempos, podiam ser juízes de fora, alguém com legitimidade de voto e não um “quadro” que ora se aceita, ora se atira pela borda fora. Dizem que, com esta medida, se defende a funcionalidade das autarquias, se evitam entraves diversos, se agilizam procedimentos, se dá forma de governo nacional a entidades locais. Certo. Mas imensamente errado: retira-se ao poder local aquilo que ele é – a expressão viva, discutida, dificilmente conseguida, mas, também por isso mais enriquecida, do que tem de mais nobre a função política, que é o facto de encontrar soluções entre as diferenças e andar em frente. Acrescentam que as Assembleias lá estarão para fazerem a devida fiscalização. Certo. Mas imensamente errado, se soubermos, como sabemos, que os seus tempos de funcionamento nada têm a ver com uma AR, aberta todos os dias e com outros poderes. Se estas são questões de princípio, outras nos atormentam e uma delas tem a ver com as supressões e fusões que se pretendem ver consagradas nas Juntas de Freguesia, o mexilhão de todo este edifício do poder local que temos, democrático e que nelas tem o pilar básico – o mais próximo elo de ligação com os cidadãos. Repare-se: nas Câmaras não se toca, recomenda-se, angelicamente, a constituição de uma espécie de associações… Ao passarmos os olhos pelo respectivo Livro Verde, que queremos aprofundar em termos de um maior conhecimento de pormenor, temos a clara noção de que, quanto a teoria, há ali terreno a lavrar, mas, se cavarmos mais fundo, são muitos os calhaus que iremos encontrar. Discutível é a terminologia das freguesias maioritária ou predominante urbanas, ou rurais, assim como o números de habitantes e densidade populacional, bases de trabalho para futuras tomadas de decisão. Aqui, tudo é verdade e o seu contrário. Preto e branco não são critérios que se possam utilizar. Talvez o cinzento também tenha o seu lugar. Depois, quem é quem no caso de extinções ou fusões, sendo que defendemos a máxima de que ninguém pode ser privado do melhor que a democracia tem: a possibilidade de encontrar um interlocutor à mão de semear. Dito isto, nenhuma freguesia que, eventualmente, venha a eclipsar-se, pode ficar sem representantes eleitos e com a devida legitimidade. Esse é um ponto que nunca, em tempo algum, pode vir a ser perdido. Por ser este um fato difícil de cortar e coser, a ele voltaremos, proximamente, com mais dados e pormenores. Carlos Rodrigues

terça-feira, 13 de agosto de 2013

A nossa Pedra da Broa

Em véspera do convívio da Pedra da Broa, lembrei-me de lhe dedicar estas linhas: - "... Vou à Pedra da Broa/ à procura de sardinha assada/recordo, coisa boa,/a amiga de sempre da patuscada...// ... No princípio, era o Gomes, florestal/vinha e vem também o Quintela, engenheiro/começou a festa, não levem a mal/mais de meio século, por inteiro...//... O grupo foi crescendo, anos a fio/ em cada mês de Agosto, mês quente/refresca-se este anual estio/ com muita e boa nossa gente...//... É o sábado, o segundo/E Lafões ali vai parar/Vêm amigos de todo o mundo/ à Pedra da Broa, para à mesa estar...//...A sardinha é rainha em brasa feita/ as batatas, a salada, o vinho e o pão/ são companhia e grande peita/ pr'a estes convivas do coração...//... Muitos aqui estão, outros são saudade/esta a tradição que perdura/tempos fora sem maldade/ que esta Pedra rija nem água a fura...///

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Férias de Verão

Amanhã, começa Agosto. As férias estão aí. Há um destino que convida: Lafões, com as maiores Termas da Península em S. Pedro do Sul, com Vouzela e a sua monumentalidade, com Oliveira de Frades, meio mar, meio serra, com uma das Antas de maior relevo, a nível geral: a de Antelas e suas fabulosas pinturas. Há tudo de bom para se passar por aqui. E ficar...

terça-feira, 30 de julho de 2013

O tempo e a velocidade num comboio falecido...

Há dias, por acaso, dei de caras com um velho horário dos comboios que faziam a ligação entre Espinho e Viseu e vice-versa, aí pelos anos cinquenta do século XX, não AC, mas DC. Em termos ascendentes, tínhamos estas circulações: nºs 841, 823, 801, 829 e 803. Para a distância entre estas duas cidades, que não andará muito longe dos cento e tal quilómetros, mais dezena (s), talvez, pisavam-se os carris durante mais de cinco horas, como se vê pelo horário do nº 823, que saía de Espinho às 7.05 horas e chegava a Viseu às 12.55 h. No sentido inverso (Viseu-Espinho), havia os nºs 824, 802, 832, 804, 844 e praticamente o mesmo tempo de viagem, avaliando-se isto, por exemplo, através do nº 824, que partia de Viseu às 6.35 horas e parava em Espinho às 11.55 h. Diga-se que havia uns mais rapidinhos, na ordem das quatro horas (802) e outros mais ronceiros que faziam consumir a paciência dos passageiros aí umas sete horitas (832). Convém que se diga que havia um ponto intermédio de envergadura, que fazia e derivação para Aveiro: a Estação da Sernada, esse mundo ferroviário, que hoje definha a olhos vistos e onde tudo morre aos bocadinhos, de uma forma profundamente desumana e de lesa-património. Quando hoje tudo se mede ao minuto e ao segundo, quando de Aveiro a Lisboa, no Alfa ainda muito preguiçoso, se gastam pouco mais de duas horas, estes números aqui ficam para medirmos distâncias temporais e, mais do que isso, sociológicas. A este nível, deve afirmar-se que a Praia da elite viseense, de S. Pedro do Sul, Vouzela, Oliveira de Frades e por aí abaixo, era, nessas épocas, a bela Espinho, onde se chegava cansado e chateado de tanta pouca-terra, pouca-terra, pouca-terra e muito carvão e fumo engolidos. Mas havia uma imensa alegria, de um lado ao outro: as paisagens eram (são) de sonho!...

quarta-feira, 24 de julho de 2013

O Governo que vimos em 2011, via Notícias de Vouzela

Governo em tempo novo, mas com o calor a aconselhar cautelas Ao abrirmos a agenda desta edição, que precede a festa do nosso aniversário, damos de caras com a formação de um novo Governo, numa aposta onde abunda a novidade, a força de gente nova que muitos de nós jamais ouvíramos falar, isto a pressagiar algo de diferente, inovador e até arrojado. Por outro lado, notou-se aqui um factor essencial: num exercício comparativo, tivemos o cuidado de ler alguns jornais e outras manifestações de opinião e quase ninguém acertou no típico aterrar a barro à parede. Atrevemo-nos a dizer que este foi um bom trabalho, tal como o fora aquele que levou à conclusão do acordo parlamentar e de governo entre o PSD e o CDS/PP. Se estes são aspectos a referir com nota a abeirar-se do mítico 20 (quando a escola e os alunos eram avaliados!), nada sabemos quanto ao resultado das escolhas feitas. Em tempo de Verão, que agora se inicia, e de melões à beira das estradas, cuja qualidade só se avalia de faca na mão e de lábio conhecedor em exercício, tudo quanto se possa adiantar é puro exercício de especulação e imaginação envaidecida. Para não cairmos em erros desnecessários, fiquemo-nos por aqui em termos de divagação. Está no Governo quem foi chamado(a), talvez com algumas recusas, e agora é chegado o tempo de deixar andar quem souber mexer-se. Boa sorte! Que precisamos de quem saiba traçar linhas e metas de dura objectividade, disso não duvidamos. Que é urgente cortar a direito e pôr a casa em ordem, eis outra verdade que o povo português bem assumiu, até na votação do passado dia cinco. Que não podemos andar a brincar, quando o assunto é demasiado sério e complicado, sabemos que essa atitude de firmeza tem o apoio de quem quer ver o país a sair da cova funda em que caiu. Que amanhã será tarde e esta é a hora de arregaçar mangas sem quartel, eis outra receita altamente urgente. Com um elenco curto, achamos que é nosso dever chamar a atenção para um outro pormenor: como exemplo, como estímulo à poupança, isto funciona. Como remédio para a crise, talvez sim, talvez não. É tudo uma questão de outros pormenores: se é tão grande a concentração de respostas a dar em onze “pastas”, há muita ramificações que carecem de um outro suporte, isto é, uma rede de secretários de estado que não sejam auxiliares de ministro ma agentes de decisão com corpo, alma e espírito de bem saber fazer e aplicar programas em cada um dos respectivos sectores. Cremos que, sendo esta a época de determinar o nosso futuro, não o é em termos de discutirmos questões de “lana caprina”, ou seja, pouco nos importa se há mais ou menos ministros, quando o que Portugal precisa é de se sustentar em quem defina rumos, aperte a malha e diga, claramente e sem tibiezas, para onde se ir. Dito de outra forma: não nos apoquenta nem “arrefenta” quem tem gravata mais ou menos dourada, porque o que queremos é quem saiba o que fazer, quando, onde e como, devendo acrescentar-se, ainda, um outro factor de monta: em vez de se operar para alguém, que se pense em trabalhar “com” toda a gente, de modo a obterem-se sempre os melhores resultados. Para bom entendedor, estas meias palavras bastam: ministro, ou secretário, tanto faz. Se é de obra que precisamos, para quê tanta conversa a deslado, só para encher rádios, jornais e televisões, numa postura em que toda a gente fala, fala e poucos têm na mente o essencial - a dureza do caminho que não dá para floreados, já que , com esse peditório, ficamos a ver navios, num mar que, até, desperdiçámos?... Sem rei nem roque, nestes mesmos momentos, parta-se em frente, que as horas que se avizinham não estão para meias tintas. Dizem-nos que deveríamos escolher áreas centrais para uma mais acelerada actuação. Recusamos esta sugestão, tais são as nossas prioridades: todas, sem excepção. Por isso mesmo, nem nos preocupam os perfis dos novos Ministros. Venham eles, cheios de garra, genica, generosidade, boa vontade e inteligência… Carlos Rodrigues

terça-feira, 16 de julho de 2013

Um Passos com passada difícil, escrito há tempos atrás...

