sexta-feira, 30 de junho de 2017

Palavras e poesia

////As palavras em poesia/são de uma sementeira esquisita/tanto saem com toda a força e vapor/pensadas com amor/como ficam um dia e outro dia/sem despontarem, sem fazerem visita//Bem se tenta puxá-las/e trazê-las ao de cima/enterradas lá no fundo/escondidas n'outro mundo/não há meio de deixá-las/virem ter connosco cá cima//E se isso não acontece/se elas assim são teimosas/não saem, nem que sejam formosas/não há nada a fazer nesse caso/a não ser fecharmos a boca/nem a caneta as tira ao acaso/nem elas saem da toca/se assim for, nada de novo a fazer/nem a expôr/tudo fica por dizer//Disse o que disse/e nada disse/nem vale a pena tentar/que isto não está a dar/fica p'ra outra ocasião/quando o sol vier/ e houver mais inspiração/se Deus quiser////

quinta-feira, 29 de junho de 2017

Depois da tragédia, calem-se as vozes da discórdia, unam-se os corações da união, da fraternidade e da reconstrução...

Meus Amigos Depois da tragédia, cautela com as palavras e com propostas em cima do joelho Ainda com a dor e o luto estampados nos nossos rostos e cravados no coração, recordamos novamente as vítimas do terrível incêndio de Pedrógão Grande e concelhos adjacentes, para aqui trazermos mais uma curta reflexão. Num país que arde todos os anos, consumindo vidas e bens, muitos têm sido os discursos feitos e variada a legislação aprovada. A quente, fala-se muito, a frio, não se age convenientemente. É, porém, fora do tempo em que os corações choram que estes assuntos devem ser devidamente tratados. Ou seja: é nas fases da necessária prevenção (quase esquecida) que tudo deve ser tratado e planeado. Assim, correr para o Parlamento, à pressa, para fazer mais umas leis não nos parece um correcto caminho a seguir. Muito menos o é o facto de os políticos se atirarem uns aos outros em acesa luta partidária, quando a culpa é nacional. É nossa. Exceptuando o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, praticamente não há responsáveis que tenham sido sábios nas suas palavras. Todos (?) disseram aquilo que não deviam, procurando imputar culpas a terceiros, sendo que, numa tragédia que tem anos e décadas de antecedentes, não há inocentes. O mal vem todo de políticas, como temos vindo a acentuar, que se esqueceram de cuidar do Interior, onde resistem os heróis que nele querem viver contra tudo, incluindo as agruras de um clima que se agravam, e contra todos, sobretudo aqueles que, por uma ou outra forma, tiveram e têm poder de planeamento e controle territorial. Todos falharam. Com as matas a crescerem praticamente sem controle, não nos venham agora tomar como causadores de todos estes infernos anuais os pobres minifundiários florestais. Era o que faltava! Se lhes pagam uma côdea pelas madeiras que produzem e se os não recompensam pela biomassa e positivos contributos ambientais que geram, se lhes não oferecem dignidade económica e social na exploração de seus montes, tudo o que fazem para aqui permanerem deveria ter um custo a pagar-lhes. Nunca um preço a exigir-se-lhes. Nesta categoria de heróicos resistentes estão muitos de nossos assinantes e leitores que aqui habitam. Por outro lado, quem partiu fê-lo porque foram negadas a si e a seus antepassados tudo aquilo de que necessitavam, como sustento e qualidade de vida. Assim, espantaram-se os nossos pais, retirou-se a esperança de melhores dias aos filhos e estas terras fica(ra)m sem quase ninguém. Lafões, com mais de três mil pessoas perdidas entre 2001 e 2011, é o espelho triste de uma realidade actual. E o êxodo de muitos mais milhares e milhares de concidadãos nossos que daqui partiram de 1950 para cá é a prova de que estas mazelas vêm de longe. Por isso, temos incêndios a mais e verde criativo a menos. Pior do que tudo isto, as mortes é que mais nos doem. Sem remédio, sem apelo, infelizmente. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela” online, 29 de Junho de 2017

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Depois da enorme onda de solidariedade nacional ontem vivida a partir do MEO Arena, mais umas palavras, de há dias, para reflectirmos sobre Pedrógão Grande

Meus amigos A tragédia maior em incêndios de que há memória É de dor, de muita dor, que hoje aqui se fala. Impossível seria que tratássemos de outro qualquer assunto, quando o nosso País acabou de viver uma das maiores tragédias da sua história contemporânea em matéria de incêndios e suas consequências. Sessenta e duas vítimas mortais, na altura em que escrevemos estas linhas, mais umas largas dezenas de feridos, fazem-nos pensar seriamente na descomunal dimensão desta tragédia. Não há memória recente de um acontecimento tão devastador como este na nossa sociedade nacional Com as palavras a serem sempre poucas para mostrarem o que nos vai nos corações e sentimentos, duas delas nos vêm à cabeça: PESAR e SOLIDARIEDADE. Curvando-nos perante a memória de quem partiu, enviamos dolorosas condolências aos seus familiares, amigos e respectivas comunidades. Solidarizando-nos com quem se encontra ferido, desejamos a sua rápida recuperação. Importa ainda que aqui registemos uma profunda gratidão a quem, no concelho de Pedrógão Grande e em vários outros dos distrtitos de Leiria, Coimbra e Castelo Branco, combate, tantas vezes com armas desiguais, a fúria dos incêndios, a força traiçoeira dos ventos e os raios fulminantes das trovoadas. Enfrentando ainda uma floresta desordenada, uns territórios fustigados por más políticas públicas de planeamento nacional, umas povoações despovoadas e envelhecidas, uns campos com verdura a menos e árvores a mais, esta gente dos bombeiros e da protecção civil, em geral, merece-nos todo o respeito, gratidão e um público reconhecimento. Outro tanto se diga das fantásticas ondas de solidariedade que nosso país e um pouco por todo o mundo para ali fizeram confluir mensagens e bens. Na tristeza, somos também enormes no apoio que somos capazes de dar a quem tanto sofre. Agora, perante tantos destroços, tanta vida derrubada, tanta desgraça, saibamos dar as mãos e passar à fase de recuperação que se impõe. Se pelos mortos já não podemos fazer mais nada a não ser recordá-los com choro e saudade, cuidemos dos vivos, confortando-os e dando-lhe possíveis novas esperanças, porque o futuro continua a esperar por eles. A noite e o escuro abateram-se sobre aquelas terras na fatídica noite do sábado passado. Que, agora, o sol possa, de novo, iluminar as vidas de quem, resistindo, tem de ir em frente. Força!... Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, 22 de Junho de 2017 NOTA – Depois de este texto ter sido escrito, o número de mortos subiu para 64, incluindo um Bombeiro de Castanheira de Pera e o de feridos passou a barreira dos 200. Feitas estas adendas, o essencial tinha sido dito.

