domingo, 24 de setembro de 2017

A necessidade de uma boa urbanização

SAT I -4 > Espaço e Sustentabilidade AS CIDADES E O CAMPO NAS DINÂMICAS DE PLANEAMENTO TERRITORIAL E URBANO - 1 - INTRODUÇÃO Em termos de análise ao tema da planificação e urbanização de cidades, partimos de uma espécie de ponto prévio que tem a ver com uma perspectiva mais vasta, na nossa versão, que é aquela que se relaciona com a gestão do território nacional no seu conjunto. Fazemos esta incursão por este caminho, porque é nossa intenção relacionar, em certa medida, as dimensões das assimetrias entre o interior e o litoral e, dentro deste, no caso português, a Grande Lisboa e o Grande Porto. Extrapolando um pouco, relativamente àquilo que nos é proposto para trabalho final em “Espaço e Sustentabilidade”, temos a impressão que a concentração de enormes massas populacionais nesses espaços urbanos se relaciona muito com a evidente capacidade de atracção que essas terras exercem sobre os cidadãos, mas isso deve-se, em boa medida, às políticas seguidas durante décadas pelos poderes centrais que pouco fizeram para travar o êxodo rural. Acontece que, por este mesmo facto, a insustentabilidade vivida nas urbes gigantescas, de sinal contrária àquela que se verifica nas zonas deprimidas, é filha dessa mesma miopia em fazer do País um espaço onde a geografia não fosse destruída, na sua génese inicial de situação equilibrada, pela ânsia de deixar terras madrastas. Isto tem, no entanto, uma matriz cultural profunda: desvalorizando-se a vida do campo e suas envolventes, abriu-se caminho para a fuga para as cidades, vistas como zonas onde leite e mel corriam a rodos. Depois, com a concentração de serviços e outros equipamentos nessas mesmas urbes, deu-se a machadada final. Isto, porém, só se inverte com novas políticas públicas, com governanças viradas para o solo nacional como um todo e, sobretudo, com uma outra construção mental: importa que “... A passagem do camponês não qualificado, envergonhado da sua própria condição social, apodado depreciativamente de «campónio», a elemento válido duma sociedade cuja evolução o leva a assumir posição importante como produtor e consumidor, numa sociedade construída a partir da modernização da agricultura, é, com efeito, um tema fundamental dos nossos dias...” – (Ritta, p. 159). Ou seja: a par de uma nova economia, é o campo da dignidade humana que tem de ser repensado e vivido de uma outra forma. Numa sociedade profundamente dual, em que a cidade exerce encantos, nas acessibilidades de toda a ordem, nos lazeres, nos serviços, nas expectativas de trabalho limpo e justo, na moda, a cidade tem vindo a marcar pontos ao longo do tempo, com destaque para os períodos dos pós-Guerra, como é facilmente demonstrado pelos Censos diversos, a partir de 1950/1960. E isto tudo parte de assimetrias venenosas, crescendo desmesuradamente Lisboa e Porto, povoando-se com altíssimas densidades o litoral, desertificando-se até à desilusão total, o restante território. Dele assim se escreve: “... A aberração mais flagrante está no isolamento a que são votadas as populações do interior. A compartimentação é secular. Quem necessite de se deslocar de um povoado com raízes na parte montanhosa até outro congénere localizado na arraia, por exemplo, tem de se levantar de véspera para chegar ao ponto desejado, sem garantia de regressar no momento previsto...” – (Raimundo, Jornal do Fundão). Entretanto, no âmbito deste trabalho, pede-se-nos que partamos da Carta de Toledo para enquadrar tudo aquilo que viermos a dizer em termos de planeamento territorial e urbano. Reconhecendo que esta Declaração está essencialmente virada para a política de cidades, com base uma “Reunião informal de Ministros de Desenvolvimento Urbano”, realizada em Junho de 2010, somos, todavia, de opinião que estas áreas metropolitanas estão numa espécie de fim de linha: são o reflexo e o resultado de um emaranhado de factores, entre os quais podemos também contar as feridas de um desenvolvimento territorial, no caso português, verdadeiramente desordenado. A este propósito, diz-nos Mário Jesus (2002) que as assimetrias são “... resultado dos diferentes graus de afectação do investimento dedicado ao desenvolvimento do interior...” Como este se despovoa em perigosa escala, temos, por dedução, que a aglomeração em peso nas grandes cidades tem a ver com aquilo que se tem negado ao resto de território, numa percentagem de cerca de 75% sem gente e sem dinâmicas de atracção e fixação. Mas, como nos é pedido que falemos de cidades, mais do que da outra realidade de carácter mais geral, vamos tentar ligar os dois pontos, com ênfase nos espaços