Um Passos com passada difícil Por mais que descortinemos, por mais que queiramos ser benevolentes com a realidade, esta apresenta-se-nos muito turba, muito trôpega, muito sem jeito nenhum. Por mais que queiramos ver isto andar para a frente, há sempre uma pedra no caminho. Por mais que nos esforcemos em encontrar um TGV, deparamos sempre com um pachorrento e velho Chelas do Vouga, que nem corria, nem estava parado: fazia de conta que comia quilómetros e Aveiro e Viseu estavam a horas de distância. Por mais que atiremos as dificuldades pela borda fora, logo nos apoquentam, de novo, em força de ricochete, para nos dar cabo da cabeça. Por mais que tentemos acordar sem novos cortes, temos a ingrata notícia de que algo de mal aconteceu, ou está prestes a rebentar. Ainda, há dias, ao aguardarmos uma grande poda nas despesas do Estado, anunciadas e prometidas, saiu-nos na rifa uma dose de impostos que nos deixaram de espinha partida. Por mais que ouçamos as trombetas a indicar tempos difíceis e queiramos dourar essas mensagens, não somos capazes de o fazer. Por mais que nos digam que há manhãs melhores, estas nunca mais vêm. Por mais que, na Universidade de Verão de Castelo de Vide, essa educação sazonal e um local de estudo estratégico a nível político, uns mostrem, mesmo de dentro, (in)fundadas críticas e outros se sintam tentados a referir a proximidade de um sol mais quentinho, sempre nos surgem empecilhos que nos fazem recear o futuro. Por mais que Passos Coelho se esforce – e tem-no feito – e por mais que vá a Espanha e Alemanha, cá, na sua terra, os passos são, cada vez mais, apertados, porque há a esperança de ver novas políticas e estas tardam a nascer. Por mais que o Documento de Estratégia Orçamental e outros estejam bem elaborados e muito cuidadosos em prever o que irá acontecer até 2015, mesmo que aí se leia que se vai decrescer até 2012/2013 e reanimar, um pouco, nos anos seguintes (mas com o desemprego sempre a ameaçar-nos e a economia a não descolar), a grande parte das linhas apenas fala em feridas que, vindas de práticas tortas de muitas décadas, têm cura retardada, ou mesmo impossível. Por mais que saibamos que uma banca sem poder financiar as empresas e os particulares é estorvo incontornável, por mais que os livros de economia acrescentem que o aumento exagerado de impostos mata essa galinha de ovos de ouro, potenciando a evasão fiscal, ao darmos esses passos a vida de Passos é cada vez mais difícil. Por mais que se peça uma boa comunicação das mediadas tomadas e a aplicar, há sempre bocas a mais e estratégia concertada a menos. Por mais que queiramos sãs políticas, logo vêm essas maldades das “escutas” a fazer-nos cair do escadote em que tínhamos subido para agarrar uma qualquer estrela de esperança, que foge ao primeiro assopro. Por mais que apostemos em melhor educação, é com dor de alma que vemos que as mudanças são mais do lado da “expulsão” de professores que de outras viagens bem mais duradouras e mais profundas. Por mais que desejemos ver uma outra justiça, tudo continua praticamente na mesma. Por mais que toda a gente sinta que importa reanimar o tecido produtivo, este teima em desfazer-se e a não ser capaz de encontrar a forma de cultivar os campos, pôr as nossa fábricas a produzir, as lojas a vender, as vacas, de novo, a dar leite, o mar a trazer-nos peixe e é, pelo contrário, de encerramentos que as notícias nos falam. Por mais seguras reformas que esperemos, as meias medidas não resolvem quase nada e os passos de Passos são cada vez mais difíceis. Por mais que temamos, por outro lado, temos fé e estamos em crer que os passos de Passos darão frutos, mais tarde do que queríamos, mas ainda a tempo de evitar a catástrofe que todos repudiamos, mesmo aqueles que, ameaçando com a rua (e outros com “tumultos”, em linguagem de condenar), aguardam a oportunidade de, aí, mostrar a força que lhes falta no xadrez da Assembleia. Por mais que nos queiram dizer o contrário, temos fé. Essa é que é a verdade que nos dá algum alento. Carlos Rodrigues

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Cavacada

Puxando de um cacete, Cavaco Silva nem precisou de o usar: deixando-o ficar a seu lado, as suas palavras foram mais do que pauladas em Passos e Portas, foram autênticos punhais. Ignorando as suas últimas propostas e juras de amor, disse calado a esse respeito, afinal, que deixou de lhe passar cavaco. E leu-lhe a sua própria cartilha: ou esta gente dos partidos se entende a sério, ou, subentende-se, dele mesmo pode sair um outro coelho de sua cartola, que este seu Coelho, pensou e não o disse, já deu o que tinha a dar. Com prazo marcado até Junho de 2014, só faltou esfolá-lo de vez. Mas está perto disso...

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Grande festa, a da Nossa Senhora Dolorosa, em Ribeiradio

Nossa Senhora Dolorosa em Ribeiradio, 330 anos de festas Para a grande romaria de Lafões, que é a festa de Nossa Senhora Dolorosa, em Ribeiradio, um evento religioso e profano que assenta numa longa tradição, muito contam as razões que, no entendimento daquele seu laborioso povo, são o suporte e origem destas comemorações: estamos a lembrar-nos dos «milagres» que levaram à extinção duma perigosa praga de gafanhotos e lagartos, em 1681 e à ultrapassagem das dificuldades de um duro inverno de 1706. A partir destas duas vitórias, a festa cresceu a olhos vistos, dizendo-se no Santuário Mariano, obra do século XVIII, que ali afluíam multidões das redondezas e de muitos lugares distantes, incluindo o Porto. Eram enchentes atrás de enchentes, tal como acontece na actualidade. Nesta terra, que serve de fronteira entre Aveiro e Viseu, entre Oliveira de Frades e Sever do Vouga, que teve vias de inegável sucesso, a ER 41/EN16 e a via férrea, e que hoje são uma saudade e uma dor, por terem desaparecido, ou perdido valor e importância, contam-se cerca de seis dezenas de povoados e nenhum se conhece pelo nome de Ribeiradio, pois que é aquele «todo» que assim se chama, em homenagem a um velho ídolo que por ali se fez notar. Dizem. Mas, mais do que estas lendas, esse documento religioso, o aludido Santuário Mariano, reza assim: “… Aquele grande distrito da ribeira (no meio do qual) se vê o Santuário de Nossa Senhora de Lourosa (era deste modo que se designava)… foi antigamente a matriz de todas as freguesias vizinhas – Igreja de Santo Estêvão na vila de Couto de Esteves, de S. João Baptista de Cedrim e da de S. Miguel, aonde hoje pertence e é matriz…” Mais adiante, acrescenta-se: “… As ofertas da casa da Senhora são do pároco, que é vigário porque os dízimos pertencem a uma Comenda… (Por ser) a melhor do bispado, a provêm os senhores bispos em pessoas nobres … Parece ao longe uma cidade, ou fortaleza inexpugnável… Na fábrica da Igreja se reconhece a sua muita antiguidade … (com) reparações em 1685/1688… “ Recua-se ainda bem mais no tempo quando se afirma que a Quinta de Lourosa foi doada a Pedro Forjás, em 1154, o que pode fazer supor um templo a remontar a esse período da Idade Média. Sem provas, para já, ficam estas referências como pistas ou suposições, mas não nos custa aceitar que assim tenha acontecido. Como quer que seja, 330 anos são passados sobre a tal praga de gafanhotos, talvez este um facto histórico e a raiz da imponente Festa de nossa Senhora Dolorosa, a maior de todas nestas redondezas. No início do século anterior, em 1903, constitui-se a Associação de Piedade e Beneficência com o nome de Confraria de Nossa Senhora Dolorosa, aprovada pelo Governo Civil e Governo Eclesiástico nesse mesmo ano. Até o Sumo Pontífice, o papa Pio X, em 15 de Dezembro a vem consagrar. No campo de tudo quanto representa para Ribeiradio a sua Festa, por excelência, que mobiliza todos os anos, dedicadas Comissões, entronca ainda a lenda da Pia Baptismal que, retirada dali, ali teve de voltar, sossegando-se depois. Lá em baixo, na Igreja de S. Miguel, não se dava bem. Dizem. Com um Santuário, que foi objecto de grandes obras de ampliação e restauro há curtos anos, de inegável imponência, não podem esquecer-se a beleza da imagem de NS Dolorosa, em pedra de Ançã, os riquíssimos quadros, que, segundo consta, estão relacionados com o próprio Vasco Fernandes, o espaço e adro envolventes, o cemitério, a feira dos oito, hoje, um pouco mais longe e nos segundos domingos, o coreto, a Casa dos Arcos, etc. Nem a Banda Marcial Ribeiradiense nascida em 1890/1891. Sendo esta freguesia conhecida pela sua dinâmica social e associativa (ver NV de há tempos), no plano religioso, temos a destacar estas capelas: S. Domingos, Cancela; Santa Ana, Souto Maior; Santo Afonso, Paredes; Santo António, Galegas; Santa Susana, Alagoa; S. Brás, Espindelo; Gruta do Anjo, Campanário. Como é lógico, não podem esquecer-se a Igreja Paroquial de S. Miguel e ainda um significativo Calvário, no lugar do mesmo nome, o Monte Cadafaz, as alminhas e tantas outras formas de religiosidade popular. Com tantos motivos de interesse, o maior de todos está na Festa. Ir é preciso. E regalar-se com tamanho encanto de um vasto programa que a Salete Costa vai explanar. Carlos Rodrigues

terça-feira, 9 de julho de 2013

O meu país está a ferver...