segunda-feira, 26 de junho de 2017

A morte e a destruição nos incêndios de 2013 e 2017, uma tragédia continuada. Até quando?...

Incêndios, pavor, destruição e morte A nossa região de Lafões tem estado no meio de um mar de chamas, quer do lado da Serra do Caramulo, primeiro, quer, mais tarde, a partir de domingo, também da Serra do Ladário. Tudo arde. O pior, no meio desta desgraça imensa, é que também temos a lamentar perdas de vidas humanas, como a voluntariosa Bombeira Rita Pereira, de Alcabideche-Cascais, que tombou no concelho de Tondela, e ainda vários feridos, alguns em estado grave, como o nosso conterrâneo, Presidente da Junta de Freguesia de Queirã, Prof. Joaquim Mendes. A quem nos deixou, servindo, que descanse em paz e o nosso enorme bem haja. A quem sofre, que a dor e os ferimentos passem depressa e a recuperação seja breve! Andando pelas nossas estradas, na tarde de domingo, o que verificámos, no terreno, deixou-nos profundamente preocupados: desde o IP5, depois do nó de Joana Martins, no sentido Aveiro-Viseu, eram quilómetros de serras queimadas, ou ainda em chamas. A caminho do Caramulo, o fumo e as labaredas falavam por si. Os Bombeiros, sempre eles, corriam de um lado para o outro, ou mantinham-se activamente combativos e vigilantes. Cruzámo-nos com um carro de Mem Martins, outro dos Bombeiros Velhos, de Aveiro, isto para só citarmos algumas das Associações que por ali andavam. Nos céus, eram os helicópteros que descarregavam água em cada dois ou três minutos. Entretanto, olhando para baixo, para a zona de Queirã, o negrume das matas queimadas logo nos fazia pensar no acidente que ali houvera, há poucos dias. Na Serra do Caramulo, uma imagem com que deparávamos sempre, num visto sem ser visto, era a de uma jovem sorridente, que, vinda de Cascais, interrompeu o seu destino a combater o fogo. Triste sina a sua! A par dessa imensa, inesquecível perda de uma Vida, a nossa mente fugia também para os vários acidentes que se sucediam em cada dia. Neste cenário de horror e terror, tudo perdemos. Por cima de Caparrosa, lá no alto, reinavam as labaredas e, percebendo pelo que íamos ouvindo, estavam em perigo as povoações de Carvalhal da Mulher, Caselho, Silvares, depois de Fornelo do Monte, de Póvoa dos Codeçais, de Adsamo terem passado, dias antes, por igual e perigosa situação. No alto de Alcofra, o mesmo cenário de pavor, neste caso, já passado. Enfim, palmo a palmo, a Serra do Caramulo foi perdendo fulgor, sendo palco de momentos de uma imensa dor florestal e, mais do que isso, humana. Em dia de Festa de Santa Margarida, que, naqueles mesmos momentos, decorria na vila do Caramulo, a dois passos das chamas, evocava-se, nas rádios, o incêndio do Chiado de há vinte e cinco anos, também dia vinte e cinco de Agosto. Assim, de uma só vez, eram duas imagens que nos martelavam na cabeça: a actual, cheia de temores, e a anterior, carregada de história e também das emoções de então, recordando nós aquelas imagens, vistas a preto e branco na Praia da Torreira. Mas, em tempo de memórias, a do dia 24, sábado, quando Rita Pereira, em Alcabideche, ia a enterrar, aparecia-nos sempre em frente: era o imenso Cortejo Fúnebre, eram as sirenes nacionais, em uníssono, a tocarem nos Quartéis de Bombeiros, eram o sino daquela Igreja em grito de dor, vendo esta Jovem a dizer-nos, tragicamente, adeus. Vivendo estas várias carradas de acontecimentos, ao vivo, uma outra logo vinha, fortíssima, ter connosco: as chamas da nossa Serra do Ladário, que vistas do alto de Varzielas, faziam pressupor o pior, como de facto se veio a verificar. As chamas chegaram ao Ladário, sete anos depois Com a recordação negra do ano de 2006, em que morreu, num outro grande fogo, António Tavares, de Reigoso, eis que, em 2013, volta de novo a tragédia: a Serra do Ladário ardia, uma vez mais… Naquele domingo, chegados a casa, da varanda, podíamos ter uma ideia aterradora do que se estava a passar, quando o lume teimava em não parar. A noite caiu e as ameaças ficaram. Se na Serra do Caramulo andaram centenas e centenas de Bombeiros, à do Ladário, após o fogo ter começado a deflagrar no Feitalinho-Arcozelo das Maias, segundo informação da Protecção Civil, chegavam eles em força e capacidade de entrega a essa sua duríssima e nobre missão, na ordem também das várias centenas. Antes, pelas 14.38 h do dia 25, domingo, era convocado o Grupo de Reforço para Combate a Incêndios Florestais (GRIFO 1), de Lisboa, tal a intensidade do incêndio que já então se fazia sentir. Veio a manhã e o panorama, infelizmente, não se alterou. Com o Posto de Comando junto às Bombas de Paredes de Gravo, ali, em ambiente de coordenação das operações, não eram boas as notícias que recebiam do terreno, devido ao ímpeto desse incêndio. Cerca das oito horas, ou ainda antes, entraram em acção os helicópteros, dois, e, um tanto mais tarde, os aviões. De acordo com o site da ANPC, às 7 horas e 45 minutos, foram accionados os aviões franceses, dois igualmente, do ramo dos bombardeiros operacionais, que, passado algum tempo, estavam a operar, como pudemos testemunhar, ao vivo. No solo, o comunicado da citada ANPC, às 7.25 h, anunciava a presença de 387 Bombeiros e outro pessoal, e 114 veículos oficiais. Entretanto, pelas 8.30 h, da mesma fonte ficávamos a saber que ali estavam 378 pessoas operacionais, 105 viaturas terrestres e dois helicópteros, a que se juntaram os citados aviões. Na sua marcha destruidora, o fogo caminhava, galopante, para o concelho de Sever do Vouga, por estas alturas, apesar dos esforços que estavam a ser feitos. Em complemento, nos últimos quinze dias, têm sido mobilizados perto de 5500 Bombeiros por dia, a fim de combater as centenas de incêndios que vão deflagrando, havendo, só no domingo, dia 25, mais de 360 focos de fogos, em que intervieram 7454 unidades de pessoal em 2018 veículos e, às seis da madrugada, viam-se 900 Bombeiros, para uma dezena de operações, em 238 viaturas. Aparecia, pela sua ausência, um bom sinal: não havia referências à Serra do Caramulo, uma prova de que ali fora extinto o incêndio que por lá andou desde quarta-feira. Nestes dias de pavor, destruição e morte, as nossas Serras passaram, de novo, a ficar sem vida. Com a culpa a ter muitas e várias raízes, sem esquecer que há gente e interesses no meio desta vaga assassina, uma delas tem nome: falta prevenção à altura e conveniente limpeza de matas. E o Estado, infelizmente, não dá o melhor dos exemplos. Nem por sombras. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, 2013 NOTA – Algum tempo depois de este texto ter sido escrito, Joaquim Mendes acabaria por falecer no combate a um incêndio na freguesia de que era Presidente de JF – Queirã, no concelho de Vouzela. Eterna saudade. Entretanto, nos dias seguintes à trágica morte de sua Colega, outros Bombeiros viriam também a dar suas vidas, pelo que o balanço final deste incêndio se agravou dramaticamente. Ontem, 2013, e hoje, 2017, catástrofes e mortes não nos têm deixado. Penosamente. Até quando? Até quando? Até quando?

