terça-feira, 25 de junho de 2013

Um hospital em S. Pedro do Sul

Um hospital que nasceu da oferta de António José de Almeida Vimos, na crónica anterior ( 2011/12/29), que o velho Hospital da Misericórdia de Santo António de S. Pedro do Sul partiu da generosidade de um sampedrense, um dia – e por vários anos - emigrante no Brasil, que quis deixar uma marca relevante na sua terra. Se hoje há quem parta para poder realizar o sonho de poder ter uma casa sua, nessa época chegava a pensar-se mais alto, cumprindo até uma função que caberia a outras entidades, o Estado, em primeiro lugar. Mas temos de aceitar que há práticas que decorrem de uma evolução dos tempos e das ideias e esta da saúde e segurança social, para todos, tem apenas algumas décadas de existência e de acção no quotidiano da nossa civilização. Com mãos de benemérito e uma razoável capacidade económica, conseguida num labor desenvolvido aquém e além- mar, no ofício de dentista e na gestão de um património imobiliário sempre a crescer, jamais voltou costas à sua terra: pensou nela, logo quando teve de regressar do Brasil, em virtude de uma grave doença, tal como então demos nota, continuou esse objectivo mesmo no momento em que, por força de seu casamento, montou casa e vida em Vilar, S. Miguel do Mato. Nesses tempos, poderia ter inflectido a direcção de seus investimentos sociais, mas não foi isso que aconteceu, mantendo-se fiel a S. Pedro do Sul. Haveria de ser a sua nova Quinta da Negrosa a tecer as malhas de um destino feliz para os cidadãos da Sintra da Beira. Com esta propriedade como património, com os bolsos recheados, com uma vasta área e equipamentos, o Hospital não lhe saía da memória. Na carteira de seus bens, temos terras em S. Pedro do Sul, Várzea, Baiões, Fataunços, Queirã, S. Miguel do Mato, Bodiosa e Sul, podendo ainda contarem-se foros remidos da Comenda de Ansemil e uma espécie de actividade bancária, que lhe rende chorudos proveitos. Para aquisição da citada Quinta da Negrosa, pegou em 4 contos de réis, tendo de desta quantia pagar ao Seminário de Viseu 993000 réis e à Santa Casa da Misericórdia de Vouzela um valor de 1200000, por dívidas do anterior dono, o Conselheiro e Marechal da Campo Henrique de Melo Lemos e Alvim, a fazer fé no testemunho e sábia recolha de Manuel Barros Mouro. Sobraram-lhe 1807000 réis, porque 4 contos equivalem a 4000000. Foi essa a verba com que partiu para esta generosa dádiva, acrescendo-se-lhe tudo quanto amealhara ao longo de sua vida e que era muito, segundo se deduz dos documentos compulsados e dos vazios que estes acabam por deixar. Se as linhas desses papéis são elucidativas, as entrelinhas “falam” também. Fruto deste acumular de riqueza, por testamento, um outro de 19 de Novembro de 1873, cria uma Fundação (esta para viver por si mesma e não como aquelas que hoje por aí proliferam às custas do erário público!) que tem como incumbência a manutenção de um Hospital, sob a invocação de Nossa Senhora do Amparo, a instalar na sua nova Quinta. Como responsável por esta Instituição e valências, delega na Câmara Municipal, numa primeira fase, esse mesmo quinhão, sendo testamenteiros sua mulher, o irmão Joaquim, o parente António Oliveira Queirós e a referida Câmara Municipal, por esta ordem, respectivamente, a quem eram dados proveitos de cerca de 9000000 de réis, um colosso do fortuna. Não satisfeito com estes destinatários, em 20 de Outubro de 1885, passa aquilo que pertenceria â Câmara para a Misericórdia de Santo António de S. Pedro do Sul, “única e universal herdeira com direitos e obrigações”. Entra aqui uma ideia: a de que António José de Almeida só deu este passo quando sentiu que a Misericórdia estava legalmente constituída e sólida, o que se verificou em 17 de de Janeiro de 1875, quando o projecto de reforma dos seus Estatutos veio a ser aprovado, fruto, porém, do contributo de uma Comissão, vinda do ano de 1866, de que faziam parte os Drs. Manuel Correia de Oliveira e José Rodrigues de Figueiredo. Dando-se o salto de Irmandade para Confraria, o Governo Civil dá o seu aval em 20 de Maio de 1876 e uma Breve canónica de 27 de Janeiro de 1880 acaba por considerar definitiva esta Misericórdia. A partir destas garantias, não havia razão alguma para ter a Câmara como intermediária. Aliás, é tal o seu desejo de vir a contemplar uma Misericórdia, que faz inscrever, a dada altura, uma cláusula em que se consagra a disposição de, no caso de S. Pedro do Sul não aceitar, tal herança reverter a favor das suas congéneres de Vouzela ou Viseu. António José de Almeida pede muito pouco como compensação por esta sua benévola dádiva, porque se contenta com uma Missa perpétua, ao romper da aurora, na Igreja Matriz da vila, ou Capela do futuro Hospital. Porém, por força de diligências diversas, nem este seu desejo veio a ser concretizado: de 7 de Março de 1896, essa Missa transferiu-se para a Capela de Santo António, mas, em 7 de Fevereiro de 1905, o Bispo de Viseu, comutou-a apenas para os domingos e dias santos de guarda. Como já tinha falecido em 4 de Abril de 1889, não assistiu, como é lógico e óbvio, a esta alteração, mas a sua alma deve ter dado pulos de dor e revolta, pensamos nós, claro. Em virtude de uma norma legal, após a sua morte, os bens foram arrolados para a Fazenda Nacional no dia 23 de Julho de 1889, três meses apenas depois de ter falecido. Mas este facto não retira uma vírgula à sua intenção e respectiva concretização. Também, no ano de 1890, morreria sua esposa, Maria Antónia de Jesus, que nascera em Vilar, S. Miguel do Mato, pelo que nem um nem outro puderam assistir ao momento em que se viu florescer tão significativa oferta. Com as obras a decorrerem, em termos de terraplanagem, desde 27 de Outubro de 1885, mediante uma decisão do Provedor José Correia de Oliveira, não no local que lhe estava destinado, por falta de área da Quinta da Negrosa, mas numa outra, entretanto adquirida, mediante autorizações que permitiram esta mesma permuta, em boa verdade o Hospital só começou a ter vida, como edifício, em 10 de Março de 1892. Assim, nesta mesma data, é posto a circular o projecto e planta desse edifício, sendo seu autor José Luís de Almeida, o que faz deduzir que as obras em força só nessa altura se iniciaram, mas o certo é que o Hospital nasceu e cresceu, mercê deste acto generoso de António José de Almeida. Contrariando esta informação acerca da autoria do projecto, ou ampliando-a, uma outra fonte, lida em “Lafões, terra e gente, Avis, 2008”, onde muito colaborou o saudoso amigo Júlio Cruz, vem dizer-nos que, afinal, tal documento se deve ao Eng. Francisco de Figueiredo e Silva, de 31 de Dezembro de 1891. Seja. Um novo dado aí nos é relatado: o Hospital, de invocação de Nossa Senhora do Amparo, foi aberto ao público no ano de 1900, dizem uns, alegam outros que tal aconteceu em 1902. Ficando esta dúvida, uma certeza é incontornável: S. Pedro do Sul teve um Hospital que foi pensado e oferecido por um grande benemérito – António José de Almeida. Desse gesto, nada resta, que o Centro de Saúde veio apagar tais vestígios. Mas reza a história que a sua memória não pode ser esquecida. Agora, que lá mais além, desponta uma nova Unidade de Saúde, feita com dinheiros públicos, saber que, há mais de cem anos, houve homens desta dimensão, que muito deram de si para um investimento a oferecer à sua terra, é algo que importa ter sempre presente. Perpetuar este legado é um dever de consciência e de gratidão. Divulgá-lo também. Foi isso que acabámos de fazer. Carlos Rodrigues

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Homenagem aos pastores da Serra da Arada

Ainda há pastores como antigamente, na Serra da Arada No sábado à tarde, pus-me a escalar as Serras de S. Pedro do Sul e de Lafões, com um propósito claro: rever maravilhas de encher o olho, de deixar a alma satisfeita e em delírio, sorver pedaços de uma terra – a nossa – que tem sempre mais e mais a dar-nos. Partindo de Oliveira de Frades, dei de caras com o Rio Vouga, lá em baixo, naquele recanto de beleza, Sejães, que se passa devagar, para melhor saborear o que nos entra pelos olhos e ouvidos dentro, como sejam a riqueza verde dos montes e o sussurrar do Rio, que ali até parece falar. Trepada a encosta de Valadares, já em pleno concelho de S. Pedro do Sul, mas sempre de olhos postos em Oliveira, vale a pena parar, que aquela varanda de casario e canteiros trabalhados, quase ajardinados, virados a sul, bem merecem uma atenção especial. Cruzada a estrada do Porto, via Serra, como antes se lia no centro da agora cidade sampedrense, quando se sobe em direcção à mágica e mítica Manhouce, que vozes de ouro têm vindo a globalizar e a divulgar, sem muros e sem constrangimentos, porque há ali cultura, um grito de dor começa de nos invadir: o monte depenado, ressequido, empobrecido e enegrecido por incêndios de anos e anos, uns atrás dos outros, sendo que o mais recente, o de 2010, deixou rastos de destruição e de morte, como, aliás, já acontecera, aqui há uns tempos, no