urbanos, sem, de vez em quando, deixar de tecer comentários sobre o que acontece na parte restante do nosso território. Pegando num documento com origem na Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), zona em que nos integramos, através da sua Direcção de Serviços de Ordenamento do Território (DSOT), na publicação “Guia Orientador – Revisão dos PDM”, sem descurar aquilo que se considera e designa como interior, fala-se em “... Desenvolver as bases técnicas para a formulação e condução, a nível regional, da política de ordenamento do território, da política de CIDADES e da política de conservação da natureza...” No sistema de governança, a que aludiremos no decurso deste trabalho, cabe a esta esfera regional um importante papel, numa perspectiva vertical, por ser uma entidade desconcentrada do poder central e não um órgão autónomo. No seu conteúdo funcional, apontam-se diversas metas: “... Desenvolver estudos e programas de qualificação das CIDADES, em particular em matéria de reabilitação urbana e de recuperação de áreas urbanas degradadas, promover e colaborar na elaboração de estudos e conservação da natureza e da biodiversidade e desenvolver acções de apoio à articulação das políticas sectoriais e regionais com os instrumentos de gestão territorial...” Porém, há nesta Instituição outras preocupações, que são do nosso particular agrado, como sejam “.... a qualificação do território para a sustentabilidade e COESÃO territorial...”. Com quatro eixos no programa “Mais Centro”, dois deles inserem-se na onda das nossas preocupações: 2 – Valorização do espaço regional e 3 – Coesão local e urbana. Em zona de cidades com uma dimensão média, esta visão é aquela que melhor se adequa com as nossas aspirações, numa posição pessoal que aqui se vai manifestando em várias ocasiões deste mesmo trabalho. No entanto, por se referirem duas Comunidades de uma outra escala, Lisboa e Madrid, vamos ter essas realidades em linha de conta. Como metodologia a seguir, muito embora haja alguma compartimentação temática, os conceitos versados neste Tópico IV serão apresentados de uma forma integrada em todos estes textos. - 2 – REGENERAÇÃO URBANA INTEGRADA É esta a linha de força prevalecente na Declaração de Toledo, sendo o seu tema central. Sendo assim, sem querermos fugir àquilo que nos é sugerido, vamos tentar falar de cidades, suas virtudes, defeitos, ritmos potenciadores de desenvolvimento, centros de educação, cultura, inovação, ciência, moda e locais de centralização de serviços, sem deixar de as interligar com tudo quanto diga respeito a territórios mais vastos. Por se entender que as cidades são importantes, ali estiveram altas entidades europeias como representantes do Parlamento Europeu, do Comité das Regiões, do Conselho Económico e Social Europeu (CESE), Banco Europeu de Investimento (BEI) e outras. Essas presenças dizem tudo: essas massas urbanas não podem ser esquecidas e devem merecer a atenção de todas as forças políticas, sociais e económicas. No meio desta teia de opções e interesses, há que incluir o espírito da Carta de Leipzig, que, a nosso ver, teve uma abrangência de conteúdos um tanto maior e mais do nosso agrado, porque englobou a organização territorial equilibrada baseada numa estrutura urbana policêntrica, algo distante da visão de cidades megalómanas e asfixiantes e politicamente centralizadoras. Não podemos deixar de referir que esta Tópico IV consagra o princípio do “ Espaço e Sustentabilidade”, o que, por tabela, dificilmente é possível de conseguir-se em centros urbanos com as características de muitos que agora atraem grande parte das populações do nosso País. Daqui a cinquenta anos, 2/3 dos problemas sociais e ambientais aí estarão localizados, cita-se aí, até porque se perspectiva, ao ritmo actual, que, por esssa altura, grande parte dos habitantes do Planeta sejam citadinos. Se isso é uma evidência à luz de hoje, pode, no entanto ser invertida essa tendência se, como desejamos, se conferir às demais componentes do tecido territorial e social uma outra atenção. Como que antecipando outras perspectivas, já Robert Dickinson, em 1947, tinha horizontes mais largos, ao referir-se à necessidade de estabelecer relações sustentáveis entre as cidades e os espaços circundantes, aliando assim duas realidades, a urbana e a rural. Não obstante o espírito de Toledo estar presente nas nossas considerações, gostaríamos de aqui encaixar algo do que expõem Delgado e Ribeiro (2004), onde, com incidência, no Artigo 3º - Fins, se diz o seguinte “... Reforçar a coesão nacional, organizar o território, corrgindo assimetrias regionais e assegurando a igualdade de oportunidade