Em Belém, Portugal, ali para os lados da Praça do Império, que Deus haja, o sol aquece e a política ferve: de um lado, quarenta graus; do outro, a tormenta de quentes argumentos com cada participante a puxar a brasa a sua sardinha, querendo queimar tudo em seu redor. Num País assim a arder, não há Bombeiro que nos salve. A aparente acalmia que está, dizem, para aparecer, mas o Borda d'Água falha que se farta, fazendo eventualmente baixar as temperaturas, não as molda a nosso bom jeito. Nem nada que se pareça.Só que do lado de quem defende escaldões maiores também não vislumbramos melhor temperatura. Olhem, do mal o menos. Uma qualquer sombrinha sabe sempre bem. Nem que seja provisória e artificial. Como esta que nos está a calhar em sorte!...

terça-feira, 2 de julho de 2013

Um projecto na Vagueira com mensagem universal

Escreveu-se história ambiental na areia da Praia da Vagueira, no passado domingo, dia 30, entre o meio dia e as cerca das 17 horas. Mais de 2200 pessoas, com suas toalhas e vivo entusiasmo, participaram num projecto dinamizado pela Perlimpimpim e suas Fadas, que consistiu na elaboração de uma frase, com gente de carne e osso, que assim foi vista do céu e do solo e também do mar. Eis o que ali ficou registado e gravado para sempre: " AS FERIDAS DA TERRA NÃO CICATRIZAM COM INDIFERENÇA". Estive lá. Com a família e amigos. Com pessoas que não conhecia de lado nenhum e que, comigo, viveram a festa, bateram palmas, fizeram as ondas à futebol, pularam, apanharam com um sol escaldante, provaram o bolo final, também ele à escala gigante, e, sobretudo, partilharam momentos de intensa cidadania, levando esta frase a correr mundo e a caminhar para o livro do Guinness, ao que sabemos. Mobilizando vontades, esforços e dedicações, esta Casa de Chá, a PIM, foi tudo o que dela costumo esperar: um poço de cultura e de acção cívica, com todas as letras, até estas feitas na areia quente daquela imensa Praia que precisa da atenção de todos, porque o seu cordão dunar grita por "vida" e é esta que lhe queremos dar. Na biodiversidade, é a nós que cabe a grande tarefa de olhar por estas belezas da natureza. E a Vagueira, na hora da despedida daqueles milhares de pessoas, teve mesmo mais encanto. Agora, que quem de direito olhe para esta acção e dela retire a lição que ela quis transmitir. Nota 20, diz quem tantas notas já deu...

terça-feira, 25 de junho de 2013

Um hospital em S. Pedro do Sul

Um hospital que nasceu da oferta de António José de Almeida Vimos, na crónica anterior ( 2011/12/29), que o velho Hospital da Misericórdia de Santo António de S. Pedro do Sul partiu da generosidade de um sampedrense, um dia – e por vários anos - emigrante no Brasil, que quis deixar uma marca relevante na sua terra. Se hoje há quem parta para poder realizar o sonho de poder ter uma casa sua, nessa época chegava a pensar-se mais alto, cumprindo até uma função que caberia a outras entidades, o Estado, em primeiro lugar. Mas temos de aceitar que há práticas que decorrem de uma evolução dos tempos e das ideias e esta da saúde e segurança social, para todos, tem apenas algumas décadas de existência e de acção no quotidiano da nossa civilização. Com mãos de benemérito e uma razoável capacidade económica, conseguida num labor desenvolvido aquém e além- mar, no ofício de dentista e na gestão de um património imobiliário sempre a crescer, jamais voltou costas à sua terra: pensou nela, logo quando teve de regressar do Brasil, em virtude de uma grave doença, tal como então demos nota, continuou esse objectivo mesmo no momento em que, por força de seu casamento, montou casa e vida em Vilar, S. Miguel do Mato. Nesses tempos, poderia ter inflectido a direcção de seus investimentos sociais, mas não foi isso que aconteceu, mantendo-se fiel a S. Pedro do Sul. Haveria de ser a sua nova Quinta da Negrosa a tecer as malhas de um destino feliz para os cidadãos da Sintra da Beira. Com esta propriedade como património, com os bolsos recheados, com uma vasta área e equipamentos, o Hospital não lhe saía da memória. Na carteira de seus bens, temos terras em S. Pedro do Sul, Várzea, Baiões, Fataunços, Queirã, S. Miguel do Mato, Bodiosa e Sul, podendo ainda contarem-se foros remidos da Comenda de Ansemil e uma espécie de actividade bancária, que lhe rende chorudos proveitos. Para aquisição da citada Quinta da Negrosa, pegou em 4 contos de réis, tendo de desta quantia pagar ao Seminário de Viseu 993000 réis e à Santa Casa da Misericórdia de Vouzela um valor de 1200000, por dívidas do anterior dono, o Conselheiro e Marechal da Campo Henrique de Melo Lemos e Alvim, a fazer fé no testemunho e sábia recolha de Manuel Barros Mouro. Sobraram-lhe 1807000 réis, porque 4 contos equivalem a 4000000. Foi essa a verba com que partiu para esta generosa dádiva, acrescendo-se-lhe tudo quanto amealhara ao longo de sua vida e que era muito, segundo se deduz dos documentos compulsados e dos vazios que estes acabam por deixar. Se as linhas desses papéis são elucidativas, as entrelinhas “falam” também. Fruto deste acumular de riqueza, por testamento, um outro de 19 de Novembro de 1873, cria uma Fundação (esta para viver por si mesma e não como aquelas que hoje por aí proliferam às custas do erário público!) que tem como incumbência a manutenção de um Hospital, sob a invocação de Nossa Senhora do Amparo, a instalar na sua nova Quinta. Como responsável por esta Instituição e valências, delega na Câmara Municipal, numa primeira fase, esse mesmo quinhão, sendo testamenteiros sua mulher, o irmão Joaquim, o parente António Oliveira Queirós e a referida Câmara Municipal, por esta ordem, respectivamente, a quem eram dados proveitos de cerca de 9000000 de réis, um colosso do fortuna. Não satisfeito com estes destinatários, em 20 de Outubro de 1885, passa aquilo que pertenceria â Câmara para a Misericórdia de Santo António de S. Pedro do Sul, “única e universal herdeira com direitos e obrigações”. Entra aqui uma ideia: a de que António José de Almeida só deu este passo quando sentiu que a Misericórdia estava legalmente constituída e sólida, o que se verificou em 17 de de Janeiro de 1875, quando o projecto de reforma dos seus Estatutos veio a ser aprovado, fruto, porém, do contributo de uma Comissão, vinda do ano de 1866, de que faziam parte os Drs. Manuel Correia de Oliveira e José Rodrigues de Figueiredo. Dando-se o salto de Irmandade para Confraria, o Governo Civil dá o seu aval em 20 de Maio de 1876 e uma Breve canónica de 27 de Janeiro de 1880 acaba por considerar definitiva esta Misericórdia. A partir destas garantias, não havia razão alguma para ter a Câmara como intermediária. Aliás, é tal o seu desejo de vir a contemplar uma Misericórdia, que faz inscrever, a dada altura, uma cláusula em que se consagra a disposição de, no caso de S. Pedro do Sul não aceitar, tal herança reverter a favor das suas congéneres de Vouzela ou Viseu. António José de Almeida pede muito pouco como compensação por esta sua benévola dádiva, porque se contenta com uma Missa perpétua, ao romper da aurora, na Igreja Matriz da vila, ou Capela do futuro Hospital. Porém, por força de diligências diversas, nem este seu desejo veio a ser concretizado: de 7 de Março de 1896, essa Missa transferiu-se para a Capela de Santo António, mas, em 7 de Fevereiro de 1905, o Bispo de Viseu, comutou-a apenas para os domingos e dias santos de guarda. Como já tinha falecido em 4 de Abril de 1889, não assistiu, como é lógico e óbvio, a esta alteração, mas a sua alma deve ter dado pulos de dor e revolta, pensamos nós, claro. Em virtude de uma norma legal, após a sua morte, os bens foram arrolados para a Fazenda Nacional no dia 23 de Julho de 1889, três meses apenas depois de ter falecido. Mas este facto não retira uma vírgula à sua intenção e respectiva concretização. Também, no ano de 1890, morreria sua esposa, Maria Antónia de Jesus, que nascera em Vilar, S. Miguel do Mato, pelo que nem um nem outro puderam assistir ao momento em que se viu florescer tão significativa oferta. Com as obras a decorrerem, em termos de terraplanagem, desde 27 de Outubro de 1885, mediante uma decisão do Provedor José Correia de Oliveira, não no local que lhe estava destinado, por falta de área da Quinta da Negrosa, mas numa outra, entretanto adquirida, mediante autorizações que permitiram esta mesma permuta, em boa verdade o Hospital só começou a ter vida, como edifício, em 10 de Março de 1892. Assim, nesta mesma data, é posto a circular o projecto e planta desse edifício, sendo seu autor José Luís de Almeida, o que faz deduzir que as obras em força só nessa altura se iniciaram, mas o certo é que o Hospital nasceu e cresceu, mercê deste acto generoso de António José de Almeida. Contrariando esta informação acerca da autoria do projecto, ou ampliando-a, uma outra fonte, lida em “Lafões, terra e gente, Avis, 2008”, onde muito colaborou o saudoso amigo Júlio Cruz, vem dizer-nos que, afinal, tal documento se deve ao Eng. Francisco de Figueiredo e Silva, de 31 de Dezembro de 1891. Seja. Um novo dado aí nos é relatado: o Hospital, de invocação de Nossa Senhora do Amparo, foi aberto ao público no ano de 1900, dizem uns, alegam outros que tal aconteceu em 1902. Ficando esta dúvida, uma certeza é incontornável: S. Pedro do Sul teve um Hospital que foi pensado e oferecido por um grande benemérito – António José de Almeida. Desse gesto, nada resta, que o Centro de Saúde veio apagar tais vestígios. Mas reza a história que a sua memória não pode ser esquecida. Agora, que lá mais além, desponta uma nova Unidade de Saúde, feita com dinheiros públicos, saber que, há mais de cem anos, houve homens desta dimensão, que muito deram de si para um investimento a oferecer à sua terra, é algo que importa ter sempre presente. Perpetuar este legado é um dever de consciência e de gratidão. Divulgá-lo também. Foi isso que acabámos de fazer. Carlos Rodrigues

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Homenagem aos pastores da Serra da Arada

