domingo, 11 de junho de 2017

A formação de uma Companhia Militar - I

Estávamos no ano de 1972. Um grupo de militares do Continente partiu para o Funchal com a finalidade de aí formar uma Companhia destinada a, três meses depois, embarcar para Moçambique. Calhou-me essa missão. Ido do RI 14, Viseu, onde acabara de dar instrução, para lá fui. Comigo, seguiram dois colegas, o Melo e o Soares. Chegados a Lisboa, destinaram-nos uma viagem no Paquete Funchal, como se de turistas se tratasse. Bom começo de aventura foi aquele: instalados em tal barco, cheios de mordomias, até nos esquecemos que éramos tropas. Depois de umas largas horas de viagem marítima, a vista da cidade do Funchal, ao anoitecer, foi algo de fantástico, em imagens que jamais posso esquecer. Ligados ao BII19 daquela cidade madeirense, que tinha um quartel muito aceitável, foi com espanto que nos sentimos empurrados para umas velhas instalações junto ao Pico de Barcelos, velhas, apertadas, quase a fazerem lembrar o século anterior. Porque não nos cabia refilar(muito embora nos apetecesse!), lá tivemos que nos acomodar naqueles cubículos. De bom, muito bom mesmo, tínhamos uma incrível paisagem sobre toda a cidade. A receber-nos, lá estava o então Tenente Brás Pinto, que logo mostrou um bom lado humano. Numa Companhia que se baseava, quanto à grande fatia de seu pessoal, em jovens madeirenses, foi com eles que começámos a trabalhar, em termos de instrução militar. Dois problemas se nos depararam; os primeiros dias de exigências em formação e a linguagem em que se falava de "semelhas" e outras coisas que tais, com uma pronúncia a que não estávamos habituados, nem a um certo tipo de expressões como esta de "dá-me licença que ali vá por-me nos pés", o que, traduzido por alto, tinha a ver com as necessidades fisiológicas... Pouco a pouco, tudo se veio tornar familiar. Até o roubo de umas bananas, que estavam sempre à mão de semear, mas que, sabíamo-lo, tinham dono. Divididos entre as funções militares e uma certa vida de "lordes" em turismo, os fins de tarde e as noites eram passadas na Baixa, no Café Coral e tantos outros, em passeios junto ao mar, em idas e vindas sem parar no Cais da Pontinha, em idas às piscinas do Lido, a que se juntavam umas voltas pela Camacha, por Câmara de Lobos e por outros locais de uma beleza sem par. Mais tarde, alargaram-se horizontes e avançou-se para o Machico, para S. Vicente, Porto Moniz, Santana, Pico Ruivo, sempre a pensar que, sendo militares, também tínhamos direito a usufruir das coisas boas que a Madeira tinha (e tem). Escusado será dizermos que a Ilha de 1972 estava a léguas do desenvolvimento que depois veio a ter. Qualquer viagem, nessa altura, contava-se em horas para curtas distâncias. Por exemplo, a Ribeira Brava era lá no fim do mundo. Depois, quando lá fomos, posteriormente ( o que aconteceu algumas vezes)com as novas vias, os viadutos e os túneis, passou a fazer-se em curtos minutos. Voltando a tocar nas questões da tropa, as velhas amizades que já iam de Viseu, com o Melo e o Soares, logo se foram estendendo ao resto da malta. Criou-se um tal ambiente que foi esse que transportámos, no final do Verão, para o calor moçambicano. Antes, porém, convém dizer-se que a vinda para o Continente, já com a obrigação de arrancarmos, posteriormente, para Moçambique, foi, em viagem, uma aventura danada. Num aeroporto exíguo,com a pista a tocar no mar e com a exigência da perícia dos pilotos a ser explorada até ao ínfimo pormenor, coube-nos o azar de o avião não ter podido descolar numa primeira e numa segunda vez, pelo que lá voltámos de Santa Cruz para o Funchal. Sempre a cantarmos, "Ó, Senhor de Matosinhos, ó, Senhor da Boa Hora, ensinai-nos os caminhos para sairmos daqui para fora", repetindo essa canção, até as gargantas secarem, vezes sem conta. Quem pagava, depois, eram as cervejas, claro está. Por fim, o avião subiu aos céus e, passado um curto tempo, aterrámos em Lisboa. Gozados uns dez dias de férias e de chorosas despedidas, em voo da TAP lá fomos nós, um dia, até à Beira-Moçambique. Um outro mundo nos chamava. E que mundo era ele!!! (continua)

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