dos cidadãos no acesso às infra-estruturas, equipamentos, serviços e funções urbanas”, acrescentando-se que é preciso “Promover a valorização integrada das diversidades do território nacional” e “Salvaguardar e valorizar as potencialidades do espaço rural, contendo a desertificação e incentivando a criação de oportunidades de emprego...” Em parte, esta mesma indicação e pretensão se vê - e importa pô-lo em relevo - na Declaração de Toledo, quando se fala em obter um desenvolvimento urbano integrado, inteligente, coeso, inclusivo, para maior competitividade económica, ecoeficiência, coesão social e progresso cívico com qualidade de vida e bem-estar no presente e no futuro, relacionando tudo isto com o contexto do Tratado de Lisboa e com a Estratégia Europa 2020. Nada temos a opôr a estas pretensões para as nossas cidades, que só assim podem ter alguns benefícios para os cidadãos que nelas habitam. A nossa vontade e opção sentidas vão um pouco mais longe: queremos ver essas condições e premissas espalhadas, harmoniosamente, por todo o nosso território, em outros equilíbrios. Sabendo e reconhecendo que as cidades são locais de prestígio, reprodução económica e social, como se nota em “Sustentabilidade e Regeneração Integrada na Europa”, inserida na Plataforma deste Tópico IV, também aí se declara que podem potenciar, pelas acções pontuais e desgarradas com que se processam várias operações de renovação e intervenção, fenómenos de segregação e exclusão. Assim, por efeitos colaterais e negativos, atingem-se camadas do seu tecido social que, muitas vezes, são vítimas duplas dessas situações, por se tratar, em muitos casos, de migrantes que, tendo saído de suas terras por falta de oportunidades, ali se deparam com idênticos quadros de vida. Nalguns dos conteúdos da Declaração de Toledo, o A1 defende a “Idoneidade no enfoque integrado em políticas de desenvolvimento urbano e necessidade de um entendimento comum”, advogando propostas de cooperação entre cidades para aplicação do Europa 2020, dando seguimento à Agenda de Barcelona que visa perspectivas locais europeias. Convém também destacar que esta Declaração tem muitos propósitos de uma validade bem notória, como os da defesa da qualidade de vida e bem-estar em todos os bairros da cidade, em participação cívica, em boa governança a envolver os sectores público, privado, sociedade civil e seus agentes. Tudo isto é certo e positivo, mas tal não pode deixar de se aplicar na vastidão de um espaço que se quer todo ele sustentável e saudável. Numa visão bem contextualizada quanto a espaço urbano, defende Fernando M. Brandão Alves (2003) que “... Ainda que a qualidade de vidas das pessoas dependa da integridade do ambiente, elas dão valor a muitos outros aspectos do ambiente que não se ligam à simples sobrevivência física, tais como as qualidades estéticas e culturais da área envolvente onde vivem e trabalham (...) como sejam as oportunidades de progresso social e de vida comunitária, cultural e social, as actividades recreativas, entre tantos outros...” (P.8). Nesta obra e nestas considerações, recuou-se imenso no tempo e foi buscar-se também a Carta de Atenas, de 1933, para tratar estas matérias. Desta maneira, a cidade de Alves completa, numa certa medida, a de Toledo. Sendo esta Declaração uma peça das políticas e recomendações da União Europeia e se nela se privilegia a cidade, enquanto espaço a habitar e a viver, na sua plenitude, é também verdade que a mesma UE jamais tem deixado de zelar por uma postura mais flexível, passando a dedicar atenção a todo o espaço, como se nota no Título XIV, dos Tratados Institutivos, que versa a “Coesão Económia e Social”, referindo que “Em especial, a Comunidade procurará reduzir a disparidade entre os níveis de desenvolvimento das diversas regiões e o atraso das regiões menos favorecidas, incluindo as ZONAS RURAIS (destaque nosso)” - 3 – POLÍTICAS EUROPEIAS SOBRE PLANEAMENTO GERAL E URBANO Ao estarmo-nos a debruçar sobre a Declaração de Toledo, vamos agora passar a integrar outros campos de reflexão sobre estas temáticas de “Espaço e Sustentabilidade”, para não ficarmos apenas pelas visões citadinas. Para este efeito, servir-nos-emos, para começar, de parte do texto “Gobernanza territorial para el desarrolo sostenible: estado de la cuestion y agenda”, de Joaquin Farinós Dasi, inserido na Plataforma, mas com tradução da nossa autoria, o que pode trazer alguns inconvenientes. Mesmo assim arriscamos esse caminho. Com pontos fortes e várias limitações, a Governança territorial, que vai muito para lá da estrita “governação”, é sempre um instrumento de gestão e governo de políticas do sector, com