Ainda há pastores como antigamente, na Serra da Arada No sábado à tarde, pus-me a escalar as Serras de S. Pedro do Sul e de Lafões, com um propósito claro: rever maravilhas de encher o olho, de deixar a alma satisfeita e em delírio, sorver pedaços de uma terra – a nossa – que tem sempre mais e mais a dar-nos. Partindo de Oliveira de Frades, dei de caras com o Rio Vouga, lá em baixo, naquele recanto de beleza, Sejães, que se passa devagar, para melhor saborear o que nos entra pelos olhos e ouvidos dentro, como sejam a riqueza verde dos montes e o sussurrar do Rio, que ali até parece falar. Trepada a encosta de Valadares, já em pleno concelho de S. Pedro do Sul, mas sempre de olhos postos em Oliveira, vale a pena parar, que aquela varanda de casario e canteiros trabalhados, quase ajardinados, virados a sul, bem merecem uma atenção especial. Cruzada a estrada do Porto, via Serra, como antes se lia no centro da agora cidade sampedrense, quando se sobe em direcção à mágica e mítica Manhouce, que vozes de ouro têm vindo a globalizar e a divulgar, sem muros e sem constrangimentos, porque há ali cultura, um grito de dor começa de nos invadir: o monte depenado, ressequido, empobrecido e enegrecido por incêndios de anos e anos, uns atrás dos outros, sendo que o mais recente, o de 2010, deixou rastos de destruição e de morte, como, aliás, já acontecera, aqui há uns tempos, no Preguinho de triste memória, tudo isto pede uma reflexão profunda. Durante quilómetros, o que ressalta é esse infortúnio de áreas e áreas destruídas, sem cor, sem a força verde da sua pujança de outros tempos, convidando-nos sempre para a lembrança de um mundo e de uma época em que estes valores, ao perderem-se, são tesouros que não voltam, ou demoram décadas e séculos a serem, de novo, aquilo que têm por missão e grandeza vir a constituir no diálogo homem-natureza. Paradigmática deste quadro de entristecer é, por exemplo, a aldeia de Vilarinho do Monte, a da Casa dos Caçadores, onde as labaredas não deixaram de se encostarem às casas e às propriedades agrícolas, num cenário desolador. Apesar de assim ser, uma manada de pachorrentas e educadas vacas, daquelas civilizadas, que, devagar, se encostam para permitir que os carros sigam o seu destino, que ali vinham sem “doeiro”, vieram dizer que o milagre da vida não se desfaz assim do pé para a mão: vontade e resiliência é o que por ali se vê, desta forma emblemática – gado a descer a Serra é sinal de uma teimosa e salutar dedicação à causa de salvar aldeias e enriquecer Portugal. Mas o melhor ainda estaria para vir, lá mais para diante, depois daquele vetusto, mas pequeno planalto, que tem vida, turismo organizado, Parque de Campismo, uma outra terra que tem nome de espaço de caça, a Coelheira e que, acima de tudo, levou a que, à nossa frente, um imponentíssimo rebanho de cabras, 830 (oitocentos e trinta, mais coisa, menos coisa ) animais, nos tolhesse o passo, que o reino era delas, que não nosso. Lá no alto da Arada, um dia e outro, têm a sua ração mais que perfeita – aquilo que o monte, generosamente, dá e os homens aproveitam. De cinquenta anos de idade, naquela tarde de sábado soalheiro, por ali andava um pastor dos tempos modernos, mas à boa maneira de antigamente, de seu nome António Joaquim Tavares Coelho. A ele e a seus pares se deve o certificado Cabrito da Gralheira, aqui da Arada, mas isso pouco importa. Mochila às costas, já não o velho bornal, boné e bom agasalho, pau na mão, cão ao lado e outros ao longe, não vá o diabo tecê-las, eis o pastor-empresário. É assim mesmo: com origem em Ponte de Telhe, Moldes, do vizinho concelho de Arouca, adquiriu, em 2001, este rebanho e com ele faz vida económica e familiar. É a sua empresa e o seu gostoso trabalho, que completa com as demais lides agrícolas, repartindo tudo isto com a esposa, Olívia de Jesus Duarte Coelho e que mostram, em cada fim de semana, aos babados filhos, genros, noras e netos que não se esquecem, em geral, de ali fazer a escapadela semanal, numa aldeia, Arada, onde já não há mais ninguém. Todos partiram. Vieram estes “colonos” em compensação. Com o apoio comunitário, cerca de 25000 euros por ano, que tem de manter durante um lustro, com os cabritos que vende, que cabras tem, na ordem das três centenas em cada 365 dias, quando a “caipora” não estraga os planos, como aconteceu neste ano de neve, em que se perderam 90 dos 140 que nasceram, assim faz o seu pé de meia e paga as despesas, como homem de bem. Se cabrito criado é sinal de dinheiro em caixa, que o escoamento está assegurado para talhos e restaurantes, ninguém avalia, a sério, a dureza das suas funções. A par do pastoreio quase diário, salvo quando é substituído, ainda tem de amamentar as crias, a biberão, nos primeiros tempos, limpar os pavilhões e “fazer” as terras. Não há, por isso, descanso e, pensamos até, que se daria mal com ele. Sempre com um olho no rebanho e outro nos sonhos de uma vida que se escreve em plena Serra da Arada, dói-lhe a vinda dos lobos, em dias de cerrado nevoeiro, que já lhe levaram 13 princesas, a acrescentar àquelas que o fogo do último Verão lhe devorou, cerca de 25. Mas não tem no seu dicionário a palavra desânimo, nem preguiça, este António, de Moldes, que vive agora em Arada e mudou de vida há quase um década: fez-se pastor, o que permite dar ao cabrito da Gralheira um lugar de destaque. A seu cargo, acolhe 830 cabras e afins, que o recato de linguagem assim nos obriga a falar. Com este encontro inesperado, até aquelas Serras, nuas e negras, parece que tiveram o seu mágico encanto. Parece. Mas falta-lhes qualquer coisa – o verde das árvores, o cheiro a rosmaninho, o pico dos tojos e o encanto da carqueja. Mas ainda há pastores como antigamente. E isso é que é importante, sem dúvida. Carlos Rodrigues

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Lafões e as Invasões Francesas