Preguinho de triste memória, tudo isto pede uma reflexão profunda. Durante quilómetros, o que ressalta é esse infortúnio de áreas e áreas destruídas, sem cor, sem a força verde da sua pujança de outros tempos, convidando-nos sempre para a lembrança de um mundo e de uma época em que estes valores, ao perderem-se, são tesouros que não voltam, ou demoram décadas e séculos a serem, de novo, aquilo que têm por missão e grandeza vir a constituir no diálogo homem-natureza. Paradigmática deste quadro de entristecer é, por exemplo, a aldeia de Vilarinho do Monte, a da Casa dos Caçadores, onde as labaredas não deixaram de se encostarem às casas e às propriedades agrícolas, num cenário desolador. Apesar de assim ser, uma manada de pachorrentas e educadas vacas, daquelas civilizadas, que, devagar, se encostam para permitir que os carros sigam o seu destino, que ali vinham sem “doeiro”, vieram dizer que o milagre da vida não se desfaz assim do pé para a mão: vontade e resiliência é o que por ali se vê, desta forma emblemática – gado a descer a Serra é sinal de uma teimosa e salutar dedicação à causa de salvar aldeias e enriquecer Portugal. Mas o melhor ainda estaria para vir, lá mais para diante, depois daquele vetusto, mas pequeno planalto, que tem vida, turismo organizado, Parque de Campismo, uma outra terra que tem nome de espaço de caça, a Coelheira e que, acima de tudo, levou a que, à nossa frente, um imponentíssimo rebanho de cabras, 830 (oitocentos e trinta, mais coisa, menos coisa ) animais, nos tolhesse o passo, que o reino era delas, que não nosso. Lá no alto da Arada, um dia e outro, têm a sua ração mais que perfeita – aquilo que o monte, generosamente, dá e os homens aproveitam. De cinquenta anos de idade, naquela tarde de sábado soalheiro, por ali andava um pastor dos tempos modernos, mas à boa maneira de antigamente, de seu nome António Joaquim Tavares Coelho. A ele e a seus pares se deve o certificado Cabrito da Gralheira, aqui da Arada, mas isso pouco importa. Mochila às costas, já não o velho bornal, boné e bom agasalho, pau na mão, cão ao lado e outros ao longe, não vá o diabo tecê-las, eis o pastor-empresário. É assim mesmo: com origem em Ponte de Telhe, Moldes, do vizinho concelho de Arouca, adquiriu, em 2001, este rebanho e com ele faz vida económica e familiar. É a sua empresa e o seu gostoso trabalho, que completa com as demais lides agrícolas, repartindo tudo isto com a esposa, Olívia de Jesus Duarte Coelho e que mostram, em cada fim de semana, aos babados filhos, genros, noras e netos que não se esquecem, em geral, de ali fazer a escapadela semanal, numa aldeia, Arada, onde já não há mais ninguém. Todos partiram. Vieram estes “colonos” em compensação. Com o apoio comunitário, cerca de 25000 euros por ano, que tem de manter durante um lustro, com os cabritos que vende, que cabras tem, na ordem das três centenas em cada 365 dias, quando a “caipora” não estraga os planos, como aconteceu neste ano de neve, em que se perderam 90 dos 140 que nasceram, assim faz o seu pé de meia e paga as despesas, como homem de bem. Se cabrito criado é sinal de dinheiro em caixa, que o escoamento está assegurado para talhos e restaurantes, ninguém avalia, a sério, a dureza das suas funções. A par do pastoreio quase diário, salvo quando é substituído, ainda tem de amamentar as crias, a biberão, nos primeiros tempos, limpar os pavilhões e “fazer” as terras. Não há, por isso, descanso e, pensamos até, que se daria mal com ele. Sempre com um olho no rebanho e outro nos sonhos de uma vida que se escreve em plena Serra da Arada, dói-lhe a vinda dos lobos, em dias de cerrado nevoeiro, que já lhe levaram 13 princesas, a acrescentar àquelas que o fogo do último Verão lhe devorou, cerca de 25. Mas não tem no seu dicionário a palavra desânimo, nem preguiça, este António, de Moldes, que vive agora em Arada e mudou de vida há quase um década: fez-se pastor, o que permite dar ao cabrito da Gralheira um lugar de destaque. A seu cargo, acolhe 830 cabras e afins, que o recato de linguagem assim nos obriga a falar. Com este encontro inesperado, até aquelas Serras, nuas e negras, parece que tiveram o seu mágico encanto. Parece. Mas falta-lhes qualquer coisa – o verde das árvores, o cheiro a rosmaninho, o pico dos tojos e o encanto da carqueja. Mas ainda há pastores como antigamente. E isso é que é importante, sem dúvida. Carlos Rodrigues

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Lafões e as Invasões Francesas

Lafões nas lutas contra as Invasões Francesas Comemora-se, no corrente ano de 2010, o duplo centenário das Invasões Francesas, que, iniciadas em 1807, se prolongaram até 1810 e, com um pouco mais de cuidado, podemos mesmo dizer ainda que há vestígios directos desse conturbado período da nossa História algum tempo depois. Este é um ponto de contornos complexos, que tentaremos descrever. Ao enveredar por esta escolha temática destinada à Revista “Terras de Lafões”, que o nosso bom amigo Júlio Cruz está a dinamizar e a oferecer aos seus futuros leitores, temos em linha de conta que esta região se inscreveu, pela acção e não por um qualquer deixa- andar, nas páginas dessa época. Antes de avançarmos, começamos por dizer que o Ducado de Lafões ( 1718, D. João V) – o que só por si justifica estas referências, muito embora se saiba que esse título nobiliárquico até pouca ligação directa possa ter com estas paragens! - foi elemento determinante nalguns desfechos que se vieram a conseguir. Por outro lado, e já a cheirar a contendas que envolviam os franceses, na célebre Guerra das Laranjas , em 1801, comandava as tropas portuguesas “… o octogenário Duque de Lafões, que, sem qualquer razão, não quis ceder o comando do exército ao Conde de Goltz , (pelo que)teve tal necessidade de descansar do seu labor guerreiro, que, desde o primeiro revés e em plena campanha, se retirou para Lisboa…”( Jean-François Labourdette – História de Portugal, Dom Quixote, Lisboa, 2003, pág. 471). Vencido pela força do imparável destino, veio a morrer em 1806, um ano antes da entrada, quase triunfal, dos franceses sob as ordens de Junot. Mas, diz-nos a história, teve seguidores à altura, quando tal foi necessário. Se a ele se deve, entre outros contributos, o lançamento da Academia das Ciências de Lisboa (1779), conjuntamente com o Abade Correia da Serra, conclui-se, com estas referências, que a sua acção não se confinava ao mundo da intelectualidade, uma vez que se dedicou também à causa da defesa da soberania nacional como seu agente activo. A este propósito, deve acrescentar-se que foi Mordomo-Mor da Casa Real e Secretário de Estado da Guerra, sem esquecermos que teve muitas outras funções de grande relevo. Este 2º Duque de Lafões, 4º Marquês de Arronches e 8º Conde de Miranda tinha nome extenso, a saber: D. João Carlos de Bragança e LIgne de Sousa Tavares Mascarenhas da Silva. Foi, por assim dizer, o elo mais forte de todo este Ducado, tendo-lhe sucedido (?), no cargo, D. Ana Maria de Bragança e demais apelidos, depois de, ao que parece, ter havido uma espécie de vazio (?) nesta distinção honorífica entre estas duas pessoas. Voltando ao assunto que aqui nos trouxe, no meio dum caldeirão onde ferveram, anos a fio, os ingredientes para um conflito que, como sabemos, atingiu fortemente Portugal, será preciso evocar a velha rivalidade anglo-francesa para entendermos o contexto em que se inseriu e cada um de seus contornos. Mas basta-nos aflorar, nos tempos próximos e anteriores às Invasões, dois ou três episódios para se ficar com uma ideia de como andava acesa a fogueira da discórdia entre as duas ancestrais nações, que personificam o continente majestoso e uma espécie de atrevidas ilhas… Com um pouco de descaramento, é chegada a hora, numa linguagem bem popular, de se afirmar que, com dois galos e um só poleiro, o pretendido domínio do mundo, numa guerra-fria antecipada e a escaldar em muitas alturas, outro desfecho não era de prever-se, para mal de todos os mexilhões de cada época histórica. Um deles foi, seguramente, Portugal. Assim, por exemplo, o osso da derrota de Trafalgar, em 1805, custa a roer por parte dos franceses, que, aliados aos vizinhos espanhóis, sofreram aí um duro golpe. Não satisfeitos com esta vitória, logo os súbditos de sua Majestade britânica se deram ao luxo de impor um Bloqueio Naval aos arqui-rivais (Maio de 1806). Ferido no seu orgulho e beliscado nas suas ambições imperiais, logo em Setembro, vem Napoleão considerar aquele espaço britânico em estado de bloqueio também. Sem pestanejar, responde-se sempre, e mutuamente, com o mesmo tom belicista, com um carregado ambiente de desafio associado aos clarins de guerra. Neste jogo do empurra e do gato e do rato, Portugal não tem pontos, nem hipóteses de fuga. Dum lado troveja. Doutro, são tufões a toda a hora e com uma ferocidade destruidora de todo o tamanho. Ampliadas desta forma as hostilidades, o calendário dos actos beligerantes é impressionante de frieza, crueldade e escalada de lutas. Não