base na Estratégia de Lisboa e sustentada nestes princípios: opções multiníveis verticais e horizontais, cooperação, coerência, participação, práticas inovadoras, implicação de poderes públicos e privados e outros agentes sociais, sustentabilidade, coesão e visão estratégica. Como estas questões permanecem na ordem do dia de muitas agendas, tentámos fazer uma ligação com as últimas decisões da União Europeia, nomeadamente o “Regulamento (UE) nº 1303/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho”, de 17 de Dezembro de 2013, publicado no Jornal Oficial da UE em 20 de Dezembro de 2013, a propósito do novo Quadro Estratégico Comum (QEC) para o período de 2014 a 2020. Entre os muitos pontos ali versados, veio ao de cima o Artigo 174º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) para dele se retirarem estas considerações de ordem geral, apontando a necessidade de se seguirem estas linhas: - Reforçar a coesão económica, social e territorial; reduzir disparidades entre níveis de desenvolvimento das diversas regiões; dar especial atenção às zonas rurais e zonas afectadas pela transição industrial (aqui numa clara alusão urbana); promover um desenvolvimento harmonioso da União, um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, reduzindo disparidades regionais... Para este fins, traz como suporte estes programas: FEDER/FSE/Fundo de Coesão/Fundo Europeu Agrícola de DESENVOLVIMENTO RURAL (destaque nosso)/ Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas. Cremos que os obreiros destes documentos nunca quiseram pôr de lado as cidades, muito pelo contrário, porque esta realidade é por demais evidente: o que não deixam de acentuar é a urgência em conseguir-se um certo equilíbrio territorial e mais harmonia no desenvolvimento de todos os espaços. É que “... Quando as cidades cresceram desmesuradamente, durante a época industrial, a sua relação com o campo entrou em crise, mas o campo continuou a ser uma referência preciosa e desejada, cuja perda era lamentada pelos reformadores como Ruskin, Morris e Geddes e que os planificadores tentavam, até certo ponto, reintroduzir na cidade, através dos parques públicos...” (Benevolo, p. 232/233). Este trecho mostra que campo e cidade estão predestinados a entenderem-se e a complementarem-se, como, à sua maneira, demonstrou o Arquitecto Ribeiro Telles para a cidade de Lisboa. Regressando ao citado Regulamento, há que dizer-se que a ideia ali contida de que se está perante grandes desafios, como os da globalização, ambiente, energia, envelhecimento, mudanças demográficas, transformações tecnológicas, exigência de inovação, desigualdades sociais, necessidade de competitividade, leva a que tenham de ser seguidas abordagens integradas para um desenvolvimento urbano ou territorial, citações destes documentos, porque estes fenómenos são tranversais aos diversos espaços e situações, mais estruturais do que conjunturais, logo, de mais difícil e exigente resolução. Para acelerar formas de atenuar estas ameaças e prosseguir com políticas de boa e sã governança, alude-se ao uso concertado de diversos instrumentos financeiros, de modo a pôr em prática os seguintes campos: reforço da investigação, do desenvolvimento tecnológico, inovação, acessso às TIC, competitividade sobretudo das PME, transição para uma ecomomia de baixo teor de carbono, adaptação às alterações climáticas, prevenção e gestão de riscos, protecção do ambiente, utilização eficiente dos recursos, agarrar a sustentabilidade por todos os meios e, numa palavra nossa, salvar o que é preciso para termos espaços à altura das necessidades dos Homens numa perspectiva de Desenvolvimento Sustentável, na acepção do Relatório Brundtland e suas implicações. Aliás, quanto a medidas a tomar alusivas a planeamento e urbanização, os princípios constantes nos documentos que a ONU tem patrocinado na defesa de um desenvolvimento sustentável não podem, em termos de boas práticas, serem esquecidos, nem vistos sob um qualquer prisma superficial. Como essas operações de gestão do espaço têm implícitas as gerações que as decidem e aquelas que, em regra, vão continuar a sentir os seus efeitos, as cautelas a ter com a sustentabilidade devem fazer parte de qualquer manual que as esteja ou venha a prescrever. Nesta conformidade, a Declaração de Toledo, ao tocar nos impactos da globalização, das mudanças climáticas, da pressão sobre os recursos naturais, das migrações e do envelhecimento como realidade e tendência, teve em mente esse mesmo conceito de se trabalhar sobre bases onde a sustentabilidade seja um pilar principal, ainda que se vivam tempos de crise financeira, e conómica e social, como