Lafões nas lutas contra as Invasões Francesas Comemora-se, no corrente ano de 2010, o duplo centenário das Invasões Francesas, que, iniciadas em 1807, se prolongaram até 1810 e, com um pouco mais de cuidado, podemos mesmo dizer ainda que há vestígios directos desse conturbado período da nossa História algum tempo depois. Este é um ponto de contornos complexos, que tentaremos descrever. Ao enveredar por esta escolha temática destinada à Revista “Terras de Lafões”, que o nosso bom amigo Júlio Cruz está a dinamizar e a oferecer aos seus futuros leitores, temos em linha de conta que esta região se inscreveu, pela acção e não por um qualquer deixa- andar, nas páginas dessa época. Antes de avançarmos, começamos por dizer que o Ducado de Lafões ( 1718, D. João V) – o que só por si justifica estas referências, muito embora se saiba que esse título nobiliárquico até pouca ligação directa possa ter com estas paragens! - foi elemento determinante nalguns desfechos que se vieram a conseguir. Por outro lado, e já a cheirar a contendas que envolviam os franceses, na célebre Guerra das Laranjas , em 1801, comandava as tropas portuguesas “… o octogenário Duque de Lafões, que, sem qualquer razão, não quis ceder o comando do exército ao Conde de Goltz , (pelo que)teve tal necessidade de descansar do seu labor guerreiro, que, desde o primeiro revés e em plena campanha, se retirou para Lisboa…”( Jean-François Labourdette – História de Portugal, Dom Quixote, Lisboa, 2003, pág. 471). Vencido pela força do imparável destino, veio a morrer em 1806, um ano antes da entrada, quase triunfal, dos franceses sob as ordens de Junot. Mas, diz-nos a história, teve seguidores à altura, quando tal foi necessário. Se a ele se deve, entre outros contributos, o lançamento da Academia das Ciências de Lisboa (1779), conjuntamente com o Abade Correia da Serra, conclui-se, com estas referências, que a sua acção não se confinava ao mundo da intelectualidade, uma vez que se dedicou também à causa da defesa da soberania nacional como seu agente activo. A este propósito, deve acrescentar-se que foi Mordomo-Mor da Casa Real e Secretário de Estado da Guerra, sem esquecermos que teve muitas outras funções de grande relevo. Este 2º Duque de Lafões, 4º Marquês de Arronches e 8º Conde de Miranda tinha nome extenso, a saber: D. João Carlos de Bragança e LIgne de Sousa Tavares Mascarenhas da Silva. Foi, por assim dizer, o elo mais forte de todo este Ducado, tendo-lhe sucedido (?), no cargo, D. Ana Maria de Bragança e demais apelidos, depois de, ao que parece, ter havido uma espécie de vazio (?) nesta distinção honorífica entre estas duas pessoas. Voltando ao assunto que aqui nos trouxe, no meio dum caldeirão onde ferveram, anos a fio, os ingredientes para um conflito que, como sabemos, atingiu fortemente Portugal, será preciso evocar a velha rivalidade anglo-francesa para entendermos o contexto em que se inseriu e cada um de seus contornos. Mas basta-nos aflorar, nos tempos próximos e anteriores às Invasões, dois ou três episódios para se ficar com uma ideia de como andava acesa a fogueira da discórdia entre as duas ancestrais nações, que personificam o continente majestoso e uma espécie de atrevidas ilhas… Com um pouco de descaramento, é chegada a hora, numa linguagem bem popular, de se afirmar que, com dois galos e um só poleiro, o pretendido domínio do mundo, numa guerra-fria antecipada e a escaldar em muitas alturas, outro desfecho não era de prever-se, para mal de todos os mexilhões de cada época histórica. Um deles foi, seguramente, Portugal. Assim, por exemplo, o osso da derrota de Trafalgar, em 1805, custa a roer por parte dos franceses, que, aliados aos vizinhos espanhóis, sofreram aí um duro golpe. Não satisfeitos com esta vitória, logo os súbditos de sua Majestade britânica se deram ao luxo de impor um Bloqueio Naval aos arqui-rivais (Maio de 1806). Ferido no seu orgulho e beliscado nas suas ambições imperiais, logo em Setembro, vem Napoleão considerar aquele espaço britânico em estado de bloqueio também. Sem pestanejar, responde-se sempre, e mutuamente, com o mesmo tom belicista, com um carregado ambiente de desafio associado aos clarins de guerra. Neste jogo do empurra e do gato e do rato, Portugal não tem pontos, nem hipóteses de fuga. Dum lado troveja. Doutro, são tufões a toda a hora e com uma ferocidade destruidora de todo o tamanho. Ampliadas desta forma as hostilidades, o calendário dos actos beligerantes é impressionante de frieza, crueldade e escalada de lutas. Não atemorizados com o facto de estarem em permanente guerra, uma e outras destas partes passam a implicar vizinhos, amigos, aliados e todos os países que se opusessem aos seus intentos. Decorre deste princípio de alargamento das fronteiras do conflito a entrada em cena da nação portuguesa, entalada até às orelhas numa camisa de doze varas, metade de cada lado desses intervenientes principais. Em primeiro lugar, lá vinha ao de cima a Aliança Portugal-Inglaterra do século XIV, a exigir fidelidade a esse compromisso. Por sua vez, não nos convinha hostilizar os franceses e, muito menos, o temido poder de Napoleão, pelo menos em termos teóricos. Este era o dilema com que se batia a corte todos os dias. Para afirmar a sua presença, logo em 1806, o Almirante de Sua Majestade Rosselyn coloca-se frente a Lisboa, como que a proclamar a necessidade de não haver ondas que fizessem perigar tudo aquilo que o passado registara como bíblia de actuação entre Lisboa e Londres. Ao fazer tábua rasa desse acordo, que, para Napoleão, era papel queimado, a França apressa-se a dar indicações ao nosso Governo, através do seu Ministro dos Negócios Estrangeiros, no sentido de aderirmos ao Bloqueio, sob pena de ocupação do nosso território, isto, de certa forma repetido, como filme que se vê vezes sem conta, em meados de 1807. Sem perder tempo, faz avançar Androche Junot para Baiona, com a incumbência, de, mais dia menos dia, fazer de Espanha uma estrada para entrar em Portugal como faca em manteiga quente. Como se esta eminente afronta ainda fosse pouco, dá-se um outro salto muito mais perigoso e ameaçador: em Fontainebleau, em 27 de Outubro de 1807, um Tratado, assinado entre a França e a Espanha, encarrega-se de, no plano dos objectivos e das achas para a fogueira, dividir a nossa terra entre esses dois países. Ia o mês de Novembro desse ano a meio, quando as tropas gaulesas entram pelas Beiras dentro, em permitido passeio e, mesmo assim, carregado de devastação. Soado o alarme ali para os lados de Abrantes, lá ia D. João e sua comitiva, por sinal bem recheada de pessoas e haveres, para o Brasil, o que viraria o bico ao prego: o espaço ibérico, soberano, por razões da sua continuidade histórica, transferia-se para o continente sul-americano, de onde emanariam as ordens nacionais. Asfixiava Lisboa, dourava-se o Rio de Janeiro, pelo menos até depois de 1820. Mas antes dessa “fuga” estratégica, ideia que cruza transversalmente o nosso passado, até com Norton de Matos, já no século XX, foi deixada uma recomendação: não se hostilizem os franceses, antes estenda-se-lhe um tapete, postura, que, por ironia, caía bem nos liberais e na maçonaria, grupos em crescente ascensão. Mais abaixo, aprofundaremos esta “tese”. Com este cenário enquadrador, escreve-se a história de três anos de um domínio algo bicéfalo e sempre em alternativa: ora é a França e Portugal a mandar, ora este binómio se desfaz para dar as boas-vindas aos ingleses, como adiante constataremos. Começamos com Junot como actor principal, resvalámos para Weleslley e Beresford. A Junot se atribui a intenção de “ … pelo menos erigir um principado e talvez tornar-se rei de Portugal… “ (Idem, P. 476). Animado desta força de vontade e com o caminho aberto, à grande e à francesa, age como se tivesse já o almejado rei na barriga. Por algum tempo, pouco, aliás… É na fase da queda do seu pedestal que as nossas gentes entram mais directamente em cena. Nos dois primeiros anos de contendas, por assim dizer, Lafões talvez tenha agido um pouco apática e atipicamente. Mas, a partir de 1808 e, sobretudo, de 1809, a sua acção torna-se muito mais efectiva, já que vários dos nossos conterrâneos, com nomes inscritos em listas que encontrámos e que adiante referiremos, vieram a integrar o célebre Batalhão Académico, saído da Universidade de Coimbra e que respondeu à chamada das revoltas contra os invasores. Antes que esta nova chama se acendesse, ainda em Junho de 1808 se via que Lafões, tal como Évora, Amarante, Castelo Branco, Porto, Leiria, Aveiro, Arganil, Santarém, Tabuaço, Coimbra, entre muitas outras localidades, de acordo com Joaquim Veríssimo Serrão, manifestava o seu apoio e regozijo aos tempos de domínio francês. Foi este, no entanto, sol de pouca dura, que os ventos da viragem e da luta contra quem por aqui se banqueteava trariam outra postura – a da contestação por todos os meios ao alcance e a partir do norte para o sul, soprado que foi, por exemplo, o grito de Ipiranga vindo do General Sepúlveda, em