domingo, 25 de junho de 2017

Corpo de Deus, uma marca de flores em Vouzela e os sermões nos Paços do Concelho em Oliveira de Frades

Festas do Corpo de Deus a marcarem o feriado - Em Vouzela e Oliveira de Frades salientam-se diferenças e afinidades Como ponto comum, as quintas-feiras a serem feriados nacionais fazem toda a diferença como dias do Corpo de Deus. Contendo a boa carga de uma tradição de séculos, no momento em que tal foi anulado, sentiu-se uma certa quebra. No entanto, em Oliveira de Frades, essa orientação política não se seguiu e continuou-se tudo tal como se nada tivesse sido mexido. Em Vouzela, optou-se por transferir as cerimónias, tal como em muitos outros locais, para o domingo seguinte. Isto num passado recente. Voltando-se à primeira forma, o que, convenhamos, era quase um imperativo geral, o passado dia 15, a quinta-feira de 2017, foi vivido em intenso ambiente festivo nestas duas vilas. Mais ou menos à mesma hora, depois das Missas Solenes, as Procissões saíram para as ruas cerca das seis da tarde. - VOUZELA Por entre sinais de uma grande semelhança, como a presença das cruzes paroquiais e da presença das diversas entidades oficiais e civis, notaram-se, de imediato, as características distintivas de cada uma destas terras. Em Vouzela, a flor foi imperial e forte atracção turística no Largo Morais Carvalho, nas Ruas S. Frei Gil, Morais Carvalho e Teles Loureiro, na Avenida João de Melo, Praça da República, na Alameda D. Duarte de Almeida e em direcção à Igreja Matriz. Com a arte e a participação populares verdadeiramente notáveis, o resultado foi o mesmo de sempre: um espectáculo de cor e de formas que, de ano para ano, se vêm mantendo e continuando numa transmissão de geração para geração que são sinal da sua perenidade. Metro a metro, casa a casa, todos colaboram, todos criam, todos se entregam a este imponente e verdadeiro cartaz turístico. - OLIVEIRA DE FRADES Em Oliveira de Frades, uma outra marca vem sempre ao de cima: a passagem da Procissão pelos Paços do Concelho, a sua paragem frente ao respectivo edifício, a entrada nestas instalações, que estão sempre engalanadas, o sermão e a bênção a partir das janelas do Salão Nobre. Daqui, com a multidão em silêncio sempre muito bem respeitado, presta-se toda atenção às palavras que ali são proferidas. Em cada ano, há, em princípio, um sacerdote diferente. Neste ano de 2017, tais funções religiosas estiveram a cargo do Padre Víctor Dias, natural do concelho, onde nasceu na freguesia de Arcozelo das Maias. Sendo este um costume secular, que já vem do século XIX e talvez de tempos anteriores, a sua efectivação foi sempre um factor de identidade desta terra. Por outro lado, os tapetes floridos frente à Câmara e à Igreja Paroquial são outras das suas marcas. - CONSIDERAÇÕES GERAIS Percorrendo, num caso e noutro, as principais artérias de cada vila e sede do concelho, registam as suas imponentes marcas as Bandas Filarmónicas, a Sociedade Musical Vouzelense, em Vouzela, a Banda de Música de Oliveira de Frades, a União Musical Juventude e Amizade, da Sobreira, e a Banda Marcial Ribeiradiense, neste outro município. Em cada uma destas localidades, vimos as Paróquias com suas Cruzes e representações populares e, inclusivamente, as várias Irmandades, assim como as Associações de Bombeiros e outras colectividades. Assinale-se que, em Oliveira de Frades, há uma outra nota a destacar que é o facto de o pálio ser levado, nos diferentes troços, por diversas instituições, incluindo a Câmara e Assembleia Municipais e Juntas de Freguesia. Muito importante em cada uma destas manifestações do dia do Corpo de Deus é a adesão do povo que a elas acorre em grande número e acentuada devoção. Dia grande da Igreja católica, o Corpo de Deus permanece vivo e forte na devoção e fé de nossas gentes. Ir contra isso é sinal de imaturidade política e social que, geralmente, não dá bons resultados. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Junho, 2017