atemorizados com o facto de estarem em permanente guerra, uma e outras destas partes passam a implicar vizinhos, amigos, aliados e todos os países que se opusessem aos seus intentos. Decorre deste princípio de alargamento das fronteiras do conflito a entrada em cena da nação portuguesa, entalada até às orelhas numa camisa de doze varas, metade de cada lado desses intervenientes principais. Em primeiro lugar, lá vinha ao de cima a Aliança Portugal-Inglaterra do século XIV, a exigir fidelidade a esse compromisso. Por sua vez, não nos convinha hostilizar os franceses e, muito menos, o temido poder de Napoleão, pelo menos em termos teóricos. Este era o dilema com que se batia a corte todos os dias. Para afirmar a sua presença, logo em 1806, o Almirante de Sua Majestade Rosselyn coloca-se frente a Lisboa, como que a proclamar a necessidade de não haver ondas que fizessem perigar tudo aquilo que o passado registara como bíblia de actuação entre Lisboa e Londres. Ao fazer tábua rasa desse acordo, que, para Napoleão, era papel queimado, a França apressa-se a dar indicações ao nosso Governo, através do seu Ministro dos Negócios Estrangeiros, no sentido de aderirmos ao Bloqueio, sob pena de ocupação do nosso território, isto, de certa forma repetido, como filme que se vê vezes sem conta, em meados de 1807. Sem perder tempo, faz avançar Androche Junot para Baiona, com a incumbência, de, mais dia menos dia, fazer de Espanha uma estrada para entrar em Portugal como faca em manteiga quente. Como se esta eminente afronta ainda fosse pouco, dá-se um outro salto muito mais perigoso e ameaçador: em Fontainebleau, em 27 de Outubro de 1807, um Tratado, assinado entre a França e a Espanha, encarrega-se de, no plano dos objectivos e das achas para a fogueira, dividir a nossa terra entre esses dois países. Ia o mês de Novembro desse ano a meio, quando as tropas gaulesas entram pelas Beiras dentro, em permitido passeio e, mesmo assim, carregado de devastação. Soado o alarme ali para os lados de Abrantes, lá ia D. João e sua comitiva, por sinal bem recheada de pessoas e haveres, para o Brasil, o que viraria o bico ao prego: o espaço ibérico, soberano, por razões da sua continuidade histórica, transferia-se para o continente sul-americano, de onde emanariam as ordens nacionais. Asfixiava Lisboa, dourava-se o Rio de Janeiro, pelo menos até depois de 1820. Mas antes dessa “fuga” estratégica, ideia que cruza transversalmente o nosso passado, até com Norton de Matos, já no século XX, foi deixada uma recomendação: não se hostilizem os franceses, antes estenda-se-lhe um tapete, postura, que, por ironia, caía bem nos liberais e na maçonaria, grupos em crescente ascensão. Mais abaixo, aprofundaremos esta “tese”. Com este cenário enquadrador, escreve-se a história de três anos de um domínio algo bicéfalo e sempre em alternativa: ora é a França e Portugal a mandar, ora este binómio se desfaz para dar as boas-vindas aos ingleses, como adiante constataremos. Começamos com Junot como actor principal, resvalámos para Weleslley e Beresford. A Junot se atribui a intenção de “ … pelo menos erigir um principado e talvez tornar-se rei de Portugal… “ (Idem, P. 476). Animado desta força de vontade e com o caminho aberto, à grande e à francesa, age como se tivesse já o almejado rei na barriga. Por algum tempo, pouco, aliás… É na fase da queda do seu pedestal que as nossas gentes entram mais directamente em cena. Nos dois primeiros anos de contendas, por assim dizer, Lafões talvez tenha agido um pouco apática e atipicamente. Mas, a partir de 1808 e, sobretudo, de 1809, a sua acção torna-se muito mais efectiva, já que vários dos nossos conterrâneos, com nomes inscritos em listas que encontrámos e que adiante referiremos, vieram a integrar o célebre Batalhão Académico, saído da Universidade de Coimbra e que respondeu à chamada das revoltas contra os invasores. Antes que esta nova chama se acendesse, ainda em Junho de 1808 se via que Lafões, tal como Évora, Amarante, Castelo Branco, Porto, Leiria, Aveiro, Arganil, Santarém, Tabuaço, Coimbra, entre muitas outras localidades, de acordo com Joaquim Veríssimo Serrão, manifestava o seu apoio e regozijo aos tempos de domínio francês. Foi este, no entanto, sol de pouca dura, que os ventos da viragem e da luta contra quem por aqui se banqueteava trariam outra postura – a da contestação por todos os meios ao alcance e a partir do norte para o sul, soprado que foi, por exemplo, o grito de Ipiranga vindo do General Sepúlveda, em Trás-os-Montes. Convém, então e como acima aflorámos, aclarar-se a ideia essencial, que resulta das consequências da primeira invasão: mal chega a Lisboa o eco dos passos franceses em solo luso, mormente por alturas da Beira-Baixa e Ribatejo, logo o Príncipe Regente, D. João VI e sua comitiva se encarregam de pôr em prática a estratégia da fuga para o Brasil, que tinha sido combinada com a Inglaterra, para evitar que o reino perecesse às mãos das tropas napoleónicas. Antes de deixar o Tejo, as ordens do estado- maior da nossa governação iam todas no sentido de não se impedir o avanço do forte inimigo, aventando-se a sugestão de lhe serem abertos todos os caminhos possíveis. De uma só cajadada calavam-se duas vozes: as da impotência em reagir a estes acontecimentos e a dos que sentiam no calor das novas ideias liberais, vindas de uma França criativa, um bálsamo para as angústias de não poder ter, dentro de nossas portas, um regime não absolutista… Com a ânsia de procurar novos figurinos governativos, vai-se mesmo a Baiona, de chapéu na mão, pedir, encarecidamente, a Napoleão que dote Portugal de uma Constituição, podendo ser mesmo uma fotocópia adaptada daquela que em França havia e estava em vigor. A acrescentar a este apelo, um outro grupo de compatriotas nossos, antes que Junot aportasse a Lisboa, tinha-se dirigido a Sacavém, implorando protecção, o que confirma ou a resignação, ou o descontentamento com o regime que aqui se vivia. Se, para as camadas finas da nossa parca intelectualidade, esta última almofada servia para dar boas condições às hostes de além-Pirinéus, para o povo, só a percepção de se estar sob um jugo estrangeiro era motivo para não dar tréguas a quem, diziam, não vinha por bem. Entronca neste fermento a formação do citado Batalhão, que incarna o espírito rebelde, no nosso caso, das gentes beiroas. Sem entrarmos na totalidade daquilo que então se jogou neste confronto, a servir dois senhores de sinal contrário, uns a baterem palmas face ao contacto com ideias revolucionárias ao vivo, outros a olharem apenas para o sentido pátrio, vamos apenas cingir-nos, essencialmente, ao espaço temporal em que se deu a segunda das três invasões e em que Lafões foi protagonista activo. Caído o “consulado” de Junot, que chegou a pôr e dispor de Portugal como se de coisa sua se tratasse, tendo, inclusive, recebido carta branca a esse respeito, de França não há sinais de quebra de intenções: a seguir a uma Invasão falhada, muda-se de responsável e de local de entrada em solo português – saiu Junot, entra, pela zona de Chaves, Soult e seu exército. É então encontrado o momento ideal para a juventude de Lafões mostrar o que vale, ao alistar-se no grupo que teve a sua origem na Universidade de Coimbra. Para se ter ideia das personalidades que compuseram esta força para-militar, um plano de destaque, quanto a uma dessas pessoas, é bem significativo: nelas se incluiu José Bonifácio de Andrada e Silva, um dos futuros heróis da Independência do Brasil, que confessou ter aderido devido, em parte, às ligações que mantinha com o Duque de Lafões. Arrancava com esta gente o Corpo Voluntário Académico, logo em 1807, mas que aumenta de visibilidade cerca de dois anos depois. A dirigir esta tropa improvisada, aí temos Andrada e Silva, lente de Coimbra e membro da Academia das Ciências, para onde entrara pela mão de seu fiel amigo, o Duque de Lafões, comando que partilha com Fernando Fragoso Saraiva de Vasconcelos. Num plano de operações que se estendia por três campos de actuação, um na linha Coimbra -Mealhada – Águeda – Aveiro - Ponte do Vouga -Porto, outro num sentido algo paralelo, Coimbra – Bussaco - Santa Comba Dão – Viseu – Lamego – Régua -Mesão Frio – Porto e, ainda, um terceiro a marchar entre Coimbra – Ílhavo – Murtosa – Ovar – Porto, porque era nesta cidade que tudo de decisivo se desenrolava, o Batalhão Académico centra-se mais na primeira e terceira destas linhas, pelo menos no caso que estamos a tentar relatar, por aparecer, com significativa presença, nos combates de Albergaria, tendo por base o notável estudo de Delfim Bismark Ferreira e Rafael Marques Vigário, em obra intitulada “ O combate de Albergaria – A região de Albergaria-a-Velha e Estarreja durante a invasão francesa de 1809, Câmara Municipal, 2009 “. Reza a história que os combates de Albergaria duraram entre 30 de Março e 10 de Maio de 1809, aí tendo perecido cerca de 150 pessoas, nomeadamente uma de Cedrim, 2 de Sever, 63 de Salreu, 17 de Valmaior e 