Trás-os-Montes. Convém, então e como acima aflorámos, aclarar-se a ideia essencial, que resulta das consequências da primeira invasão: mal chega a Lisboa o eco dos passos franceses em solo luso, mormente por alturas da Beira-Baixa e Ribatejo, logo o Príncipe Regente, D. João VI e sua comitiva se encarregam de pôr em prática a estratégia da fuga para o Brasil, que tinha sido combinada com a Inglaterra, para evitar que o reino perecesse às mãos das tropas napoleónicas. Antes de deixar o Tejo, as ordens do estado- maior da nossa governação iam todas no sentido de não se impedir o avanço do forte inimigo, aventando-se a sugestão de lhe serem abertos todos os caminhos possíveis. De uma só cajadada calavam-se duas vozes: as da impotência em reagir a estes acontecimentos e a dos que sentiam no calor das novas ideias liberais, vindas de uma França criativa, um bálsamo para as angústias de não poder ter, dentro de nossas portas, um regime não absolutista… Com a ânsia de procurar novos figurinos governativos, vai-se mesmo a Baiona, de chapéu na mão, pedir, encarecidamente, a Napoleão que dote Portugal de uma Constituição, podendo ser mesmo uma fotocópia adaptada daquela que em França havia e estava em vigor. A acrescentar a este apelo, um outro grupo de compatriotas nossos, antes que Junot aportasse a Lisboa, tinha-se dirigido a Sacavém, implorando protecção, o que confirma ou a resignação, ou o descontentamento com o regime que aqui se vivia. Se, para as camadas finas da nossa parca intelectualidade, esta última almofada servia para dar boas condições às hostes de além-Pirinéus, para o povo, só a percepção de se estar sob um jugo estrangeiro era motivo para não dar tréguas a quem, diziam, não vinha por bem. Entronca neste fermento a formação do citado Batalhão, que incarna o espírito rebelde, no nosso caso, das gentes beiroas. Sem entrarmos na totalidade daquilo que então se jogou neste confronto, a servir dois senhores de sinal contrário, uns a baterem palmas face ao contacto com ideias revolucionárias ao vivo, outros a olharem apenas para o sentido pátrio, vamos apenas cingir-nos, essencialmente, ao espaço temporal em que se deu a segunda das três invasões e em que Lafões foi protagonista activo. Caído o “consulado” de Junot, que chegou a pôr e dispor de Portugal como se de coisa sua se tratasse, tendo, inclusive, recebido carta branca a esse respeito, de França não há sinais de quebra de intenções: a seguir a uma Invasão falhada, muda-se de responsável e de local de entrada em solo português – saiu Junot, entra, pela zona de Chaves, Soult e seu exército. É então encontrado o momento ideal para a juventude de Lafões mostrar o que vale, ao alistar-se no grupo que teve a sua origem na Universidade de Coimbra. Para se ter ideia das personalidades que compuseram esta força para-militar, um plano de destaque, quanto a uma dessas pessoas, é bem significativo: nelas se incluiu José Bonifácio de Andrada e Silva, um dos futuros heróis da Independência do Brasil, que confessou ter aderido devido, em parte, às ligações que mantinha com o Duque de Lafões. Arrancava com esta gente o Corpo Voluntário Académico, logo em 1807, mas que aumenta de visibilidade cerca de dois anos depois. A dirigir esta tropa improvisada, aí temos Andrada e Silva, lente de Coimbra e membro da Academia das Ciências, para onde entrara pela mão de seu fiel amigo, o Duque de Lafões, comando que partilha com Fernando Fragoso Saraiva de Vasconcelos. Num plano de operações que se estendia por três campos de actuação, um na linha Coimbra -Mealhada – Águeda – Aveiro - Ponte do Vouga -Porto, outro num sentido algo paralelo, Coimbra – Bussaco - Santa Comba Dão – Viseu – Lamego – Régua -Mesão Frio – Porto e, ainda, um terceiro a marchar entre Coimbra – Ílhavo – Murtosa – Ovar – Porto, porque era nesta cidade que tudo de decisivo se desenrolava, o Batalhão Académico centra-se mais na primeira e terceira destas linhas, pelo menos no caso que estamos a tentar relatar, por aparecer, com significativa presença, nos combates de Albergaria, tendo por base o notável estudo de Delfim Bismark Ferreira e Rafael Marques Vigário, em obra intitulada “ O combate de Albergaria – A região de Albergaria-a-Velha e Estarreja durante a invasão francesa de 1809, Câmara Municipal, 2009 “. Reza a história que os combates de Albergaria duraram entre 30 de Março e 10 de Maio de 1809, aí tendo perecido cerca de 150 pessoas, nomeadamente uma de Cedrim, 2 de Sever, 63 de Salreu, 17 de Valmaior e 16 de Albergaria. Todo este denodo não impediu a entrada de Soult no Porto em 29 de Março de 1809, a que se seguiu o fatal desastre da Ponte das Barcas, quando a multidão, em fúria e desespero, tentava escapar a esta destruição da sua cidade, fugindo para o outro lado do Douro, a zona de Gaia. Mas já em 1808 e a anteceder toda esta fase de frontais confrontos, face a um certo despotismo praticado pelas forças invasoras, florescera um sentimento de revolta popular, o que leva o Corregedor de Tomar a anunciar uma sublevação liderada por estudantes de Coimbra, a ponto de o Vice-Reitor se associar a estes protestos, subscrevendo uma proclamação a favor do príncipe regente (D. João ). Também Viseu, pela voz do seu Bispo e da recém-constituída Junta dos Prudentes, põe em evidência o seu desagrado. Fala-se ainda, nesta cidade, da acção determinante de um sapateiro entusiasta, que tudo fez para correr com França. Mas o seu nome não aparece nos anais da história, como quase sempre acontece com as figuras populares, exceptuando-se, nos anos de 1600, o seu colega de Trancoso, o célebre e mítico Bandarra. Nem o taberneiro de Bragança logrou subir às páginas dos livros, em termos de nome, apenas se sabendo que, por trás do balcão, bem deu o corpo ao manifesto. A garra do citado grupo de combate universitário, amplia-se, em traços gerais, com o apoio a dar às ideias do General Manuel Gomes de Sepúlveda que, saído de Trás-os_Montes, organiza e preside a uma Junta revoltosa. Entretanto, o Porto, sede da então Junta Provisional do Supremo Governo do Reino, chefiada pelo seu Bispo, segue-lhe as pisadas. Vendo a sopa a escapar-se da panela, Junot ruma a norte, com o intuito de abafar estes descontentamentos. Ao fazer mal as contas, saiu-lhe ao caminho, em Coimbra e na Figueira, o jovem e aguerrido Batalhão, que, baralhando os dados, foi peça chave na sua queda. Para a necessária inversão desta situação, um ponto se revelou crucial: a atracagem, em Lavos – Figueira da Foz, das hostes comandadas por Arthur Wellesley, futuro Duque de Wellington, em Agosto de 1908, que, partindo daí, trava encontros e combates com os franceses na Roliça e no Vimeiro, o que pressagia o princípio do fim do “consulado” de Junot, capitulação que se concretiza na Convenção de Sintra, a 30 de Agosto. Goradas as tentativas das duas invasões, a Napoleão só restam duas atitudes: dar-se por vencido, ou levar por diante os seus intentos. Optou, teimosamente, por esta última solução. Dessa sua decisão saiu a estratégia para a derradeira investida, dela se tendo encarregado Massena, na Primavera de 1810, ao meter-se, uma vez mais, pelas Beiras abaixo Mas nem este capítulo saiu a contento dos franceses. Pelo meio, o Bussaco e uma estrondosa e humilhante derrota. Mais a sul, as Linhas de Torres Vedras levaram a que se assistisse ao toque de finados destas páginas da atribulada história portuguesa, no que diz respeito às aspirações gaulesas. Terminadas estas arremetidas, uma pergunta se impõe: ficou Portugal livre de influências estrangeiras? Nem por sombra: a Inglaterra tirou chorudos proveitos da “ajuda” que nos deu. Por um lado, viu renovados, ainda em 1810,os Tratados de Comércio, Amizade, Aliança e Navegação com o seu parceiro; por outro, preenchendo uma espécie de vácuo no poder, estando a corte no Brasil, mexeu aqui os cordelinhos como bem entendeu. Demoraram, porém, alguns longos e ansiosos anos os receios dos apetites franceses. Só as quedas de Napoleão, com destaque para Waterloo, em 1815, fizeram tocar os sinos a rebate em sinal de alegria e descanso. Assim aconteceu, entre tantas outras localidades, em Coimbra, Viseu, Lamego, Trancoso, Vouzela, Algoso, Covilhã, Manteigas, etc. Para que conste e nos curvemos perante a memória das nossas gentes que se entregaram a esta causa nacional, registemos alguns dos nomes que participaram nestas contendas, no Batalhão Académico: - o 2º Sargento José Simoens Marques de Almeida, Calvos; Cabo João Crisóstemo de Figueiredo, Campia; João Pereira Ramos, S. Pedro do Sul; Joaquim Cardoso Pessoa de Moraes. S. Pedro do Sul; Joaquim Correia da Gama, Várzea (SPS); Manoel de Barros Xaviano, Fataunços; José Ferraz de Novais Freire, Corujeira (Ventosa?) e vários outros voluntários de Viseu, entre muitos outros elementos, um pouco de todo o país. Numa investigação que peca pela escassez de dados, este é apenas um ponto de partida para a história regional da TERRAS DELAFÕES. Mesmo sabendo que não fomos ao fundo da questão, aqui deixamos, com gosto, estes tópicos. Carlos Rodrigues