S. Félix, concelho de S. Pedro do Sul, à vista da cidade

S. Félix, uma freguesia de olho na cidade Qual porta de entrada (ou de saída) na Serra do S. Macário, a freguesia de S. Félix, por sinal bem pqeuenina em área, nasce e acorda sempre com a sede do concelho, a cidade de S. Pedro do Sul, ao alcance da vista e a meia dúzia de passos, para aí a uma boa légua de distância. Pelo meio, corre o Rio Sul que divide e une ao mesmo tempo. Ao ir-se na direcção de Castro Daire ou de Sul, conforme o destino que se pretenda, a estrada em causa quase não tem verdadeiras linhas de divisão entre as diversas localidades, aparecendo como que um povoado praticamente contínuo. Mas nada de confusões: S. Pedro é S. Pedro, S. Félix é S. Félix. Assim reza a história, assim o entendem os habitantes de um e outro destes locais. Sem sabermos bem como, esta freguesia espapou aos maremotos de 2012 e 2013 que inundaram uma boa série delas um pouco por todo o lado, fundindo-as com o nome pretensamente airoso de uma qualquer União. Mas do que se tratou, de facto, foi de um “roubo” feito ao nosso povo em termos de lhe subtraírem a verdadeira Junta de proximidade, com ganhos nulos, ou até com prejuízo para as finanças públicas. S. Félix salvou-se dessa peste maligna. E ainda bem. Aliás, a seu tempo, aquando da auscultação dos órgãos autárquicos, a Assembleia Municipal de S. Pedro do Sul foi categórica na rejeição da proposta apresentada em sede da Lei 22, de 12 de Maio de 2012 em que se fala nas possíveis fusões, entendendo que “... A identidade local existe, e é arreigada, especialmente nas comunidades de menor dimensão populacional, que de acordo com os princípios orientadores da reforma em estudo, serão o principal alvo... “. E ainda: “... A extinção de muitas destas freguesias seria uma rude e séria machadada na defesa dos interesses de suas populações, que por este caminho se tornarão cada vez mais periféricas. Esta é uma maneira errada de resolver o desenvolvimento autárquico... “ Aludindo-se também a séculos de vivências e a sentimentos de pertença, não obstante S. Félix não ter aparecido na lista negra, o certo é que ficou mesmo de fora de qualquer União. Desta forma, os lugares do Aido de Cima, Alvarinho, Casal, Casal Bom, Casal de Matos, Casal de Nespereira (sendo de realçar esta abundância de Casais!), Costa, Eiró, Entroncamento, Fontão, Igreja, Loureiro, Mondelos, Mouta, Regadas, Sacados, S. Félix e Vila Nova bem podem orgulhar-se de não dependerem de mais ninguém a não ser da sua velha ligação autárquica de tempos idos, de agora e, cremos, que de futuro. Pelo menos nas épocas mais próximas. Documentalmente, em 1258, nas Inquirições, já consta S. Félix e seu termo com individualidade própria. Constata-se, assim, a sua antiguidade histórica. No Arquivo Distrital de Viseu, há testemunhos que remontam ao ano de 1634 e se prolongam até 1898, com alguns bem mais recentes a poderem também ali ser consultados. E o presente como está? Pode dizer-se que mais ou menos bem, pelo que se augura uma futuro muito aceitável. Curioso é o facto de a sua heráldica ostentar dois ferrinhos musicais e, de imediato, compreendemos o seu alcance e importância: está é terra de muita e boa música, destacando-se o Grupo de Cantares de Lafões – ALAFUM, o Grupo de Cantares de S. Félix e respectiva Associação Cultural e Desportiva. Por isto, o registo destes elementos preponderantes da cultura local assentam que nem uma luva na classificação desta terra. Desportivamente e em equipamentos de lazer, podem referir-se um pequeno campo de futebol e um espaço de convívio, mas não constam equipas activas a assinalar em termos de qualquer prática regular. Com uma localização geográfica estratégica e de bom nível, é natural que por aqui existam diversas actividades económicas para além da tradicional agricultura, sendo de relevar as boas unidades de restauração, hotelaria, outro comércio e serviços e ainda alguma indústria ligeira. Espaço de tradição entre as zonas baixas e as alturas da Serra de S. Macário, as belezas naturais são por aqui uma constante. Com a sua ligação à concessão de pesca do Rio Sul ao Clube de Caça e Pesca de Lafões, desde 2006, esta é uma actividade que por estas bandas tem os seus fãs. Em matéria de festividades religiosas, S. Félix, no primeiro domingo de Agosto, e S. Sebastião, em Janeiro, são os momentos que mais se destacam. À sua escala e dimensão, esta freguesia faz o seu caminho. Pela via da música, tem ido mesmo muito longe. Pudera! Quem tem um ALAFUM tem tudo, ou quase tudo, porque o céu fica lá muito em cima e este Grupo, andando lá por perto, ainda lá não chegou. Mas tem arte e qualidade para continuar a subir bem alto e para distâncias ainda maiores. As suas gentes assim o têm demonstrado. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, Junho, 2017

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Depois do luto, repensar tudo....