16 de Albergaria. Todo este denodo não impediu a entrada de Soult no Porto em 29 de Março de 1809, a que se seguiu o fatal desastre da Ponte das Barcas, quando a multidão, em fúria e desespero, tentava escapar a esta destruição da sua cidade, fugindo para o outro lado do Douro, a zona de Gaia. Mas já em 1808 e a anteceder toda esta fase de frontais confrontos, face a um certo despotismo praticado pelas forças invasoras, florescera um sentimento de revolta popular, o que leva o Corregedor de Tomar a anunciar uma sublevação liderada por estudantes de Coimbra, a ponto de o Vice-Reitor se associar a estes protestos, subscrevendo uma proclamação a favor do príncipe regente (D. João ). Também Viseu, pela voz do seu Bispo e da recém-constituída Junta dos Prudentes, põe em evidência o seu desagrado. Fala-se ainda, nesta cidade, da acção determinante de um sapateiro entusiasta, que tudo fez para correr com França. Mas o seu nome não aparece nos anais da história, como quase sempre acontece com as figuras populares, exceptuando-se, nos anos de 1600, o seu colega de Trancoso, o célebre e mítico Bandarra. Nem o taberneiro de Bragança logrou subir às páginas dos livros, em termos de nome, apenas se sabendo que, por trás do balcão, bem deu o corpo ao manifesto. A garra do citado grupo de combate universitário, amplia-se, em traços gerais, com o apoio a dar às ideias do General Manuel Gomes de Sepúlveda que, saído de Trás-os_Montes, organiza e preside a uma Junta revoltosa. Entretanto, o Porto, sede da então Junta Provisional do Supremo Governo do Reino, chefiada pelo seu Bispo, segue-lhe as pisadas. Vendo a sopa a escapar-se da panela, Junot ruma a norte, com o intuito de abafar estes descontentamentos. Ao fazer mal as contas, saiu-lhe ao caminho, em Coimbra e na Figueira, o jovem e aguerrido Batalhão, que, baralhando os dados, foi peça chave na sua queda. Para a necessária inversão desta situação, um ponto se revelou crucial: a atracagem, em Lavos – Figueira da Foz, das hostes comandadas por Arthur Wellesley, futuro Duque de Wellington, em Agosto de 1908, que, partindo daí, trava encontros e combates com os franceses na Roliça e no Vimeiro, o que pressagia o princípio do fim do “consulado” de Junot, capitulação que se concretiza na Convenção de Sintra, a 30 de Agosto. Goradas as tentativas das duas invasões, a Napoleão só restam duas atitudes: dar-se por vencido, ou levar por diante os seus intentos. Optou, teimosamente, por esta última solução. Dessa sua decisão saiu a estratégia para a derradeira investida, dela se tendo encarregado Massena, na Primavera de 1810, ao meter-se, uma vez mais, pelas Beiras abaixo Mas nem este capítulo saiu a contento dos franceses. Pelo meio, o Bussaco e uma estrondosa e humilhante derrota. Mais a sul, as Linhas de Torres Vedras levaram a que se assistisse ao toque de finados destas páginas da atribulada história portuguesa, no que diz respeito às aspirações gaulesas. Terminadas estas arremetidas, uma pergunta se impõe: ficou Portugal livre de influências estrangeiras? Nem por sombra: a Inglaterra tirou chorudos proveitos da “ajuda” que nos deu. Por um lado, viu renovados, ainda em 1810,os Tratados de Comércio, Amizade, Aliança e Navegação com o seu parceiro; por outro, preenchendo uma espécie de vácuo no poder, estando a corte no Brasil, mexeu aqui os cordelinhos como bem entendeu. Demoraram, porém, alguns longos e ansiosos anos os receios dos apetites franceses. Só as quedas de Napoleão, com destaque para Waterloo, em 1815, fizeram tocar os sinos a rebate em sinal de alegria e descanso. Assim aconteceu, entre tantas outras localidades, em Coimbra, Viseu, Lamego, Trancoso, Vouzela, Algoso, Covilhã, Manteigas, etc. Para que conste e nos curvemos perante a memória das nossas gentes que se entregaram a esta causa nacional, registemos alguns dos nomes que participaram nestas contendas, no Batalhão Académico: - o 2º Sargento José Simoens Marques de Almeida, Calvos; Cabo João Crisóstemo de Figueiredo, Campia; João Pereira Ramos, S. Pedro do Sul; Joaquim Cardoso Pessoa de Moraes. S. Pedro do Sul; Joaquim Correia da Gama, Várzea (SPS); Manoel de Barros Xaviano, Fataunços; José Ferraz de Novais Freire, Corujeira (Ventosa?) e vários outros voluntários de Viseu, entre muitos outros elementos, um pouco de todo o país. Numa investigação que peca pela escassez de dados, este é apenas um ponto de partida para a história regional da TERRAS DELAFÕES. Mesmo sabendo que não fomos ao fundo da questão, aqui deixamos, com gosto, estes tópicos. Carlos Rodrigues

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Casa de Lafões, Lisboa, um trabalho de 2011

Centenário – Casa de Lafões Um tempo de reflexão e homenagem I – Das origens ao futuro Ao recuarmos cem anos, é nossa obrigação dirigir as nossas primeiras palavras e sentimentos para quem, em maré de tantas dificuldades e limitações, teve a ousadia, o arrojo, a missão e a visão de se lançar numa aventura que já dura há cem anos e ainda tem, assim o cremos, muito tempo pela frente, logo que haja força e determinação para, procurando inovar, não deixar perecer este nosso emblemático património. Esta Casa de Lafões nasceu do sonho de nossos dedicados antepassados. Mais do que, nesse momento, pensar em Lisboa, na capital que os acolheu, à mente vinha-lhes continuamente a terra lá tão distante, praticamente no fim do mundo de então. Desta forma, quando se procurava ampliar a rede ferroviária, hoje, infelizmente, objecto de severos tratos de polé, o Vale do Vouga não poderia ficar na gaveta do esquecimento, ou dos adiamentos sucessivos e Lafões era zona que não podia ficar de fora desse sinal de progresso, desenvolvimento e modernidade. Erguido à categoria de utopia, o comboio que, na hora da inauguração fora objecto de tanta tareia e desconfiança, povoava os sonhos e conversas dos lafonenses-lisboetas. Com destaque para o mundo do comércio, onde uns firmavam carreira como empresários e outros subiam essa corda a pulso e dor, aí se fazia escola, ágora de interesses locais, talvez até um pouco de conspiração e intriga, que todo isso faz parte do ser-se homem activo e criativo. No rescaldo de um mundo novo surgido com a agitada República, que acicatou cidadanias adormecidas – ou talvez não – e abriu portas ao debate e às reivindicações, esta Instituição começou por ser essa forma de exigência de condições de mobilidade e bem- estar para as gentes da terra-mãe. O Grémio Lafonense, que haveria de sustentar esta designação até ao ano de 1939, foi fruto do cruzamento entre o amor às origens e a necessidade de encontrar para esse espaço afectivo o melhor que pudesse ser alcançado. Como ponto de partida, constituiu-se uma Comissão Dinamizadora da Linha do Vale do Vouga com a participação de António Pinto de Azevedo, Daniel Gonçalves de Almeida, António Rodrigues Portinha, Estêvão de Vasconcelos e Manuel Rodrigues de Abreu. Escolhido o sítio adequado, que foi o estabelecimento comercial do citado Daniel, na Calçada do Garcia, n.ºs 44 a 46, a presidência dessas “conferências” estava a cargo de Alfredo Augusto Ferreira, associando-se ainda José Bento Gonçalves de Almeida e Benjamim Rodrigues Costa. Por curiosidade, diga-se que ali se abrigava já o “Grupo dos Amigos de Vouzela”. Foi em redor desta gente e com a ambição de conseguir que o comboio cruzasse Lafões, objectivo alcançado em pleno, que a via-férrea entrou em Ribeiradio, depois de ter servido Cedrim do Vouga, e foi por aí além até S. Miguel do Mato e Bodiosa, unindo os concelhos de Sever, Oliveira de Frades, Vouzela, S. Pedro do Sul e Viseu, apanhando, de uma só vez, Lafões inteiro. Grande mérito teve quem se aventurou a levar por diante a obra das obras de então. Com este trunfo na manga, um outro passo se impunha: agarrar nessas sinergias e pô-las a render e a criação de uma forma mais estável, credível e duradoura de exercer o prazer de uma cidadania activa estava ali, à mão de semear: a criação de uma Instituição a sério, que se veio a chamar Grémio Lafonense. Impõe-se que registemos o nome desses heróis de 1911, herdeiros, à nossa escala, dos novos ideais da República recém-nascida. Foram eles: Daniel Gonçalves de Almeida, António Pinto de Azevedo, Joaquim e Artur Alves Ribeiro, Alfredo Augusto Ferreira, Adelino Gonçalves de Almeida, Benjamim Rodrigues Costa, David Sul da Costa, Custódio de Sousa Melo, Daniel Dias Costa, António Rodrigues Gonçalves, Cap. António Ferreira Neves, Bernardino Henriques de Almeida, Eusébio Fernandes, Joaquim Rodrigues Lourenço, Manuel Rodrigues de Abreu, Bernardino José Marques, António Rodrigues Portinha, Daniel Bastos, Aires de Oliveira, António Ladeira e Álvaro P. Basílio. Se a primeira reunião aconteceu no Rés-do-Chão de um palacete situado ao lado da Igreja de Santa Isabel, da família de Alves Ribeiro, as Sedes andaram de um lado para o outro, nos anos de arranque: - 1912 – Rua Capelo, 6 – 1º - Freguesia dos Mártires - 1913 – Agosto – Travessa da Glória, 22A – 2º - 1915 – Dezembro – Rua da