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Casa de Lafões, Lisboa, um trabalho de 2011

Centenário – Casa de Lafões Um tempo de reflexão e homenagem I – Das origens ao futuro Ao recuarmos cem anos, é nossa obrigação dirigir as nossas primeiras palavras e sentimentos para quem, em maré de tantas dificuldades e limitações, teve a ousadia, o arrojo, a missão e a visão de se lançar numa aventura que já dura há cem anos e ainda tem, assim o cremos, muito tempo pela frente, logo que haja força e determinação para, procurando inovar, não deixar perecer este nosso emblemático património. Esta Casa de Lafões nasceu do sonho de nossos dedicados antepassados. Mais do que, nesse momento, pensar em Lisboa, na capital que os acolheu, à mente vinha-lhes continuamente a terra lá tão distante, praticamente no fim do mundo de então. Desta forma, quando se procurava ampliar a rede ferroviária, hoje, infelizmente, objecto de severos tratos de polé, o Vale do Vouga não poderia ficar na gaveta do esquecimento, ou dos adiamentos sucessivos e Lafões era zona que não podia ficar de fora desse sinal de progresso, desenvolvimento e modernidade. Erguido à categoria de utopia, o comboio que, na hora da inauguração fora objecto de tanta tareia e desconfiança, povoava os sonhos e conversas dos lafonenses-lisboetas. Com destaque para o mundo do comércio, onde uns firmavam carreira como empresários e outros subiam essa corda a pulso e dor, aí se fazia escola, ágora de interesses locais, talvez até um pouco de conspiração e intriga, que todo isso faz parte do ser-se homem activo e criativo. No rescaldo de um mundo novo surgido com a agitada República, que acicatou cidadanias adormecidas – ou talvez não – e abriu portas ao debate e às reivindicações, esta Instituição começou por ser essa forma de exigência de condições de mobilidade e bem- estar para as gentes da terra-mãe. O Grémio Lafonense, que haveria de sustentar esta designação até ao ano de 1939, foi fruto do cruzamento entre o amor às origens e a necessidade de encontrar para esse espaço afectivo o melhor que pudesse ser alcançado. Como ponto de partida, constituiu-se uma Comissão Dinamizadora da Linha do Vale do Vouga com a participação de António Pinto de Azevedo, Daniel Gonçalves de Almeida, António Rodrigues Portinha, Estêvão de Vasconcelos e Manuel Rodrigues de Abreu. Escolhido o sítio adequado, que foi o estabelecimento comercial do citado Daniel, na Calçada do Garcia, n.ºs 44 a 46, a presidência dessas “conferências” estava a cargo de Alfredo Augusto Ferreira, associando-se ainda José Bento Gonçalves de Almeida e Benjamim Rodrigues Costa. Por curiosidade, diga-se que ali se abrigava já o “Grupo dos Amigos de Vouzela”. Foi em redor desta gente e com a ambição de conseguir que o comboio cruzasse Lafões, objectivo alcançado em pleno, que a via-férrea entrou em Ribeiradio, depois de ter servido Cedrim do Vouga, e foi por aí além até S. Miguel do Mato e Bodiosa, unindo os concelhos de Sever, Oliveira de Frades, Vouzela, S. Pedro do Sul e Viseu, apanhando, de uma só vez, Lafões inteiro. Grande mérito teve quem se aventurou a levar por diante a obra das obras de então. Com este trunfo na manga, um outro passo se impunha: agarrar nessas sinergias e pô-las a render e a criação de uma forma mais estável, credível e duradoura de exercer o prazer de uma cidadania activa estava ali, à mão de semear: a criação de uma Instituição a sério, que se veio a chamar Grémio Lafonense. Impõe-se que registemos o nome desses heróis de 1911, herdeiros, à nossa escala, dos novos ideais da República recém-nascida. Foram eles: Daniel Gonçalves de Almeida, António Pinto de Azevedo, Joaquim e Artur Alves Ribeiro, Alfredo Augusto Ferreira, Adelino Gonçalves de Almeida, Benjamim Rodrigues Costa, David Sul da Costa, Custódio de Sousa Melo, Daniel Dias Costa, António Rodrigues Gonçalves, Cap. António Ferreira Neves, Bernardino Henriques de Almeida, Eusébio Fernandes, Joaquim Rodrigues Lourenço, Manuel Rodrigues de Abreu, Bernardino José Marques, António Rodrigues Portinha, Daniel Bastos, Aires de Oliveira, António Ladeira e Álvaro P. Basílio. Se a primeira reunião aconteceu no Rés-do-Chão de um palacete situado ao lado da Igreja de Santa Isabel, da família de Alves Ribeiro, as Sedes andaram de um lado para o outro, nos anos de arranque: - 1912 – Rua Capelo, 6 – 1º - Freguesia dos Mártires - 1913 – Agosto – Travessa da Glória, 22A – 2º - 1915 – Dezembro – Rua da Madalena , 201(199?), 1º Com o acento tónico numa grande carga regional, tinha como suporte físico “ … A união do número indeterminado de indivíduos, moral e socialmente idóneos, naturais da Região de Lafões, residentes no continente ou fora dele, inclusive no estrangeiro” . Num parágrafo único, dizia-se: “ Os sócios da CL praticarão nas suas mútuas relações os preceitos da mais estreita fraternidade e terão por norma este princípio – Por todos e por Lafões”. Apontavam-se as suas finalidades, que se cingiam, sobretudo, a estes factos: “ … unir os esforços de todos os associados, incessantemente velar pelos interesses dos mesmos e da região e promover os seus progressos morais, materiais e económicos”. Como em todas as organizações humanas de carácter associativo, que se desenvolveu bastante com a Revolução Liberal de 1820, se concretizou na Constituição de 1822, com o seu conceito jurídico e social relacionado com estes temas, se ampliou na República de 1910, tendo cristalizado com o Estado Novo, para rebentar em força com o 25 de Abril de 1974, também este Grémio não foi imune às quesílias que, normalmente, surgem. Por razões da mais variada índole, quando o homem quer emperrar qualquer empreendimento, isso acontecerá quase de certeza. Neste caso, em 1915, o desentendimento teve origem, curiosamente, nos convites a fazer, sendo que um deles viria a recair sobre a filha do Dr. Afonso Costa, um fervoroso republicano, apoiada por uns, rejeitado por outros, para incendiar os ânimos de então, quando o comboio já circulava em grande pela Linha que todos tinham defendido, felizmente. Mas os problemas seriam ampliados ao tratar-se do poder, que, às vezes, mina os espíritos, mesmo os mais sensatos. Por essa altura, criam-se dois blocos: um liderado pelo Capitão António Ferreira Neves, outro, por Alfredo Augusto Ferreira e Benjamim Rodrigues Costa. Deste braço-de-ferro, saiu vencedora esta segunda opção, o que motivou, desde logo, uma aberta cisão: saem Joaquim Rodrigues Lourenço, José Bento Gonçalves de Almeida, David Saul da Costa, Manuel Rodrigues de Abreu e António Ferreira Neves, que fundam o Grémio Beira Vouga, o Grémio Beirão de 1917 e a futura Casa das Beiras, de 1933. Ou seja: a mãe, Casa de Lafões, iria dar à luz uma filha que, por estranho que pareça, era espaço bem maior e onde essa progenitora se situava. Paradoxo? Nem por isso. É que, em 1911, um desejo concreto e bem definido fora cimento bem mais sólido que qualquer interesse mais diluído, como era este de uma grande Beira, do mar à serra, do Oceano a Espanha. Há, porém, um velho provérbio que nos diz que “ o bom filho à casa torna”, facto que se cumpriu com vários dos dissidentes, que ao solo inicial acabariam por regressar, nomeadamente Joaquim Rodrigues Lourenço, alguns anos mais tarde, homenageado na sua terra-natal, Quintela de Ventosa, onde tem um Largo com seu nome desde 1951. Passou um ano sobre a primeira Acta de Reunião de Direcção, em 9 de Outubro de 1912, em que estiveram presentes Manuel Rodrigues de Abreu, Joaquim Ribeiro, Benjamim Rodrigues Costa e António Rodrigues Portinha…. Em matéria de Estatutos, podem citar-se alterações em 1915, 1917, 1926, 1927, 1928, 1931, 1979….. Neste emaranhado de acontecimentos, em 1924, o Governo Civil de Lisboa autoriza o funcionamento da sociedade de recreio Grémio Lafonense, pedindo-se que para ali seja enviado um exemplar do BI e de outro qualquer distintivo usado pelos sócios e que se comunique qualquer mudança de Sede, ou de corpos gerentes. Por outro lado, devem as portas ser franqueadas aos funcionários dessa Repartição ou qualquer agente de autoridade, sempre que tal se justificar. Assiste-se aqui a um crescente apetite das entidades oficiais em controlar estes movimentos da sociedade civil, postura que se acentua depois de 1926 e, sobretudo, de 1933 com o advento do Estado Novo. Já agora, deve anotar-se que, em virtude do disposto no Artº 11º do Decreto-Lei nº 29332, de 8 de Dezembro de 1938(?), acaba o Grémio e começa a Casa de Lafões, como atesta a Secretaria do Governo Civil de Lisboa em 4 de Setembro de 1939. Num campo de acção que sai de Lisboa para a região de origem, em 1940, parte-se para as Termas de S. Pedro do Sul, a fim de participar nas Festas do Oitavo Centenário da Fundação da Nação Portuguesa, colocando-se uma lápide na velha piscina, em homenagem a D. Afonso Henriques, 1º Rei de Portugal, que ali passou algum tempo de sua vida, em várias ocasiões. Em 1946, 47, 57 e 59, apoiam-se Cortejos de Oferendas em favor dos hospitais das Misericórdias de Oliveira de Frades e S. Pedro do Sul. No ano de 1951, como já dissemos, procedeu-se, em Quintela-Ventosa-Vouzela, ao destaque da entrega ao regionalismo por parte de Joaquim Rodrigues Lourenço, ali se registando, em designação toponímica, o seu nome para a posteridade, no Largo principal da aldeia, ainda ali bem presente, aliás. Com activas participações em eventos culturais e sociais de grande significado, são de relevar os Congressos Beirões, o 1º Colóquio Regional de Turismo e Termalismo de Lafões, no centro ideal, as nossas Termas, as maiores agora da Península Ibérica, uma organização que teve na sua génese, formatação e desenvolvimento um decisivo contributo do nosso Amigo e Sócio, o Dr. Carlos Matias. É ainda de referir-se a acção levada a cabo no Conselho Superior de Regionalismo. Por sua vez, em 1938, cria-se a Comissão de Beneficência e Auxílio aos Desempregados da Região de Lafões, enquanto em 1925 se inscreve a CL na Federação Portuguesa das Colectividades de Cultura e Recreio, tendo-lhe sido atribuído o nº 17. Cinco anos após esta decisão associativa, esquecem-se mágoas e diferendos, quando se entra no seio do Grémio Beirão/Casa das Beiras. Em campanhas de solidariedade, apoia-se a luta dos agricultores de Lafões quanto à defesa dos seus vinhos verdes, mormente em 1929 e 1932. Quando eram escassos os meios e formas de comunicação, já os responsáveis deste Grémio e Casa se dedicavam à edição de Boletins e Jornais, onde o regionalismo era nota dominante: Apareceu, em primeiro lugar, o “ Porvir de Lafões”, dirigido por um grande regionalista, Joaquim Rodrigues Lourenço. Seguiram-se-lhe a “União de Lafões” e o “Lafonense”, este em 1960 e, sobretudo, em 1961, por altura das Bodas de Ouro desta mesma Casa. Era seu Director António Elvas Ferraz. II - A actualidade vista à luz dos anos setenta em diante É inegável que, em termos de causa, o regionalismo, tal como fora vivido e apreciado durante décadas, se viria a ressentir dos novos fenómenos sociais. O primeiro abalo sofreu-o com outros pólos de migração, sobretudo essa Europa de sessenta em diante que suga a grande força activa das nossas gentes, fazendo com que a esponja, que era Lisboa, perdesse a primazia das deslocações. Mesmo assim, lá foi resistindo. Mas a machadada determinante, que quase abafou toda a costela regionalista, adveio com o avanço dos transportes e com a melhoria das vias de comunicação, mormente o IP5 e o actual A25, a sucederem-se ao A1. Desde então, Lisboa fica quase à mão de semear e a Casa de Lafões deixa de ser o porto de abrigo, o coração maternal, a praça da aldeia, que se visita, agora, com bastante facilidade. Acabara-se o desterro de viver na capital e, sobretudo, nos arredores, por anos e anos a fio, sem pôr pé em chão de origem. Acabara-se o tempo das despedidas em lágrimas, dos acenos de adeus prolongados e sonoros, ao ver o velho comboio partir, ou os carros de praça, esses mensageiros da estrada que uniram Lafões e Lisboa por métodos que a polícia perseguia, mas que as pessoas, que a eles acorriam, tanto elogiavam. Os Poças, os Arinhos, os Florindos, o amigo Zé “Galo”, a passar, neste momento, por uma grande tristeza familiar, e tantos outros, bem merecem o nosso muito obrigado. Mais tarde, muito mais, vieram os “Expressos” e então ainda se agrava mais a crescente distância entre os lisboetas-lafonenses e a sua Casa de Lafões. Com os auto-estradas, pronto, soou a campainha de alarme, à medida que a mobilidade crescia a uma velocidade estonteante, para não falarmos já da televisão, das novas tecnologias, das Internet e seus pares. São estas as razões que levaram às mudanças de paradigma e de filosofia desta nobre Instituição. Face a este novo contexto e à necessidade de dar vida a uma herança que se não pode perder, entenderam os seus vários responsáveis, todos eles - e ainda bem - e cada um à sua maneira, mas com uma boa cartilha comum, insuflar novo ar, renovar o sangue que nos corre nas veias e empurrar para a frente este projecto que agora faz cem anos. Nasceram assim os encontros e almoços no berço que todos une, acentuaram-se as idas a Lisboa de associações e grupos locais, criou-se uma nova esfera de intercâmbio, olhou-se um e outro espaço, curiosamente, de uma outra maneira: a capital perdeu a sua auréola de um mundo à parte, acima dos outros, Lafões perdeu a vergonha e apresentou-se ali de cara levantada, de igual para igual. Se recuarmos alguns anos atrás, todos somos testemunhas de quanto de” admiração” se tinha, no Verão, pelos nossos lisboetas. Enfeitava-se a aldeia, melhorava e aprimorava-se a gastronomia e culinária, vestia-se uma roupa