Estes dias, depois da catástrofe de Pedrógão Grande e concelhos limítrofes, têm sido vividos sob uma intensa carga emocional, bem compreensível, aliás. Historiando tragédias recentes no nosso País, esta é das maiores e, em incêndios, talvez a mais dura e triste de sempre. Chorando os mortos, lamentando a dor de quem viu partir seus familiares e amigos, associando-nos à sua dor, desejando que os feridos venham a recuperar a sua saúde, importa agora que se avance para uma análise das condições que abriram as portas a estes dolorosos desfechos. A culpa tem raízes ancestrais e tem a ver com más e desastradas políticas públicas em planeamento e gestão do território, que têm agravado a falta de coesão territorial, levando massas e massas de gente do Interior para o Litoral sobretudo as duas grandes manchas urbanas de Lisboa e Porto, conduzindo ao despovoamento e envelhecimento de nossas aldeias, à perda do amanho das propriedades agrícolas, ao desordenamento florestal, ao crescimento exponencial de matos e ao crescimento da desertificação. Depois, certa tendência para monoculturas em arborização, primeiro, o pinheiro (e a zona onde estes acontecimentos mortíferos e devastadores designa-se mesmo, em termos de NUT III, Pinhal qualquer coisa), posteriormente, o eucalipto, não pode ser esquecida. Se não temos nada contra estas plantas, pensamos, no entanto, que elas progridem na medida inversa da forma como se encaram as políticas florestais e de planeamento:vistas as matas como pé de meia, carvalhos e outras espécies autóctones demoram décadas e décadas a gerarem receitas. No caso do eucalipto, por exemplo, numa dezena de anos, há um certo retorno garantido. Se este tema for encarado de frente, se houver vontade de, estruturalmente, se pensar na necessidade de termos um Interior a continuar a ser fonte de sustentabilidade territorial e ambiental, então, financiem-se os proprietários que queiram pôr os seus terrenos com índices de ocupação com raízes para o futuro. Se isso acontecer, o nosso País deixará de ser este inferno continuado em cada onda de calor que surja. Em políticas de defesa do Interior, que tudo seja pensado em bloco. Já não é apenas de floresta e de agricultura que se trata: é de uma VISÃO de conjunto que se precisa. Não se pode agir com fiscalidades iguais para situações tão diferentes. Nem pensar tudo como se todos vivessem na Avenida da Liberdade, em Lisboa. Há gente que vive na Pena, em Adsamo, em Lameiro Longo, com monte por todo o lado e que tem o direito de viver em segurança. A Serra que tenho no meu horizonte, a do Ladário, no concelho de Oliveira de Frades, nos últimos tempos, ardeu toda em 2006 e em 2013. A do Caramulo foi palco de morte de Bombeiros e populares, com um intenso índice de destruição, no mesmo ano de 2013, em que a tragédia por aqui se espalhou. Águeda, bem perto de mim, assistiu ao falecimento de muito mais de uma dezena de pessoas, muitas delas Bombeiros, há uns anos. O mesmo aconteceu em Armamar e, mais longe no tempo e na distância, em Sintra. Este meu País arde demais. E nós, todos nós, temos assobiado demasiado para o lado. Mas tal atitude não pode continuar. Cada morte é um grito de alma que não nos pode deixar indiferentes. TEMOS DE SABER HONRAR QUEM MORREU CRIANDO CONDIÇÕES PARA QUE NUNCA MAIS VIVAMOS TANTA DOR! Olhar para o PAÍS com uma nova visão impõe-se. IMEDIATAMENTE.

domingo, 18 de junho de 2017

LUTO

POR ESTES DIAS TRÁGICOS E DURANTE O LUTO QUE VIVEMOS É ESSE O TRISTE AMBIENTE EM QUE NOS VAMOS SITUAR. O TRISTÍSSIMO DRAMA DE FIGUEIRÓ DOS VINHOS E ARREDORES, DAS MAIORES CATÁSTROFES NATURAIS DOS ÚLTIMOS TEMPOS, A ISTO NOS IMPELE. AS FORÇAS ESCASSEIAM QUANDO TANTAS VIDAS, MAIS DE SESSENTA, SE PERDERAM E LARGAS DEZENAS DE FERIDOS ESTÃO EM OBSERVAÇÃO MÉDICA. CALEMO-NOS E CURVEMO-NOS PERANTE A MEMÓRIA DE QUEM ASSIM NOS DEIXOU. E DEIXEMOS UMA PALAVRA DE GRATIDÃO E ESTÍMULO A QUEM POR ALI ANDA EM ESFORÇO GIGANTESCO. O NOSSO PESAR AOS FAMILIARES DOS MORTOS E UM ENORME OBRIGADO A QUEM TUDO FAZ PARA SALVAR PESSOAS E BENS, MESMO QUE NÃO CONSIGA, INFELIZMENTE, CHEGAR A TODOS OS LADOS. UM ABRAÇO SOLIDÁRIO!