ali se refere. Numa comunidade de nações independentes, as áreas do planeamento e urbanização são matéria que os países, em regra, deixam para si no que diz respeito a legislação e suas práticas. Assim, “... Cada país definiu as suas leis e atribuiu aos diferentes níveis de administração competências para controlar o desenvolvimento e indicar as formas como deve ser orientado...” (Mendes, p. 15). Colocados, porém, sobre situações que se não compadecem com limites e fronteiras físicas, por haver interligações e consequências de muitas medidas que são transversais, nelas se incluindo tudo quanto possa ter relação com as questões ambientais, ou até com ameaças aos direitos e qualidade de vida dos cidadãos (que, num espaço de liberdade de circulação, podem optar por sair das zonas onde houver esses atropelos), compreende-se que outras esferas de política e influência venham a entrar em cena. Neste campo, a União Europeia tem uma palavra a dizer, assim como outras entidades que se possam sentir lesadas com as medidas tomadas ou a surgir. Por isso, o Quadro Estratégico Comum, de cuja documentação estamos a retirar alguns dos pontos aqui em análise, via Regulamento nº 1303/2013, aludindo aos princípios, em governança, da subsidiariedade, da proporcionalidade e especificidade, para além da promoção da igualdade, estabelece como objectivo, em desenvolvimento sustentável, a necessidade de preservar e melhorar a qualidade do ambiente e, em sede da “Abordagem dos principais desafios territoriais”, refere expressamente que “... É preciso reflectir o papel das CIDADES, zonas urbanas e rurais e costeiras....”. Por outro lado, em “Desenvolvimento local de base comunitária”, abordando a questão das zonas sub-regionais específicas, com estratégias integradas e multisectoriais de desenvolvimento local, fala em planeamento de acordo com as necessidades e potencialidades com características inovadoras, ligação em rede e em cooperação, o que constitui parte do cerne da boa governança, tal como é descrita em documento contido na Plataforma deste Tópico IV. Como temos em Amartya Sen uma de nossas referências, na sua teoria de decisão social, em 1998, trazemos aqui uma sua ideia básica, que se consubtancia nestas suas palavras, que têm forte ligação com tudo quanto temos estado a dizer, em que defende: “... O desenvolvimento de um país (tem de estar) ligado às oportunidades que ele oferece à população de fazer escolhas e exercer a sua cidadania. E isso inclui a garantia dos direitos sociais básicos, educação, saúde e ainda segurança, liberdade, HABITAÇÃO e cultura...” Sendo a urbanização um ponto forte deste nosso trabalho, porque a Declaração de Toledo assim o consagra ao incidir sobre políticas de cidade, os conceitos acima descritos, colhidos em Amartya Sen, têm aqui toda a razão. Por serem essenciais a um qualquer projecto que vise valorizar o ser humano e o planeamento tem de ter a pessoa no seu centro, eles são matéria obrigatória, muito embora não estejam sempre presentes. Coincidindo com os temas abordados no citado QEC, a Declaração de Toledo também enfatiza no seu capítulo A. 2 a urgência em aplicar estratégias de desenvolvimento urbano integrado, numa visão global e exaustiva da CIDADE, inseridas numa perspectiva territorial que promova harmoniosamente todas as dimensões da sustentabilidade, tanto em novos processos como em áreas já consolidadas e existentes. Para que estes objectivos sejam conseguidos, preconiza o Regulamento da UE, que temos andado a citar, que se devem reforçar complementaridades, optimizando recursos existentes, criando novos instrumentos e dinamizando potencialidades. Sugere-se ali ainda que as estratégias de desenvolvimento urbano ou territorial podem ser vistas como um pacto territorial, em gestão partilhada, uma noção que achamos de muito interesse, quer quanto ao pacto, quer quanto à alusão à partilha de opiniões em termos de gestão do espaço em causa. Por sua vez, a Declaração de Toledo cita o campo de uma ampla participação e implicação das cidades, com todas as entidades nacionais e locais, organizações, ONG, sectores profissionais a entrarem em acção, o que pode assemelhar-se à tal gestão partilhada. Tudo isto, diz-se em Toledo, faz muito mais sentido porque as cidades são os locais onde se encontram a maioria dos riscos presentes e futuros, o que leva a que tudo quanto nelas se faça deva obedecer à participação de todos os intervenientes possíveis. Por se constatar que muitos planos não resultam, ou, no mínimo, se perde muito da sua eficácia e eficiência, alega Júlia Maria Lourenço (2003) que isso se deve a este factor: “A razão número um dos desaires é a falta de coesão entre os planos e a gestão, de forma a atingir-se um verdadeiro processo de planeamento...”