melhor, para não parecer mal, evitava-se até o cruzamento com essa gente de fato bem cheiroso, sempre que se entendia que se não estava à altura de um diálogo a dois, sendo “conveniente” manter uma certa distância… Hoje, a esse nível, tudo mudou. Ao vermos quem chega e quem está, não se nota qualquer sinal distintivo. Nem na roupa, nem nos temas a tratar, nem nessa postura de um ponto acima, outro abaixo. Regressando às novas programações, eis-nos a ver Lafões na Feira Popular, no Teatro da Trindade, na Praça do Comércio e ruas da Baixa, nos Restauradores, no Rossio e muito mais na Praça da Figueira, na Rua da Madalena, em frutuoso diálogo com a Junta de Freguesia, sobretudo a partir da dedicação e visão de seu Presidente, Jorge Ferreira, no Monsanto e tantas outras zonas que se ganharam para a causa do regionalismo renovado. A Sede passou a ser palco privilegiado para Conferências, Palestras, lançamento de livros, actuações de grupos diversos, convívios, torneios de cartas e afins, sendo ainda, como que a resistir a tudo isto, um ponto de encontro de saudade de gerações que não perdem o hábito de ir com regularidade à Rua da Madalena. Por assim ser, esta Casa tem toda a legitimidade para estar viva, de pé e mesmo em força. Justificam-se, deste modo, outros e novos caminhos que se estão a procurar. Regionalistas quanto baste? Temos dúvidas. Suportes essenciais ao desbravar de pistas novas para sobreviver e prosperar, são isso tudo e muito mais: aos poucos até passam a saber que Lafões afinal existe e ali se mostra diariamente. Essas outras culturas que por aqui desfilam, o rock, as danças latinas e de salão, o forró, as febres de sexta à noite, a “metálica” pesada, afinal, são linguagens que trazem mundividência ao nosso regionalismo e lhe rasgam novos horizontes, numa troca onde todos ficam a ganhar. São a globalização ao vivo e a cores. III - E agora o futuro Aqui chegados, carregados de certezas, não deixamos também de estar repletos de dúvidas, até medos, porque, se o futuro a Deus pertence, cabe também aos homens engendrar os seus contornos. E esta Casa de Lafões tem de saber que esta regra é de ouro e não pode ser esquecida. Impõe-se que, em conjunto, possamos agarrar no presente para virmos a ter um futuro melhor, que deve radicar na tradição de cem anos, mas também de ser capaz de alavancar os tempos que aí vêm, misturando-lhe a modernidade e as exigências de uma época que, olhando para trás, precisa é de pisar trilhos de um devir que ninguém conhece, mas que vai aparecer, de certeza. Olhar o passado é um caminho a seguir. Mas ficar preso a ele será um código postal para um futuro insucesso. É nossa convicção que “ A noção de identidade colectiva pode englobar ao mesmo tempo a imagem consciente que uma sociedade alimenta de si mesma e a imagem inconsciente que poderá ter idealizado ou recalcado” ( in “ O futuro da Europa…”, 2002) e esta verdade leva a que pensemos que o futuro passa por reavivar estas componentes de cada ser humano, criando um projecto de valores-chave onde encontramos, de certeza, o apego às raízes. Para falar de nossas terras, tanta gente o fez melhor que nós próprios, desde Eça de Queirós a Aquilino Ribeiro que, muitas vezes, por elas passou, mormente em Calvos – Fataunços, para conviver com seu Amigo, Professor Cristóvão José Moreira de Figueiredo, e ainda Jaime Cortesão, Prof. Amorim Girão, António Gomes Beato, António Correia de Oliveira, Eng. Mário Cruzeiro, Isabel Silvestre, etc. etc. Como se escreve em “ Cadernos Aquilinianos – I”, “ … A obra de Aquilino foi o primeiro olhar sem binóculos nem lentes coloridas, sem ilusões, lançado sobre o mundo rural português, denotadamente da Beira-Alta” (P.85), ele que foi “… Intérprete do universo que gerou ( as agrestes serranias da Beira-Alta, «sala de bailar dos ventos… “ – Idem, Volume II, p.9. Por sua vez, Eça de Queirós, em “ Contos “ fala de quem chega a Lisboa e de seus sonhos, desta forma: “ Nessa tarde, Macário achava-se no quarto de uma hospedaria da Praça da Figueira com seis peças, o seu baú de roupa branca e a sua paixão. No entanto, estava tranquilo. Sentia o seu destino cheio de apuros. Tinha relações e amizades no comércio.” (P.49) Saindo de uma postura reivindicativa para um espaço de são e vivo regionalismo dos inícios do século XX, nos alvores de uma República agitada, mas prenhe de cidadania, a Casa de Lafões é um cimento que evita a pulverização de sentimentos de pertença e também um “tampão” contra os efeitos de uma globalização, cada vez mais galopante, que quer pôr toda a gente a entoar as mesmas e únicas canções, deixando de lado o nosso Hino, e a comer maçãs de um só calibre, quando as nossas árvores teimam em primar pela diferença e pela qualidade pura de um chão que nos é tão querido. Cada região dá aquilo que de melhor tem. Lafões não foge a essa regra. Assim, ofereceu a Lisboa gente e saber, braços e vontade, querer e vida, ambição e trabalho, criação e empreendedorismo, pelo que é chegada a hora - e este é o local certo! – de tributarmos a nossa homenagem a todos aqueles que, por circunstâncias várias, para aqui vieram, aqui se entregaram de alma e coração aos seus ofícios e desejos, aqui constituíram família e fizeram desta terra, Lisboa, uma terra de ninguém e de todos, uma terra dos outros e de nós mesmos. Este foi o passado e não deixa de ser o presente. Mas seria miopia ficar por aqui, de braços cruzados, a gozar louros conseguidos com sangue, suor e lágrimas, a bater palmas, ou a chorar sobre leite derramado. A ir-se por esse caminho, seriam cem anos ganhos por esses nossos queridos antepasssados (bem haja, Pai, pelo tempo que estiveste na “Portugal e Colónias”) e perdidos, por inércia de nossa parte, por falta de consideração por quem nos legou este património tão humano, tão vasto e tão rico. Mas não é isso que esta Casa quer fazer. Está-lhe na massa do sangue nunca enjeitar responsabilidades futuras, por mais difíceis que sejam. Nesta Beira minhota, no dizer de Jaime Cortesão, sente-se um certo sentido geográfico e cultural como imagem de marca. Foi isso que sempre a CL tentou transmitir e vivenciar. Mas agora é preciso dar saltos de gigante. Nesta fase de desterritorialização, por via da Internet, por exemplo, com uma globalização predadora de tudo quanto é sentimento de posse e de identidade, uma Associação deste género deve saber repensar a cidadania, recriar o regionalismo, reforçar mecanismos de novas leituras deste sentimento, sem deixar de este ser fonte e pilar de bem-estar da comunidade lafonense, que tem de pensar sempre numa Casa que é sua e não deixará de o ser. Em matéria de novos objectivos a definir e de metas ambiciosas a perseguir, é importante também que se vá à procura da nossa gente nessa Grande Lisboa, na sua Área Metropolitana, por onde andam os descendentes de quem, há cem anos, veio para esta capital, esquecendo o Porto, mais perto, mas nunca tão atraente… Impossível será pôr de lado o inter-regionalismo, o que implica que se esbatam bairrismos doentios e dores de cotovelo que, nem que precisem de ortopedista, têm de ser erradicados de todo do tecido social em que nos movemos. Sem que se possa confundir regionalismo com regionalização, o primeiro a estar perto do coração, a segunda a ser medida mais de ordem política e administrativa, cada espaço nosso não pode fugir-nos, sob pena de deitarmos tudo a perder. Por esta razão, uma aposta poderá passar por sessões de história regional de Lafões aqui em Lisboa e por apresentação da Casa na região-mãe, nas escolas, bibliotecas e outros espaços públicos, mobilizando, para esse efeito, como é óbvio, as autarquias e demais entidades locais, como os párocos e outros agentes sociais. Para que cada lafonense perceba e interiorize o facto de a sua CL estar sempre ao seu lado, uma via possível prende-se com uma cooperação com as CM, no sentido de, aqui, se disponibilizarem serviços, via Internet, que possam resolver problemas sem necessidade de deslocações despropositadas. Numa altura em que as novas gerações de sangue vêem esbatidos os afectos, é urgente dar-lhes outros incentivos de modo a atraí-los e a motivá-los para o gosto em seguir as pisadas de seus pais e demais antecessores. Mas não esquecer que a hora da juventude traz sempre, implícito, algo de mudança, inovação e exigências de identidade e diversidade cada vez mais complementares. A estas Casas e associações são pedidas novas funções: promover participação cívica, convívio mais diversificado, maior vivência em comunidade, acentuada defesa da nossa cultura e identidade, passagem de testemunho sem ser imposição, mas antes um desejo, abertura a outros mundos, tendo em conta que a velocidade da circulação das ideias e modas é estonteante e não se compadece com o ram-ram dos nossos velhos comboios, mesmo aquele que fez nascer a Casa de Lafões e lhe soprou os primeiros ares de vida sadia e activa – o Vale do Vouga, de tão boa memória. Em suma: que em Lisboa cada lafonense se sinta no seu ambiente e cada lafonense, na sua terra, se ache tão bem que lhe apeteça retardar a partida, porque o nosso canto é sempre o melhor, por maior que seja esta Capital, que bem merece um grande obrigado de todos nós, por aqui tanto ter sido feito em seu favor e de quem para cá veio, mas que não deixou os seus créditos por mãos alheias. Como é imperioso dar voz aos anseios da terra-mãe, também esta tem de sentir que Lisboa deve ser entendida e compreendida na sua plenitude. Esta é uma relação biunívoca que não pode alienar o poder de cada uma das partes. Por justiça e solidariedade. Este é o tempo de encontrar novos caminhos para esta dimensão do associativismo. Numa altura em que o regionalismo deixou de ser tão sentido quanto o fora em tempos de curta mobilidade física e social, em que a Casa de Lafões era um recanto sentimental, o nosso “pedacito de Lafões em Lisboa”, como dizia, cheio de convicção, Aires Alves Lopes, de saudosa memória, hoje é chegada a maré de esta Instituição se afirmar como alternativa e complementaridade às múltiplas ofertas que existem, ou até à tendência para esquecer as origens… Sendo nós um povo de idas e vindas, de aventuras e regressos, fugas sem destino, ou à busca de um desconhecido criador, agora temos de saber encontrar outras respostas, quando são maiores as ideias de vir e ir, de estar cá e lá, ou mesmo sem estar em lado nenhum. Assim, em termos de meras sugestões, é preciso saber envolver, ousar, cooperar, atrair, sustentar desenvolver. Comecemos, então, por envolver parcerias, CM de Lisboa e arredores, que os “novos” lafonenses galgaram as fronteiras da capital e foram pela Área Metropolitana fora, CM de Lafões e outras autarquias, a exemplo do que se vem fazendo com a JF da Madalena, entidades diversas como a Misericórdia de Lisboa, Segurança Social, Federações ligadas ao associativismo na sua globalidade, empresas privadas e outros agentes, sem esquecer a esfera governamental. Continuemos a ousar avançar para ideias e projectos de futuro, mas sustentáveis, mesmo que vivamos agora em tempos de crise, reanimando, sempre que possível, as Finanças da Casa. É necessário e urgente alargar o âmbito de acção da CL, ainda que se tenham de alterar os estatutos, de modo o poder promover outras iniciativas, tais como: - Criação de Centro de Dia/Lar, em cooperação com Segurança Social e Misericórdia, para lafonenses, obtendo instalações para isso; - No mesmo espaço, Centro Infantil e Juvenil; - Dinamizar um Centro de Vendas de produtos lafonenses, em ligação com outras entidades; - Lançar um programa de Bolsas de Estudo para jovens da nossa zona que venham estudar para a área de Lisboa, em múltiplo de três – SPS/OFR/VZL; - Organizar um núcleo de informação acerca de profissionais de Lafões em Lisboa: médicos, advogados, ofícios diversos, de modo a poder conhecer melhor o nosso tecido social e dá-lo a conhecer a eventuais interessados; - Idem, quanto a empresários; - Lançar para sócios e familiares um esquema de apoio à saúde, em termos de cartão, extensível ainda a outras oportunidades; - Não esquecer um imperativo dos novos tempos: fazer desta Casa, repetindo isto, vezes sem conta, uma autêntica embaixatriz da região, convertê-la em local de trocas de toda a índole, arrancar, com as nossas Câmaras, com um programa de informação e prestação de serviços, via Internet, promover, aqui, sessões e reuniões de trabalho, etc., etc. - Enfim, continuar o que está e dar largas à imaginação criativa. Se hoje afirmamos, com orgulho, que a CL tem cem anos, ousemos dizer daqui em diante: vai a caminho dos duzentos, dois séculos, outro em cima deste!... Os jovens, os nossos jovens, ao verem, nos seus antepassados, um exemplo a seguir, têm de querer vir à sua Casa. Se isso for conseguido, estamos todos de parabéns. Mas quem está merecedor da nossa homenagem e reconhecimento é aquela gente que aqui nos antecedeu. Que heróis eles foram! Como é bom saber que as pessoas de hoje lhe estão gratas e os não esquecem. Possamos proclamar sempre estas palavras de Miguel Esteves Cardoso ( “Público”, 5 de Fevereiro de 2011): “ … O melhor que os amigos e as amigas têm a fazer é verem-se cada vez que podem. É verdade que, mesmo tendo passado dez anos, é como se nos tivéssemos visto ontem. Mas, mesmo assim, sente-se o prazer inencontrável de reencontrar quem se pensava nunca mais encontrar. O tempo não passa pela amizade. Mas a amizade passa pelo tempo. É preciso segurá-la enquanto ela há. Somos amigos para sempre mas entre o dia de ficarmos amigos e o dia de morrermos vai uma distância tão grande como a vida”… Bem haja. Lisboa, 6 de Fevereiro de 2011 Carlos Rodrigues