Madalena , 201(199?), 1º Com o acento tónico numa grande carga regional, tinha como suporte físico “ … A união do número indeterminado de indivíduos, moral e socialmente idóneos, naturais da Região de Lafões, residentes no continente ou fora dele, inclusive no estrangeiro” . Num parágrafo único, dizia-se: “ Os sócios da CL praticarão nas suas mútuas relações os preceitos da mais estreita fraternidade e terão por norma este princípio – Por todos e por Lafões”. Apontavam-se as suas finalidades, que se cingiam, sobretudo, a estes factos: “ … unir os esforços de todos os associados, incessantemente velar pelos interesses dos mesmos e da região e promover os seus progressos morais, materiais e económicos”. Como em todas as organizações humanas de carácter associativo, que se desenvolveu bastante com a Revolução Liberal de 1820, se concretizou na Constituição de 1822, com o seu conceito jurídico e social relacionado com estes temas, se ampliou na República de 1910, tendo cristalizado com o Estado Novo, para rebentar em força com o 25 de Abril de 1974, também este Grémio não foi imune às quesílias que, normalmente, surgem. Por razões da mais variada índole, quando o homem quer emperrar qualquer empreendimento, isso acontecerá quase de certeza. Neste caso, em 1915, o desentendimento teve origem, curiosamente, nos convites a fazer, sendo que um deles viria a recair sobre a filha do Dr. Afonso Costa, um fervoroso republicano, apoiada por uns, rejeitado por outros, para incendiar os ânimos de então, quando o comboio já circulava em grande pela Linha que todos tinham defendido, felizmente. Mas os problemas seriam ampliados ao tratar-se do poder, que, às vezes, mina os espíritos, mesmo os mais sensatos. Por essa altura, criam-se dois blocos: um liderado pelo Capitão António Ferreira Neves, outro, por Alfredo Augusto Ferreira e Benjamim Rodrigues Costa. Deste braço-de-ferro, saiu vencedora esta segunda opção, o que motivou, desde logo, uma aberta cisão: saem Joaquim Rodrigues Lourenço, José Bento Gonçalves de Almeida, David Saul da Costa, Manuel Rodrigues de Abreu e António Ferreira Neves, que fundam o Grémio Beira Vouga, o Grémio Beirão de 1917 e a futura Casa das Beiras, de 1933. Ou seja: a mãe, Casa de Lafões, iria dar à luz uma filha que, por estranho que pareça, era espaço bem maior e onde essa progenitora se situava. Paradoxo? Nem por isso. É que, em 1911, um desejo concreto e bem definido fora cimento bem mais sólido que qualquer interesse mais diluído, como era este de uma grande Beira, do mar à serra, do Oceano a Espanha. Há, porém, um velho provérbio que nos diz que “ o bom filho à casa torna”, facto que se cumpriu com vários dos dissidentes, que ao solo inicial acabariam por regressar, nomeadamente Joaquim Rodrigues Lourenço, alguns anos mais tarde, homenageado na sua terra-natal, Quintela de Ventosa, onde tem um Largo com seu nome desde 1951. Passou um ano sobre a primeira Acta de Reunião de Direcção, em 9 de Outubro de 1912, em que estiveram presentes Manuel Rodrigues de Abreu, Joaquim Ribeiro, Benjamim Rodrigues Costa e António Rodrigues Portinha…. Em matéria de Estatutos, podem citar-se alterações em 1915, 1917, 1926, 1927, 1928, 1931, 1979….. Neste emaranhado de acontecimentos, em 1924, o Governo Civil de Lisboa autoriza o funcionamento da sociedade de recreio Grémio Lafonense, pedindo-se que para ali seja enviado um exemplar do BI e de outro qualquer distintivo usado pelos sócios e que se comunique qualquer mudança de Sede, ou de corpos gerentes. Por outro lado, devem as portas ser franqueadas aos funcionários dessa Repartição ou qualquer agente de autoridade, sempre que tal se justificar. Assiste-se aqui a um crescente apetite das entidades oficiais em controlar estes movimentos da sociedade civil, postura que se acentua depois de 1926 e, sobretudo, de 1933 com o advento do Estado Novo. Já agora, deve anotar-se que, em virtude do disposto no Artº 11º do Decreto-Lei nº 29332, de 8 de Dezembro de 1938(?), acaba o Grémio e começa a Casa de Lafões, como atesta a Secretaria do Governo Civil de Lisboa em 4 de Setembro de 1939. Num campo de acção que sai de Lisboa para a região de origem, em 1940, parte-se para as Termas de S. Pedro do Sul, a fim de participar nas Festas do Oitavo Centenário da Fundação da Nação Portuguesa, colocando-se uma lápide na velha piscina, em homenagem a D. Afonso Henriques, 1º Rei de Portugal, que ali passou algum tempo de sua vida, em várias ocasiões. Em 1946, 47, 57 e 59, apoiam-se Cortejos de Oferendas em favor dos hospitais das Misericórdias de Oliveira de Frades e S. Pedro do Sul. No ano de 1951, como já dissemos, procedeu-se, em Quintela-Ventosa-Vouzela, ao destaque da entrega ao regionalismo por parte de Joaquim Rodrigues Lourenço, ali se registando, em designação toponímica, o seu nome para a posteridade, no Largo principal da aldeia, ainda ali bem presente, aliás. Com activas participações em eventos culturais e sociais de grande significado, são de relevar os Congressos Beirões, o 1º Colóquio Regional de Turismo e Termalismo de Lafões, no centro ideal, as nossas Termas, as maiores agora da Península Ibérica, uma organização que teve na sua génese, formatação e desenvolvimento um decisivo contributo do nosso Amigo e Sócio, o Dr. Carlos Matias. É ainda de referir-se a acção levada a cabo no Conselho Superior de Regionalismo. Por sua vez, em 1938, cria-se a Comissão de Beneficência e Auxílio aos Desempregados da Região de Lafões, enquanto em 1925 se inscreve a CL na Federação Portuguesa das Colectividades de Cultura e Recreio, tendo-lhe sido atribuído o nº 17. Cinco anos após esta decisão associativa, esquecem-se mágoas e diferendos, quando se entra no seio do Grémio Beirão/Casa das Beiras. Em campanhas de solidariedade, apoia-se a luta dos agricultores de Lafões quanto à defesa dos seus vinhos verdes, mormente em 1929 e 1932. Quando eram escassos os meios e formas de comunicação, já os responsáveis deste Grémio e Casa se dedicavam à edição de Boletins e Jornais, onde o regionalismo era nota dominante: Apareceu, em primeiro lugar, o “ Porvir de Lafões”, dirigido por um grande regionalista, Joaquim Rodrigues Lourenço. Seguiram-se-lhe a “União de Lafões” e o “Lafonense”, este em 1960 e, sobretudo, em 1961, por altura das Bodas de Ouro desta mesma Casa. Era seu Director António Elvas Ferraz. II - A actualidade vista à luz dos anos setenta em diante É inegável que, em termos de causa, o regionalismo, tal como fora vivido e apreciado durante décadas, se viria a ressentir dos novos fenómenos sociais. O primeiro abalo sofreu-o com outros pólos de migração, sobretudo essa Europa de sessenta em diante que suga a grande força activa das nossas gentes, fazendo com que a esponja, que era Lisboa, perdesse a primazia das deslocações. Mesmo assim, lá foi resistindo. Mas a machadada determinante, que quase abafou toda a costela regionalista, adveio com o avanço dos transportes e com a melhoria das vias de comunicação, mormente o IP5 e o actual A25, a sucederem-se ao A1. Desde então, Lisboa fica quase à mão de semear e a Casa de Lafões deixa de ser o porto de abrigo, o coração maternal, a praça da aldeia, que se visita, agora, com bastante facilidade. Acabara-se o desterro de viver na capital e, sobretudo, nos arredores, por anos e anos a fio, sem pôr pé em chão de origem. Acabara-se o tempo das despedidas em lágrimas, dos acenos de adeus prolongados e sonoros, ao ver o velho comboio partir, ou os carros de praça, esses mensageiros da estrada que uniram Lafões e Lisboa por métodos que a polícia perseguia, mas que as pessoas, que a eles acorriam, tanto elogiavam. Os Poças, os Arinhos, os Florindos, o amigo Zé “Galo”, a passar, neste momento, por uma grande tristeza familiar, e tantos outros, bem merecem o nosso muito obrigado. Mais tarde, muito mais, vieram os “Expressos” e então ainda se agrava mais a crescente distância entre os lisboetas-lafonenses e a sua Casa de Lafões. Com os auto-estradas, pronto, soou a campainha de alarme, à medida que a mobilidade crescia a uma velocidade estonteante, para não falarmos já da televisão, das novas tecnologias, das Internet e seus pares. São estas as razões que levaram às mudanças de paradigma e de filosofia desta nobre Instituição. Face a este novo contexto e à necessidade de dar vida a uma herança que se não pode perder, entenderam os seus vários responsáveis, todos eles - e ainda bem - e cada um à sua maneira, mas com uma boa cartilha comum, insuflar novo ar, renovar o sangue que nos corre nas veias e empurrar para a frente este projecto que agora faz cem anos. Nasceram assim os encontros e almoços no berço que todos une, acentuaram-se as idas a Lisboa de associações e grupos locais, criou-se uma nova esfera de intercâmbio, olhou-se um e outro espaço, curiosamente, de uma outra maneira: a capital perdeu a sua auréola de um mundo à parte, acima dos outros, Lafões perdeu a vergonha e apresentou-se ali de cara levantada, de igual para igual. Se recuarmos alguns anos atrás, todos