. Assim, tudo quanto se faça para tornar os planos, se forem bons, bem-sucedidos, para bem das populações, deve ser seguido. E grande parte da documentação que temos aqui trazido tem essas características. Nesse mesmo livro, Lourenço aproveitou para deixar uma série de sugestões acerca da forma como realizar bom planeamento e aqui regsitamos esses aspectos: definir objectivos, estratégia, saber que condicionantes físicas e legais existem, passar aos planos e estudos, para avançar com programas de acção, associando ainda a monitorização e a avaliação. Num tempo que não cessa de nos trazer modificações, agora “... Ao nível das temáticas, as preocupações com o ambiente, os serviços e o lazer substituíram, de certa forma, o anterior vector dominante da indústria...” (Idem, p. 145). Ou seja: toca num ponto que tem toda a perinência e actualidade, que é o de se ter de considerar que a cidade de hoje é muito diferente das suas antecessoras, implicando outro planeamento e outra urbanização, de tal modo que mesmo os velhos bairros, projectados naquele anterior contexto, devem merecer uma atenção especial em regeneração, como se mostra também em Toledo, nas linhas que aludem a uma regeneração verde, ecológica e ambiental. Cimentando estas teses, para José Alberto Rio Fernandes, há que pensar em mais planeamento colaborativo, com envolvimento dos diversos agentes e articulação das escalas, na medida em que, em muitos casos, estamos perante um problema: a existência de cidades diferenciadoras, espacialmente injustas e socialmente fragmentadas, numa metropolização explosiva, o que nos coloca o desafio de se ter de reforçar a coesão sócio-espacial – acentua. A governança que defende é esta: a da coerência, eficácia, abertura, participação, responsabilização e cidadania, criando oportunidades e aumento da liberdade, o que nos faz pensar em Amartya Sen. - 4 – CAPITAIS COM PESO EM PORTUGAL E ESPANHA No seguimento do tema que motiva este trabalho, em SAT I – Tópico 4, partimos agora para a análise de dois casos em particular, cuja relevância não precisa de ser explicada, por ser tão evidente: Lisboa e Madrid, por serem pólos de uma grande concentração populacional, merecem aqui uma atenção especial. Com um passado secular em atracção de gentes de todas as paragens, estas áreas ibéricas sempre exerceram particular fascínio. Quanto a Lisboa, depois de se terem, de certa forma eclipsado as cidades de Guimarães e Coimbra, pólos centrais de destacada grandeza, com Braga e Porto, nos primeiros tempos da nossa nacionalidade, começa cedo essa sua magia. Por alturas das descobertas e do apogeu das especiarias, fervilhava de gente e, com o cheiro da canela, o território se despovoava. Esta faceta, com maior ou menos destaque, veio a suceder-se ao longo dos tempos. Madrid, com a subida de Castela, talvez tenha seguido, à sua maneira, um trajecto similar, sendo, porém, diferentes e singulares os respectivos percursos. Mas os resultados assemelham-se bastante em metropolização excessiva, suas vantagens e problemas agudos, a saírem até dos centros dessas urbes para as suas periferias, onde a crise se sente de uma forma ainda mais brutal, a avaliar pelos arredores de Lisboa. Entretanto, é bem sabido que este processo tem linhas de continuidade e picos diversos, mas uma certa tendência algo constante. Aliás, esta dualidade de um campo sem gente e espaços urbanos sem saber o que fazer com ela entronca numa característica com história, que Joaquim Aguiar assim realça, em termos de clivagens tradicionais: Estado/Igreja; Centro/Periferia; URBANO/RURAL; Capital/Trabalho e Este/Oeste. Contextualizando no tempo em que esta sua opinião foi veiculada, ali tínhamos a oposição Leste/Oeste, que, anos depois, se veio a esfumar. Isto coloca-nos perante um difícil diálogo: a força urbanizadora de nichos territorais não se coaduna sempre com a necessária e desejável sustentabilidade, vista sob o prisma de Brundtland, já por nós citado. Nem o presente é recomendável, nem o futuro ali se constrói de uma forma segura, duradoura e enriquecedora para as gerações de amanhã. De acordo com uma fonte colhida em Radisson Miami Beach, há que reorganizar o espaço urbano, pela via do controlo do seu crescimento populacional, pela melhoria da eficácia dos transportes, por desenhos de espaços que contenham melhor qualidade de vida, criando uma nova interrelação entre o homem, a natureza e o espaço ocupado. Em matéria de governança, que permita melhores dias para estas cidades e para o território, em geral, “... É do senso comum ser obrigação dos políticos, muito em especial daqueles que executam, encontrarem as melhores soluções para contribuírem de uma maneira eficaz e concreta para a qualidade de vida dos seus concidadãos...” (GOP, Torres Novas). Colocámos aqui esta posição com uma óbvia intenção: saem de uma cidade média, curiosamente não muito longe de Lisboa. E vai-se mais além nesse mesmo documento: “... Preparar o futuro dos nossos filhos, na perspectiva de os fixar à terra, também passa, e muito, pelo planeamento urbanístico, na óptica, não de rentabilidade económica, mas da verddadeira promoção ambiental paisagística...”