quinta-feira, 15 de junho de 2017

Ribeiradio com Banda sempre em festa

De Ribeiradio, muita e boa música primaveril Numa conjugação feliz entre a música e o espírito da Primavera, a Banda Marcial Ribeiradiense levou ao Cine-Teatro Dr. Morgado, em Oliveira de Frades, um Concerto com arte, criatividade, tradição, entusiasmo e muita força cultural, que a juventude desta Associação têm vindo a aperfeiçoar e a aprimorar a caminho da excelência, que essa, sabemo-lo, é uma meta que povoa a mente de seus responsáveis. Com nove anos de maestria nesta mais do que centenária Filarmónica, Bruno Nogueira surpreende sempre que sai à rua. Na tarde de domingo, 2 de Abril, assim aconteceu uma vez mais. Cá fora, o sol e o ar eram apetecíveis. Mas o espectáculo programado tinha atracção suficiente para que a sala apresentasse uma mole humana que se ajustou bem à qualidade que desfilou por aquele palco de tantas e tão boas memórias. Com a programação do espectáculo pensada ao pormenor, uma a uma, as “flores”, os músicos, entraram em cena para fazerem desabrochar, a partir do momento em que Bruno Nogueira subiu ao seu palanque, um momento musical de alto nível em cinco peças: Lincoln Legend, de William Harbison; Concert Alto Saxofone & Wind Ensemble, de Samuel R. Hazo; Arabesque, de Samuel R. Hazo; The Legend of Maracaibo, de José Alberto Pina; West Side Story, de Leonard Bernstein, arr. Naohiro Iwai e Gibraltar, de Richard Waterer. Com uma Banda que remonta ao ano de 1890, em iniciativa dinamizada por Ricardo Ferreira e Alexandre Ferreira Lopes, à frente de um grupo de boas vontades ribeiradienses, é salutar verificarmos que, em 2017, o sonho desses homens de outrora tem vindo a suscitar uma boa e criativa continuidade, a ponto de, hoje, entre largas dezenas de executantes, a sua idade média e a presença de crianças e jovens, rapazes e raparigas, serem o nível etário mais valioso e a suscitar a melhor das esperanças – a da continuidade deste projecto de vistas largas. Esta “Primavera Overture” trazida ao Cine-Teatro Dr. Morgado, a 2 de Abril de 2017, pela Banda Marcial Ribeiradiense, foi um bom princípio de mês, depois do dia do enganos (sendo que a sua actuação foi uma boa e autêntica verdade musical) e muito especialmente um bom começo de uma brilhante estação do ano, esta que estamos a viver. Em tarde cultural bem ganha e bem vivida, as peças apresentadas foram arrojadas e de muito bom nível. Devemos ainda acrescentar que, com “Arabesque”, se partiu para uma multiculturalidade que nos apraz registar, por todos os motivos, como facilmente se entende. Com um Grupo coeso e muito animado, cheio de veia musical, o todo vale por si: esta Banda Marcial Ribeiradiense, velhinha quanto baste, está em muito boa forma e com bom sangue na guelra. Individualmente, o mesmo se diga, que a Ana Clara, em solo de saxofone alto, foi um mimo que ali nos foi oferecido. Ela e todos os seus companheiros. Com esta gente, a Primavera promete. E de que maneira!... Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, 2017

Cinema com gente de S. Pedro do Sul

Um cineasta de S. Pedro do Sul distinguido em Cannes Pedro Pinho foi a Cannes com seu filme “ A fábrica de nada” e veio de lá com o bolso cheio em termos de aplauso a mais esta sua obra. Admirados com a força da película ali apresentada, que retrata a realidade de uma unidade industrial carregada de problemas, o que movimentou os seus operários em torno de soluções alternativas, os membros da Federação Internacional de Críticos de Cinema não tiveram dificuldades em conceder-lhe o Prémio FIPRESCI, ou seja, o seu galardão maior. Se este feito das nossas artes portuguesas já é digno de uma nota especial, para este jornal “Notícias de Lafões” ainda tem um significado e um alcance bem maiores e com forte impacto local, na medida em que o seu autor tem ascendência paterna em Oliveira de Sul, deste mesmo concelho de S. Pedro do Sul. Oriundo de uma conhecida família, é filho de José Pinho, um dos grandes vultos da cultura livreira dos últimos tempos, sobretudo pela sua forte ligação e liderança ao Grupo Ler Devagar. Ao receber o prémio em causa, Pedro Pinho limitou-se a dizer que, obviamente, se sentia satisfeito com tal distinção, mas que esperava que, com este feito, pudesse dar um abanão nas preocupantes questões com que se debate o cinema português, de modo a fazer arrepiar caminho, invertendo ideias e leis que estão em cima da mesa. Com uma vida académica e profissional ligada a esta sétima arte, estudou em Lisboa, Paris e Londres. Neste seu percurso, participou ainda em eventos ligados ao cinema em Marselha, no DOC-Lisboa, no Brasil, em Berlim e noutros locais. Desta vez, foi a uma das Mecas do cinema, Cannes, e não veio de lá de mãos a abanar. Antes pelo contrário, como vimos. Com este prémio, S. Pedro do Sul e Lafões bem podem dizer que acabaram de receber mais uma lufada de ar fresco, porque um de seus filhos teve êxito internacional. E isto sabe bem. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Lafões”, Maio, 2017

terça-feira, 13 de junho de 2017

Repescando memórias das Bandas de Ribeiradio e da Sobreira, 2011

Banda de Ribeiradio cruzou Baixa de Lisboa Para participar nas Comemorações do 1º Centenário da Casa de Lafões, em Lisboa e na Festa-Exposição que se desenrolou, nesse âmbito, na Praça da Figueira, a Banda Marcial Ribeiradiense actuou na capital no passado dia 17, como, noutro local, noticia Eduardo Cortinhal Sanches. Recebida numa Sede em obras para bem receber o Presidente da República no dia 9 de Outubro, ali almoçou “à Lafões”. Fardada a rigor e com o peso de mais de 120 anos, mas cheia de juventude, esta Banda fez quedar a Baixa, desde a Rua da Madalena, passando depois pela Rua Augusta, circuito pedonal, onde foi recebida e aplaudida em apoteose. Tocou, parou, virou-se para o muito público, viu-se fotografada e filmada vezes sem conta, foi mirada por estrangeiros de todo o mundo e ninguém deixou de olhar enquanto se viam os músicos até desaparecerem no Rossio e assentarem arraiais na citada Praça da Figueira, onde houve concerto e sempre o mesmo entusiasmo, tão bom foi o programa apresentado sob a batuta da Maestro Bruno Nogueira, um santo da terra a fazer milagres. Para evitar repetições, estas são as dicas complementares que entendemos dever registar, estilo legenda mais alargada. Numa organização da Casa de Lafões, contou-se, em termos de transportes, com o apoio da Câmara Municipal de Oliveira de Frades e ASSOL. Convém acrescentar-se que, no dia 18, ali esteve também o Grupo de Cantares de Fataunços com idêntico sucesso, entre vários outros agrupamentos. UMJA organizou VI Festival de Bandas Se na correspondência de Álvaro Simões Ferreira este tema é também objecto de análise, importa que se diga ainda que o VI Festival TIM foi, uma vez mais, um momento de música, cultura, gratidão e reconhecimento. Até o começo deste Festival teve o seu visível significado com a saída da casa de seu principal fundador, o saudoso Valentim Nunes Nogueira, na Sobreira, ali com eterna placa a indicar tal sentimento de gratidão, local de partida da Banda Filarmónica de Vila Nova de Tazem, com o Maestro Nuno Miguel Mendes Garcia, da Banda Clube Pardilhoense (Martinho Miguel Matos Rodrigues) e UMJA ( Pedro Serrano). Em desfile, seguiram para o Recinto das Festas e de Exposição, para aí actuarem em Concerto até ao momento final - a execução, em conjunto, de uma peça comum, a arrancar vivos aplausos. Presentes a Vereadora Dra. Elisa Oliveira e o Presidente da Junta de Freguesia, Luís Santos Pereira, que apadrinharam um novo presente recebido pela UMJA – uma carrinha para os seus serviços e muitos são eles, sobretudo quanto à Escola de Música. Recordando também os nomes de um outro especial fundador e primeiro Maestro, Antero Barreiras Rodrigues, do P.e João Ramos Pereira, Presidente da Direcção durante anos e, infelizmente, já desaparecido, de Bruno Nunes, ex-Presidente e de Nuno Garcia, actual responsável máximo, este VI Festival TIM esteve bem à altura do seu próprio historial – um sucesso de música, organização e cultura. Carlos Rodrigues, in “ Notícias de Vouzela”, 2011