somos testemunhas de quanto de” admiração” se tinha, no Verão, pelos nossos lisboetas. Enfeitava-se a aldeia, melhorava e aprimorava-se a gastronomia e culinária, vestia-se uma roupa melhor, para não parecer mal, evitava-se até o cruzamento com essa gente de fato bem cheiroso, sempre que se entendia que se não estava à altura de um diálogo a dois, sendo “conveniente” manter uma certa distância… Hoje, a esse nível, tudo mudou. Ao vermos quem chega e quem está, não se nota qualquer sinal distintivo. Nem na roupa, nem nos temas a tratar, nem nessa postura de um ponto acima, outro abaixo. Regressando às novas programações, eis-nos a ver Lafões na Feira Popular, no Teatro da Trindade, na Praça do Comércio e ruas da Baixa, nos Restauradores, no Rossio e muito mais na Praça da Figueira, na Rua da Madalena, em frutuoso diálogo com a Junta de Freguesia, sobretudo a partir da dedicação e visão de seu Presidente, Jorge Ferreira, no Monsanto e tantas outras zonas que se ganharam para a causa do regionalismo renovado. A Sede passou a ser palco privilegiado para Conferências, Palestras, lançamento de livros, actuações de grupos diversos, convívios, torneios de cartas e afins, sendo ainda, como que a resistir a tudo isto, um ponto de encontro de saudade de gerações que não perdem o hábito de ir com regularidade à Rua da Madalena. Por assim ser, esta Casa tem toda a legitimidade para estar viva, de pé e mesmo em força. Justificam-se, deste modo, outros e novos caminhos que se estão a procurar. Regionalistas quanto baste? Temos dúvidas. Suportes essenciais ao desbravar de pistas novas para sobreviver e prosperar, são isso tudo e muito mais: aos poucos até passam a saber que Lafões afinal existe e ali se mostra diariamente. Essas outras culturas que por aqui desfilam, o rock, as danças latinas e de salão, o forró, as febres de sexta à noite, a “metálica” pesada, afinal, são linguagens que trazem mundividência ao nosso regionalismo e lhe rasgam novos horizontes, numa troca onde todos ficam a ganhar. São a globalização ao vivo e a cores. III - E agora o futuro Aqui chegados, carregados de certezas, não deixamos também de estar repletos de dúvidas, até medos, porque, se o futuro a Deus pertence, cabe também aos homens engendrar os seus contornos. E esta Casa de Lafões tem de saber que esta regra é de ouro e não pode ser esquecida. Impõe-se que, em conjunto, possamos agarrar no presente para virmos a ter um futuro melhor, que deve radicar na tradição de cem anos, mas também de ser capaz de alavancar os tempos que aí vêm, misturando-lhe a modernidade e as exigências de uma época que, olhando para trás, precisa é de pisar trilhos de um devir que ninguém conhece, mas que vai aparecer, de certeza. Olhar o passado é um caminho a seguir. Mas ficar preso a ele será um código postal para um futuro insucesso. É nossa convicção que “ A noção de identidade colectiva pode englobar ao mesmo tempo a imagem consciente que uma sociedade alimenta de si mesma e a imagem inconsciente que poderá ter idealizado ou recalcado” ( in “ O futuro da Europa…”, 2002) e esta verdade leva a que pensemos que o futuro passa por reavivar estas componentes de cada ser humano, criando um projecto de valores-chave onde encontramos, de certeza, o apego às raízes. Para falar de nossas terras, tanta gente o fez melhor que nós próprios, desde Eça de Queirós a Aquilino Ribeiro que, muitas vezes, por elas passou, mormente em Calvos – Fataunços, para conviver com seu Amigo, Professor Cristóvão José Moreira de Figueiredo, e ainda Jaime Cortesão, Prof. Amorim Girão, António Gomes Beato, António Correia de Oliveira, Eng. Mário Cruzeiro, Isabel Silvestre, etc. etc. Como se escreve em “ Cadernos Aquilinianos – I”, “ … A obra de Aquilino foi o primeiro olhar sem binóculos nem lentes coloridas, sem ilusões, lançado sobre o mundo rural português, denotadamente da Beira-Alta” (P.85), ele que foi “… Intérprete do universo que gerou ( as agrestes serranias da Beira-Alta, «sala de bailar dos ventos… “ – Idem, Volume II, p.9. Por sua vez, Eça de Queirós, em “ Contos “ fala de quem chega a Lisboa e de seus sonhos, desta forma: “ Nessa tarde, Macário achava-se no quarto de uma hospedaria da Praça da Figueira com seis peças, o seu baú de roupa branca e a sua paixão. No entanto, estava tranquilo. Sentia o seu destino cheio de apuros. Tinha relações e amizades no comércio.” (P.49) Saindo de uma postura reivindicativa para um espaço de são e vivo regionalismo dos inícios do século XX, nos alvores de uma República agitada, mas prenhe de cidadania, a Casa de Lafões é um cimento que evita a pulverização de sentimentos de pertença e também um “tampão” contra os efeitos de uma globalização, cada vez mais galopante, que quer pôr toda a gente a entoar as mesmas e únicas canções, deixando de lado o nosso Hino, e a comer maçãs de um só calibre, quando as nossas árvores teimam em primar pela diferença e pela qualidade pura de um chão que nos é tão querido. Cada região dá aquilo que de melhor tem. Lafões não foge a essa regra. Assim, ofereceu a Lisboa gente e saber, braços e vontade, querer e vida, ambição e trabalho, criação e empreendedorismo, pelo que é chegada a hora - e este é o local certo! – de tributarmos a nossa homenagem a todos aqueles que, por circunstâncias várias, para aqui vieram, aqui se entregaram de alma e coração aos seus ofícios e desejos, aqui constituíram família e fizeram desta terra, Lisboa, uma terra de ninguém e de todos, uma terra dos outros e de nós mesmos. Este foi o passado e não deixa de ser o presente. Mas seria miopia ficar por aqui, de braços cruzados, a gozar louros conseguidos com sangue, suor e lágrimas, a bater palmas, ou a chorar sobre leite derramado. A ir-se por esse caminho, seriam cem anos ganhos por esses nossos queridos antepasssados (bem haja, Pai, pelo tempo que estiveste na “Portugal e Colónias”) e perdidos, por inércia de nossa parte, por falta de consideração por quem nos legou este património tão humano, tão vasto e tão rico. Mas não é isso que esta Casa quer fazer. Está-lhe na massa do sangue nunca enjeitar responsabilidades futuras, por mais difíceis que sejam. Nesta Beira minhota, no dizer de Jaime Cortesão, sente-se um certo sentido geográfico e cultural como imagem de marca. Foi isso que sempre a CL tentou transmitir e vivenciar. Mas agora é preciso dar saltos de gigante. Nesta fase de desterritorialização, por via da Internet, por exemplo, com uma globalização predadora de tudo quanto é sentimento de posse e de identidade, uma Associação deste género deve saber repensar a cidadania, recriar o regionalismo, reforçar mecanismos de novas leituras deste sentimento, sem deixar de este ser fonte e pilar de bem-estar da comunidade lafonense, que tem de pensar sempre numa Casa que é sua e não deixará de o ser. Em matéria de novos objectivos a definir e de metas ambiciosas a perseguir, é importante também que se vá à procura da nossa gente nessa Grande Lisboa, na sua Área Metropolitana, por onde andam os descendentes de quem, há cem anos, veio para esta capital, esquecendo o Porto, mais perto, mas nunca tão atraente… Impossível será pôr de lado o inter-regionalismo, o que implica que se esbatam bairrismos doentios e dores de cotovelo que, nem que precisem de ortopedista, têm de ser erradicados de todo do tecido social em que nos movemos. Sem que se possa confundir regionalismo com regionalização, o primeiro a estar perto do coração, a segunda a ser medida mais de ordem política e administrativa, cada espaço nosso não pode fugir-nos, sob pena de deitarmos tudo a perder. Por esta razão, uma aposta poderá passar por sessões de história regional de Lafões aqui em Lisboa e por apresentação da Casa na região-mãe, nas escolas, bibliotecas e outros espaços públicos, mobilizando, para esse efeito, como é óbvio, as autarquias e demais entidades locais, como os párocos e outros agentes sociais. Para que cada lafonense perceba e interiorize o facto de a sua CL estar sempre ao seu lado, uma via possível prende-se com uma cooperação com as CM, no sentido de, aqui, se disponibilizarem serviços, via Internet, que possam resolver problemas sem necessidade de deslocações despropositadas. Numa altura em que as novas gerações de sangue vêem esbatidos os afectos, é urgente dar-lhes outros incentivos de modo a atraí-los e a motivá-los para o gosto em seguir as pisadas de seus pais e demais antecessores. Mas não esquecer que a hora da juventude traz sempre, implícito, algo de mudança, inovação e exigências de identidade e diversidade cada vez mais complementares. A estas Casas e associações são pedidas novas funções: promover participação cívica, convívio mais diversificado, maior vivência em comunidade, acentuada defesa da nossa cultura e identidade, passagem de testemunho sem ser imposição, mas antes um desejo, abertura a outros mundos, tendo em conta que a velocidade da circulação das ideias e modas é estonteante e não se compadece com o ram-ram dos nossos velhos comboios, mesmo aquele