. Conclui-se aí que a cidade não deixa de ser âncora de desenvolvimento do concelho e da sub-região, o que se entende perfeitamente porque o território polinuclear, que também nós advogamos, pode ser a via que venha fazer encontrar pistas para espaços mais sustentáveis e apetecíveis, por serem saudáveis, criativos, inovadores, mas não castradores de todo um país que vai perdendo harmonia em cada dia que passa. Num título sugestivo, “Capital social e policentrismo: para uma análise reflexiva das políticas públicas”, Renato Miguel do Carmo associa-se a Amartya Sen na defesa daquela tipologia de planeamento do território, como meio para fazer diminuir as desigualdades sociais, havendo que “... dotar as populações de capacidades para se tornarem autónomas no que diz respeito à liberdade para viver o tipo de vida que têm razões para valorizar...” Este autor elenca, nesta sua comunicação, alguns princípios que entroncam na questão da boa governança, tais como a cooperação, a actuação do Estado e outros agentes, a eficiência, para nos desfazermos, reestruturando-o, de “um território trancado”, assim se expressou. Inicidindo agora, mais em concreto, sobre a cidade de Lisboa, é notório que, em cada momento da sua história, como acentua João Seixas, se passou por várias e distintas possiblidades. Aclarando a sua ideia, para a situar na actualidade, face ao “... reposicionamento do papel das cidades no centro da política e da economia global, uma das vertentes mais discutidas neste âmbito está sendo, precisamente, a governança das cidades...”. Vivendo-se sérias ambiguidades e necessitando-se, diz Seixas, de uma gestão com maior diversidade, aquela nova forma de olhar os espaços urbanos é uma imposição que temos de saber abraçar. Precisando-se de múltiplos actores e de pôr a participação cívica como motor de todos os processos de planeamento e urbanização, essa governança não pode, nem deve limitar-se a reagir, mas deve ser capaz de antecipar cenários e pró-agir, como tão bem enfatiza. Tal como diz Maria Clara Mendes (1990), os processos de construir e transfomar uma cidade são os meios, o modo, a gestão e o controle. No que se refere às cidades europeias, em geral, e Lisboa muito especialmente, na fase da explosão da sua expansão, a partir de meados do século passado “... A questão do alojamento agravou-se devido ao surto migratório do campo para a cidade, os municípios encontravam-se debilitados do ponto de vista económico e técnico e aproximavam-se as eleições presidenciais de 1958. Tornava-se, pois, urgente alojar a população a preços módicos e realizar obras que expressassem a dinâmica governativa...” (Idem, p. 168). Estava-se então na fase dos bairros sociais e, mesmo assim, houve enormes fugas a esta tentativa de acomodar os migrantes que ali afluíam em força: as barracas crescem como cogumelos, em muitos locais da cidade e concelhos adjacentes. Não se pode falar da construção da nossa capital sem aludir a estas feridas sangrentas de um urbanismo sem urbanismo. À falta de melhor, tudo servia para ser uma espécie de habitação. Mas a chaga que foi crescendo, alastrando em manchas que demoraram anos a “limpar”, deixou rasto, segregando grandes camadas populacionais, que da cidade só absorviam as suas mágoas. A parte restante da sua dinâmica passava-lhes ao lado: culturalmente, não acediam, em regra, às propostas que se iam sucedendo. Nessas primeiras gerações de “exilados” na cidade, as gentes que nela pareciam viver, até em questões de trabalho, eram marginalizadas. Fruto de vivências desenraizadas, nascem então as casas regionais, que eram refúgio e local de reencontro com a terra perdida, mas sempre recordada. Continua Maria Clara Mendes: “... O crescimento urbano, resultante da industrialização, deu origem a um aumento da procura de habitação, exigiu novas áreas de expansão e provocou mutações na estrutura social urbana...” (P. 163) Gerou-se com isto uma certa forma de marginalização, em bairros marcados por estigmas diversos, que, tendo como suporte a Declaração de Toledo e Carta