domingo, 11 de junho de 2017

A formação de uma Companhia Militar - I

Estávamos no ano de 1972. Um grupo de militares do Continente partiu para o Funchal com a finalidade de aí formar uma Companhia destinada a, três meses depois, embarcar para Moçambique. Calhou-me essa missão. Ido do RI 14, Viseu, onde acabara de dar instrução, para lá fui. Comigo, seguiram dois colegas, o Melo e o Soares. Chegados a Lisboa, destinaram-nos uma viagem no Paquete Funchal, como se de turistas se tratasse. Bom começo de aventura foi aquele: instalados em tal barco, cheios de mordomias, até nos esquecemos que éramos tropas. Depois de umas largas horas de viagem marítima, a vista da cidade do Funchal, ao anoitecer, foi algo de fantástico, em imagens que jamais posso esquecer. Ligados ao BII19 daquela cidade madeirense, que tinha um quartel muito aceitável, foi com espanto que nos sentimos empurrados para umas velhas instalações junto ao Pico de Barcelos, velhas, apertadas, quase a fazerem lembrar o século anterior. Porque não nos cabia refilar(muito embora nos apetecesse!), lá tivemos que nos acomodar naqueles cubículos. De bom, muito bom mesmo, tínhamos uma incrível paisagem sobre toda a cidade. A receber-nos, lá estava o então Tenente Brás Pinto, que logo mostrou um bom lado humano. Numa Companhia que se baseava, quanto à grande fatia de seu pessoal, em jovens madeirenses, foi com eles que começámos a trabalhar, em termos de instrução militar. Dois problemas se nos depararam; os primeiros dias de exigências em formação e a linguagem em que se falava de "semelhas" e outras coisas que tais, com uma pronúncia a que não estávamos habituados, nem a um certo tipo de expressões como esta de "dá-me licença que ali vá por-me nos pés", o que, traduzido por alto, tinha a ver com as necessidades fisiológicas... Pouco a pouco, tudo se veio tornar familiar. Até o roubo de umas bananas, que estavam sempre à mão de semear, mas que, sabíamo-lo, tinham dono. Divididos entre as funções militares e uma certa vida de "lordes" em turismo, os fins de tarde e as noites eram passadas na Baixa, no Café Coral e tantos outros, em passeios junto ao mar, em idas e vindas sem parar no Cais da Pontinha, em idas às piscinas do Lido, a que se juntavam umas voltas pela Camacha, por Câmara de Lobos e por outros locais de uma beleza sem par. Mais tarde, alargaram-se horizontes e avançou-se para o Machico, para S. Vicente, Porto Moniz, Santana, Pico Ruivo, sempre a pensar que, sendo militares, também tínhamos direito a usufruir das coisas boas que a Madeira tinha (e tem). Escusado será dizermos que a Ilha de 1972 estava a léguas do desenvolvimento que depois veio a ter. Qualquer viagem, nessa altura, contava-se em horas para curtas distâncias. Por exemplo, a Ribeira Brava era lá no fim do mundo. Depois, quando lá fomos, posteriormente ( o que aconteceu algumas vezes)com as novas vias, os viadutos e os túneis, passou a fazer-se em curtos minutos. Voltando a tocar nas questões da tropa, as velhas amizades que já iam de Viseu, com o Melo e o Soares, logo se foram estendendo ao resto da malta. Criou-se um tal ambiente que foi esse que transportámos, no final do Verão, para o calor moçambicano. Antes, porém, convém dizer-se que a vinda para o Continente, já com a obrigação de arrancarmos, posteriormente, para Moçambique, foi, em viagem, uma aventura danada. Num aeroporto exíguo,com a pista a tocar no mar e com a exigência da perícia dos pilotos a ser explorada até ao ínfimo pormenor, coube-nos o azar de o avião não ter podido descolar numa primeira e numa segunda vez, pelo que lá voltámos de Santa Cruz para o Funchal. Sempre a cantarmos, "Ó, Senhor de Matosinhos, ó, Senhor da Boa Hora, ensinai-nos os caminhos para sairmos daqui para fora", repetindo essa canção, até as gargantas secarem, vezes sem conta. Quem pagava, depois, eram as cervejas, claro está. Por fim, o avião subiu aos céus e, passado um curto tempo, aterrámos em Lisboa. Gozados uns dez dias de férias e de chorosas despedidas, em voo da TAP lá fomos nós, um dia, até à Beira-Moçambique. Um outro mundo nos chamava. E que mundo era ele!!! (continua)

quarta-feira, 7 de junho de 2017

Recuperar a confiança perdida. Assim falava eu em 2013, em Setembro, no jornal "Notícias de Vouzela".....