que fez nascer a Casa de Lafões e lhe soprou os primeiros ares de vida sadia e activa – o Vale do Vouga, de tão boa memória. Em suma: que em Lisboa cada lafonense se sinta no seu ambiente e cada lafonense, na sua terra, se ache tão bem que lhe apeteça retardar a partida, porque o nosso canto é sempre o melhor, por maior que seja esta Capital, que bem merece um grande obrigado de todos nós, por aqui tanto ter sido feito em seu favor e de quem para cá veio, mas que não deixou os seus créditos por mãos alheias. Como é imperioso dar voz aos anseios da terra-mãe, também esta tem de sentir que Lisboa deve ser entendida e compreendida na sua plenitude. Esta é uma relação biunívoca que não pode alienar o poder de cada uma das partes. Por justiça e solidariedade. Este é o tempo de encontrar novos caminhos para esta dimensão do associativismo. Numa altura em que o regionalismo deixou de ser tão sentido quanto o fora em tempos de curta mobilidade física e social, em que a Casa de Lafões era um recanto sentimental, o nosso “pedacito de Lafões em Lisboa”, como dizia, cheio de convicção, Aires Alves Lopes, de saudosa memória, hoje é chegada a maré de esta Instituição se afirmar como alternativa e complementaridade às múltiplas ofertas que existem, ou até à tendência para esquecer as origens… Sendo nós um povo de idas e vindas, de aventuras e regressos, fugas sem destino, ou à busca de um desconhecido criador, agora temos de saber encontrar outras respostas, quando são maiores as ideias de vir e ir, de estar cá e lá, ou mesmo sem estar em lado nenhum. Assim, em termos de meras sugestões, é preciso saber envolver, ousar, cooperar, atrair, sustentar desenvolver. Comecemos, então, por envolver parcerias, CM de Lisboa e arredores, que os “novos” lafonenses galgaram as fronteiras da capital e foram pela Área Metropolitana fora, CM de Lafões e outras autarquias, a exemplo do que se vem fazendo com a JF da Madalena, entidades diversas como a Misericórdia de Lisboa, Segurança Social, Federações ligadas ao associativismo na sua globalidade, empresas privadas e outros agentes, sem esquecer a esfera governamental. Continuemos a ousar avançar para ideias e projectos de futuro, mas sustentáveis, mesmo que vivamos agora em tempos de crise, reanimando, sempre que possível, as Finanças da Casa. É necessário e urgente alargar o âmbito de acção da CL, ainda que se tenham de alterar os estatutos, de modo o poder promover outras iniciativas, tais como: - Criação de Centro de Dia/Lar, em cooperação com Segurança Social e Misericórdia, para lafonenses, obtendo instalações para isso; - No mesmo espaço, Centro Infantil e Juvenil; - Dinamizar um Centro de Vendas de produtos lafonenses, em ligação com outras entidades; - Lançar um programa de Bolsas de Estudo para jovens da nossa zona que venham estudar para a área de Lisboa, em múltiplo de três – SPS/OFR/VZL; - Organizar um núcleo de informação acerca de profissionais de Lafões em Lisboa: médicos, advogados, ofícios diversos, de modo a poder conhecer melhor o nosso tecido social e dá-lo a conhecer a eventuais interessados; - Idem, quanto a empresários; - Lançar para sócios e familiares um esquema de apoio à saúde, em termos de cartão, extensível ainda a outras oportunidades; - Não esquecer um imperativo dos novos tempos: fazer desta Casa, repetindo isto, vezes sem conta, uma autêntica embaixatriz da região, convertê-la em local de trocas de toda a índole, arrancar, com as nossas Câmaras, com um programa de informação e prestação de serviços, via Internet, promover, aqui, sessões e reuniões de trabalho, etc., etc. - Enfim, continuar o que está e dar largas à imaginação criativa. Se hoje afirmamos, com orgulho, que a CL tem cem anos, ousemos dizer daqui em diante: vai a caminho dos duzentos, dois séculos, outro em cima deste!... Os jovens, os nossos jovens, ao verem, nos seus antepassados, um exemplo a seguir, têm de querer vir à sua Casa. Se isso for conseguido, estamos todos de parabéns. Mas quem está merecedor da nossa homenagem e reconhecimento é aquela gente que aqui nos antecedeu. Que heróis eles foram! Como é bom saber que as pessoas de hoje lhe estão gratas e os não esquecem. Possamos proclamar sempre estas palavras de Miguel Esteves Cardoso ( “Público”, 5 de Fevereiro de 2011): “ … O melhor que os amigos e as amigas têm a fazer é verem-se cada vez que podem. É verdade que, mesmo tendo passado dez anos, é como se nos tivéssemos visto ontem. Mas, mesmo assim, sente-se o prazer inencontrável de reencontrar quem se pensava nunca mais encontrar. O tempo não passa pela amizade. Mas a amizade passa pelo tempo. É preciso segurá-la enquanto ela há. Somos amigos para sempre mas entre o dia de ficarmos amigos e o dia de morrermos vai uma distância tão grande como a vida”… Bem haja. Lisboa, 6 de Fevereiro de 2011 Carlos Rodrigues

quarta-feira, 12 de junho de 2013

D. Duarte de Almeida em Toro

Ir a Toro com D. Duarte de Almeida na mente No último fim de semana de Maio, cerca de quatro dezenas de curiosos da história da sua terra foram de abalada até Toro, cidade onde se imortalizou o nosso conterrâneo D. Duarte de Almeida. Na bagagem, ia um forte desejo de contacto com essa notável figura e a zona por onde andou, como fervoroso apoiante do Rei D. Afonso V, de quem era um valioso braço direito, na sua qualidade de seu alferes-mor. Recebidas com toda a dignidade na “câmara” local, em cerimónia que teve a presidi-la a “vereadora” Amélia Perez Blanco, às entidades que ali se deslocaram foi oferecido um vasto programa cultural, a cargo da guia Pilar, e uma perspectiva histórica e social de muito interesse. A par da visita ao Centro de Toro, houve ainda a oportunidade para se ir até ao sítio, onde se desenrolou a Batalha propriamente dita, Peleagonzalo, a cerca de uma dezena de quilómetros. Este encontro, ao vivo, com um pedaço da nossa identidade partiu duma iniciativa mobilizadora da Associação D. Duarte de Almeida, ligada ao velho Colégio de S. Frei Gil, a que se associou a Junta de Freguesia de Vouzela e que, naquela cidade espanhola, teve o generoso contributo do casal Dr. António Liz Dias e esposa, Helena Liz. Organizada toda a logística e de uma forma extremamente eficiente, cumpriu-se um programa cinco estrelas. Podemos juntar-lhe mais uma: o trabalho do motorista, Fernando Carvalho, que foi um esteio forte em termos de informações, com conhecimento e muito propósito, durante toda a viagem de dois dias. Pelo meio, houve uma saborosa paragem em Salamanca, cidade que, pela vastidão e riqueza de seu património, foi aperitivo de muito bom gosto. Imponente e com uma carga intelectual, que lhe vem da sua Universidade de 1218, todo o seu casco histórico é digno de todos os encómios. Mas se esta passagem se revelou um ponto de mestre, era Toro a meta a atingir e o fim último desta jornada de evocação e homenagem. Assim, é natural que seja ela a despertar mais entusiasmo e interesse. Afinal, ter um herói da dimensão de D. Duarte de Almeida, que tudo fez para segurar a nossa bandeira em plena e dura refrega, perdendo os braços e segurando-a afincadamente com os dentes, merece toda esta espera de de 536 anos, desde o dia 1 de março de 1476 até aos nossos dias. Com a sua visível perda de forças, a bandeira foi bem agarrada pelo seu companheiro de armas, Gonçalo Pires, mas o Alferes-Mor do Rei, tratado em Espanha, ficou como o grande “soldado” desse dia. Reconhecido e admirado pela sua coragem, até porque a cidade de Toro estava do nosso lado na contenda que opôs a futura Rainha Isabel, a Católica, à pretendente ao trono, D. Joana, apoiada pelas tropas portuguesas, por ser esposa (?) do nosso Rei D. Afonso V, se o seu nome não aparece muito, são visíveis as referências a esta Batalha, em painel junto da “Colegiata de Santa Maria La Mayor”, na bibliografia local, nos guias turísticos. Para coroar a consideração que lhe foi tributada, na Catedral de Toledo, por ordem da própria Rainha D. Isabel, se encontra guardada, em local de destaque, a armadura que envergou naqueles dias sangrentos. Em Toro, como ficou provado pela visita guiada que nos foi proporcionada, respira-se história por todo o lado e as memórias de um tempo glorioso, que continuou, por muito mais tempo, a partir, por coincidência, dessa Batalha, vêm sempre ao de cima. Fala-se nos luzentes momentos em que deteve poder e importância, imputa-se a essa luta entre as tropas de D. Isabel e as de D. Joana, que tinham na rectaguarda os suportes de Portugal e da França, a própria unidade nacional, que resultou do casamento da própria D. isabel de Castela com D. Fernando, de Aragão. No que diz respeito aos portugueses, ali estiveram desde Março a Setembro de 1476 e o resultado algo desfavorável para D. Duarte de Almeida só seria assumido anos depois, em 1479, pelo Tratado de Alcáçovas, em que se reconhece a supremacia dos então considerados vencedores de Toro, os Reis Católicos. Mas ficou-nos a certeza de que ali tivemos, na pessoa do influente D. Duarte de Almeida, um herói