A morte da confiança, o fim dos valores Uma sociedade minada nos seus princípios essenciais é sempre um péssimo sinal dos tempos. Um país que alardeia, na governação, fases de um visível desprezo pela dimensão da confiança, que rasga compromissos de estado com os cidadãos de uma forma tão leviana e ultrajosa, não pode esperar que a felicidade se estampe nos seus concidadãos. Contrariamente a isso, dá azo a que o desencanto, o desânimo e a descrença se apoderem de suas gentes, o que traz consigo sementes de um futuro nada promissor. Sabemos que as finanças continuam pelas ruas da desgraça, que os juros da nossa dívida disparam nos mercados mundiais, mas, temos de o confessar, a culpa do regresso dessa peste deve-se aos políticos que temos, à estúpida crise que alimentaram, à criancice dos seus comportamentos, aos desvarios de suas atitudes de sai-entra, de cai-não-cai, para depois, roendo as unhas, tudo ficar como dantes. Ou pior. Porque sem a credibilidade que, pouca que fosse, ainda ia tendo. Agora, o que é preciso é saber reconquistá-la. Só não sabemos é como. Ainda que falemos em causa própria, o que está a ser feito, em termos de cortes nas pensões do estado, é de uma injustiça a toda a prova, por ser um saque aos bolsos de quem julgava estar perante gente e entidade de bem, o Estado que fizera com os seus funcionários um acordo selado. Nada disso. Agora, com uma argumentação que prima pela demagogia, porque não diz que o mesmo Estado não cumpriu a sua parte, durante anos e anos, gastando o dinheiro de seus funcionários a seu gosto (sendo que, na iniciativa privada, esse desbaratar de verbas que pertenciam à Segurança Social, pelo patronato, era punido criminalmente), logo trata de ir buscar, com efeitos rectroactivos, aquilo que a outros pertence. Triste exemplo. Péssima prática. Para alicerçar a linha de nosso raciocínio, nem sequer nos serviremos de nossas palavras. Aquelas que Ana Sá Lopes escreveu no “I”, no passado dia 16, segunda-feira, falam por nós e dizem muito daquilo que nós quereríamos aqui registar. Fiquemos com ela: “ … Estes reformados nunca viveram acima das suas possibilidades, porque, quando nasceram, não havia «possibilidades». Nasceram num país miserável, onde quase ninguém estudava e os serviços de saúde metiam medo. Foram eles que ajudaram a construir o país mais ou menos decente que ainda temos, enquanto não rebentarem com ele de vez. Solidariedade intergeracional é ter consciência do que lhes devemos e não os tratar como carne para canhão… “. Assinamos por baixo. E estamos em crer que Manuela Ferreira Leite também o faria… Se muitos mais argumentos poderíamos ir buscar, estes chegam, por agora. Contrariando o que dissemos há dias, que estas são horas dos futuros autarcas, não resistimos, porém, (nós que nos revemos, até em matéria de estudos, naquilo que Ana Sá Lopes tão bem escalpelizou, que aproveitamos a vida que Deus nos vai dando para sermos solidários com as instituições e com as pessoas, que não deixámos de erguer, activamente, bandeiras de trabalho em prol dos outros), a alinhavar estes lamentáveis desabafos. Basta de desconsideração. Chega de ofensas à nossa dignidade. Por tudo isto, esperando que os candidatos a autarcas sejam vistos em si mesmos e não como peças de uma qualquer máquina partidária, que nos apetece castigar, forte e feio, neles confiamos a vontade de vermos que os compromissos com o seu povo nunca serão rasgados. Um a um, são pessoas que se apresentam ao eleitorado. Ou, pelo menos, assim pensamos. E é assim que, no dia 29, entendemos as decisões a tomar. Para as “europeias” e para as “legislativas” ficam as amarguras que nos vão na alma, se continuarmos a ver que os valores de nada valem… Não pode o justo pagar pelo pecador…

terça-feira, 6 de junho de 2017

Ter ou ser, eis a questão...

A importância do ser Na abertura do ano lectivo, retomando ciclos temporais com séculos de história, apetece-nos deambular pelo mundo dos valores, que da Escola, da Família e da Sociedade têm andado, infelizmente, muito distantes. Vivendo épocas em que se endeusa demasiado a dimensão do ter, facilmente se esquece que o “ser” é muito mais importante. Podendo ter-se muito, pode ser-se extremamente vazio de conteúdo pessoal e social, o que traz severos prejuízos para a nossa Humanidade. Que razão nos leva, nesta perspectiva filosófica, a iniciar estas linhas com uma referência ao ano lectivo? Uma e uma só: a ideia de que à Escola cabe muito mais do que transmitir saberes, por mais pertinentes e relevantes que sejam e são-no de certeza. Quando, por estes dias, nos estabelecimentos escolares se solidificam os projectos anuais, estes ficarão amputados da sua essência se neles não houver espaço, tempo e vontade para incluir a necessidade de se falar em valores, em ser-se pessoa, antes de se ter a ambição de querer agarrar este mundo e o outro. Com os exemplos que temos vindo a dar às nossas crianças e jovens, em que se arrastam questões em que se trata quase sempre de abordar a banca, as finanças, os impostos, a mercado, as compras e vendas, escasseiam as referências de base, aquelas que são o alicerce fundamental de todo o SER humano: ser este capaz de se olhar de uma outra forma, fazendo sobressair qualidades de bondade, de solidariedade, de respeito, de dignidade, de civismo, de cidadania, de partilha, de ver no outro um eu que se prolonga para além de nós. O conhecimento é parte integrante da nossa formação. Mas não é tudo e pode ser mesmo quase nada. Quando a família, em alteração estrutural, chega a não ter tempo para estar com os seus rebentos, quando as comunidades andam atarefadas em sobreviver, resta a ESCOLA como reduto de aprendizagem, sim, mas muito como meio de EDUCAR, sem medo, sem vergonha de se assumir esta mesma dimensão. Este paradigma, o da educação, não pode nunca dissociar-se das funções que aí se desempenham. Perdendo-se este fio condutor, a Escola entra em falência e leva ao colapso dos tempos futuros. Com gerações à deriva, vêm os comportamentos desviantes e sabe-se quanto esse perigoso estado de alma sem alma pesa num mundo que, agora mesmo, tem motivos de sobra para se interrogar. Ser, eis a questão. Carlos Rodrigues, in “Notícias de Vouzela”, Setembro, 2014