imortalizado lá e cá. Ao olharmos para a distância que nos separa daquela cidade à beira do Rio Douro, mais admiramos este feito do nosso Decepado e de seus acompanhantes. Redobra esta imagem positiva por estes actos grandiosos se dissermos que era pessoa grada na Corte de D. Afonso V, o que prova o seu mérito e postura. A valentia de seu gesto diz tudo acerca de sua personalidade. Nesta medida, Toro, ao recordá-lo e Toledo a acolher parte de seu espólio são a maior mostra de gratidão e elevação que se pode ter e desejar. Numa cidade, que está a fazer um notório esforço por preservar o seu património, como nos foi possível observar, a céu aberto e no subsolo da Casa Consistorial – Câmara Municipal -, onde se está a tornar acessível um mundo desconhecido das enterradas “bodegas”, saber que está associada à figura do nosso D. Duarte de Almeida é riqueza que nunca podemos esquecer. Isto mesmo foi posto em evidência na Sessão realizada no Salão Nobre, com a presença de Dona Amélia Perez Blanco, que interveio nesse sentido, o que fizeram também o Dr. António Girão, Presidente da Associação D. Duarte de Almeida, e o Dr. António Meneses, Presidente da Junta de Freguesia de Vouzela, que ali deixaram um convite expresso para uma vinda a esta vila, o que foi positivamente correspondido. A troca de presentes e galhardetes selou esse princípio de uma futura geminação, que se deseja e espera. Na história de Portugal, há naquela zona de Espanha, diga-se em jeito de envolvimento, um conjunto de terrras-símbolo que nos apraz registar: Toro, por aquilo que estamos a ver, Zamora, pelo Tratado de 1143, Alcanices, pelas decisões acerca das fronteiras, Tordesilhas, 1494, Salamanca, pela sua Universidade, em eixos de encontros e desencontros que são uma e outra coisa ao mesmo tempo. No meio disto tudo, está D. Duarte de Almeida, que, depois desses tempos de sofrimento, regressou ao seu Portugal, dizem que para o “Castelo” de Vilharigues, associando-se-lhe, em princípio, ainda a Casa da Cavalaria, sendo que a história até hoje nos não deixou ver tudo aquilo que gostaríamos de desvendar. Se há ondas nebulosas no percurso de vida de D. Duarte de Almeida, um facto é irrefutável: em Toro deixou marca, que as gentes locais não deixam de apreciar. Foi isso que lá fomos descobrir, mais de cinco séculos depois de este nosso conterrâneo ali ter feito história. Agora, com esta evocação mais viva, como frisou a Vereadora Amélia Blanco, bem pode acontecer que se encurtem caminhos e se consagre uma amizade que ali foi começada, em luta, a 1 de Março de 1476. A geminação pode ser a via melhor para unir Vouzela a Toro e vice-versa… Carlos Rodrigues

terça-feira, 11 de junho de 2013

D. Duarte de Almeida, a sua memória em Toledo

Se já era mais ou menos sabido, acabámos de tirar as dúvidas: D. Duarte de Almeida, o conhecido "Decepado de Toro", com origens em Vouzela e/ou Vilharigues, povoação do mesmo concelho, tem o seu feito e memória registados na Catedral de Toledo, onde os Reis Católicos, D. Isabel e D. Fernando, que sentiram a sua valentia, coragem e esforço na defesa da causa do rei de Portugal, D. Afonso V, em cujas hostes era alferes-mor,o quiseram homenagear. Numa das capelas da imponente Catedral, em vitrine especial, lá está a sua armadura e um texto alusivo a seus feitos. Os dados históricos não estão, a nosso humilde ver, muito correctos, por ali se dizer que saiu derrotado de Toro, quando, na verdade, não foi bem isso que aconteceu, pelo menos com as tropas da nosso D. João. Mas como os efeitos penderam para o lado dos Reis Católicos, esta distinção foi por nós sentida como um tributo a um nosso conterrâneo e antepassado que honra a sua/nossa terra e a sua/nossa nação. Agora, não temos dúvidas: vendo com nossos olhos, feitas as fotografias possíveis, eis um dado que a história regional de Lafões não mais pode esquecer. Convém dizer-se que esta visita se inseriu no programa de actividades da ADDA - Associação D. Duarte de Almeida, seguindo-se à ida a Toro, no ano anterior... E promete continuar...
Lafões: um ducado virtual e uma casa republicana, a sério Ao vivermos numa região que é um território real, com espaço e identidade, razoavelmente delimitado pelo Professor Amorim Girão (que, por exemplo, deixou de fora Talhadas do Vouga) vêmo-lo, frequentemente, referenciado na nossa História como um Ducado e até com um respectivo titular. Com vários Senhores que o tiveram como “seu”, um deles foi mesmo o Infante D. Henrique. Para desfazer alguns eventuais equívocos, que podem suscitar confusões quanto a um exercício de uma autoridade efectiva, vamos tentar esclarecer o que se passou com este título honorífico, sobretudo, a partir do século XVII. Este ponto novo de termos um Duque de Lafões aconteceu, mais ou menos, por razões de ordem sentimental. Isto é, D. João V teve um irmão bastardo, porque filho de D. Pedro II, que entendeu compensar com algo de significativo. Assim, agarrou nas terras de Lafões e “doou-as” a D. Miguel de Bragança (1699/1724), que juntou esta distinção àquelas que já “detinha”por estar ligado à Casa de Bragança e Arronches, esta por casamento com D. Maria Ana Luísa Antónia Casimiro de Nassau e Sousa, essa, sim, Marquesa de Arronches e Duquesa de Sousa e de Lafões (não titular). Deve-se, então, a D. Miguel (legitimado em 1704) a fundação da Casa de Lafões, mas nesta perspectiva que acabámos de descrever. Se trazemos esta matéria para discussão, é porque, em recente Sessão havida na nossa Instituição com a mesma designação, a propósito do seu Centenário, este tema veio para cima da mesa, facto que pode ter provocado a sensação de uma espécie de dupla existência. Declaramos, desde já, que são duas realidades perfeitamente distintas. Com efeito, o Ducado de Lafões, propriamente dito, e atribuído a D. Pedro Henrique de Bragança, por Decreto de 17 de Fevereiro de 1718, confirmado por D. João V em 5 de Setembro do mesmo ano, só se efectiva nesta altura. Assim, aquela tem a ver com a organização monárquica, esta nossa Casa de Lafões, com sede em Lisboa, nascida na sequência do Grémio Lafonense, que se constituiu em 1911, é uma obra de inspiração popular e reivindicativa, por ter sido a partir da defesa da Linha do Vale do Vouga e da exigência que passasse por esta nossa zona que nasceu esta Instituição. Feito este preâmbulo, entendemos ir um pouco mais longe: se D. Miguel e, sobretudo, D. Pedro foram os primeiros detentores desta prerrogativa real, foi, todavia, um de seus descendentes, D. João Carlos de Bragança e Ligne de Sousa Tavares Mascarenhas de Sousa (1719/1806), que mais destaque conferiu a este Ducado. Proeminente intelectual, militar e político, atinge altos cargos no governo da nação, tendo sido, por exemplo, o Comandante das tropas que, por azar, vieram a perder Olivença (1801), mas este facto não fere a notoriedade que veio a conseguir. Se muitos de seus feitos constam da nossa História, como o da participação nas operações de resistência às Invasões Francesas e da sua amizade com José Bonifácio de Andrada e Silva, também um alto vulto da nossa política e cultura e ainda da independência do Brasil, a sua perenidade adviria de outras façanhas. Há, então, uma sua acção que ficou bem cimentada no campo intelectual: a criação, com o Abade Correia da Serra, da Academia Real de Ciências de Lisboa, um poderoso instrumento ao serviço da nossa modernidade. Se mais nada restasse para imortalizar o 2º Duque de Lafões, bastaria esta referência de topo para lhe dar um grande cadeirão no painel das pessoas ilustres, à escala nacional. Ao ganhar visibilidade desta forma, Lafões, que já era nome e realidade com muita importância, ampliou esse seu capital de relevante região, o que ainda hoje, felizmente, por esse e outros motivos, de maior actualidade, bem se nota. Como possuidores, de direito e de facto, na ordem monárquica, deste cargo de Duque de Lafões, podemos aqui deixar os respectivos titulares, ao longo dos tempos, que, inclusive, se estendem, como pretendentes, à própria república. Ei-los: - D. Pedro, D. João Carlos, D. Ana Maria de Bragança e Ligne de Sousa Tavares Mascarenhas da Silva (1797/1851), D. Maria Carlota de Bragança e Ligne Sousa Tavares M. da Silva (1820/1865), D. Caetano Segismundo de Bragança e L. S. T. M. da Silva (1856/1927), D. Afonso de Bragança (1893/1946), D.Lopo de Bragança (1921/2008) e, agora, D. Afonso Caetano de Barros e Carvalhosa de Bragança (1956), residente no palacete familiar na Calçada dos Duques de Lafões, em Lisboa. Não sendo nossa intenção apresentar estes dados de uma forma desgarrada, a motivação que fez despoletar este trabalho relaciona-se, como dissemos, com a actualidade: o Centenário da Casa de Lafões, cujas comemorações se iniciaram, curiosamente, no passado dia 6, no local certo: a Rua da Madalena, nº 199, 1º. Prestado este esclarecimento, a História surgiu por acréscimo. Pensamos, no entanto, que tal se justifica plenamente, como facilmente se conclui dos factos relatados. Carlos Rodrigues