de Leipzig, mereceram, ao longo dos tempos, atenções e acções especiais, actuando nessas zonas menos favorecidas no contexto global da cidade (que deveria ser percepcionada como um todo), de modo a reduzir a polarização social. Tomando-se como uma das referências essenciais para uma Regeneração Urbana Integrada – Ver Toledo – e para aplicar as recomendações de Marselha, que constituem um forte pilar das Cidades Sustentáveis, impôe-se que se sigam alguns passos fundamentais, tais como um processo colectivo e aberto, vinculante e subsidiário, o que em Lisboa teve algum eco, a ponto de, em 2006, se criar o Observatório da Coesão Social com ponte para a resolução das questões mais graves e mais pertinentes. Daí que se notem razoáveis sinais de regeneração, que nascem deste Observatório e muito de outros programas, que se dedicam a valorizar o capital social e cultural, tentando encontrar padrões de identidade, no dizer de Seixas, que sirvam de motivação para operações regeneradoras mais consequentes e mais participadas. Sem sermos exaustivos, podemos citar um pouco o que se passa em bairros como a Mouraria, Alfama e o Bairro Alto, que, nas últimas décadas, têm conseguido melhorias significativas no seu tecido social e até económico, precisamente por serem capazes de pôr de pé essa mesma identidade, não deixando de a caldear com inovação e criatividade, apostando em novos serviços e outras chamadas de atenção de cariz bem mais apelativo. Por outro lado, há espaços novos, como já escrevemos em texto colocado na Plataforma, que suscitam a nossa admiração em termos de uma nova forma de urbanização que seja mais solidária com os seus habitantes e com quem visita essas áreas, como sejam o Parque das Nações, uma notável obra de reabilitação da zona oriental da cidade, que era toda ela um escombro de ruínas e uma decrépita imagem de uma zona em arrepiante degradação. Há ainda outros campos citadinos que devem ser aqui lembrados, mas que, por razões de contenção de folhas a utilizar, não nos é possível referi-los a todos. Porém, no que se refere ao combate às desigualdades sociais e às habitações não dignas desse nome, as barracas, tem sido visível o esforço feito para as substituir por espaços de ocupação mais consentânea com a qualidade de vida. Se nem sempre tem sido conseguido respostas totalmente eficazes e aceitáveis, é justo realçar o que tem sido tentado. Importa aqui encaixar uma consideração paralela: enquanto Lisboa apresenta alguns sinais de beneficiação de seu tecido habitacional e social, exceptuando-se os Centros Históricos em acentudada degradação, há concelhos limítrofes que sofrem efeitos colaterais de sinal absolutamente contrários, a norte e a sul do Tejo. Já que se falou nos cascos antigos, acrescenta Seixas que a redução da massa demográfica é aí uma perigosa realidade, como nós próprios também já frisámos em texto anterior inserido na Plataforma. Perdendo-se, entre 1981 e 2001, cerca de 30% da sua população, esse despovoamento arrrasta consigo outras consequências: desaparecem as pessoas, arruinam-se as suas casas e a regeneração torna-se mais complicada e mais premente. Em operações de grande vulto, é preciso que a governança se imponha a sério, mobilizando poderes públicos, municipais e outros agentes privados, mas para que isso surta o efeito desejado é necessário que haja confiança no futuro e nas diversas instituições e que a economia permita respirar outros ares. Um sinal de que começam a esboçar-se novas esperanças está no facto de se terem iniciado, com algum êxito, os Orçamentos Participativos, que são um caminho para fazer mexer as pessoas e suas comunidades no sentido de mostrarem as suas vontades e opiniões, de uma forma integrada e dinamizada por quem, por fim, tem poder de decisão: a autarquia, porque, caso contrário, eram iniativas condendas ao fracasso e à frustração. Aliás, a Carta de Leipzig é clara a este propósito: nela se fala em lançar as bases de um desafio para um debate político que conduza a Cidades Europeias Sustentáveis em políticas de desenvolvimento, reforçando as economias locais e as carências existentes, sobretudo, em zonas urbanas carenciadas. Combinando o Programa de Acção de Lille, o Acervo Urbano de Roterdão e o Acordo de Bristol, vinca-se na Carta de Leipzig que devem ser postas em prática todas a vertentes de um Desenvolvimento Sustentável, que contenha prosperidade económica, equilíbrio social, ambiente saudável, cultura, saúde e capacidade institucional, porque estes espaços, sendo património geral, têm tudo a ganhar com essas visão integrada, tornando-o inestimável e insubstituível. Com esta marca de Leipzig, recomenda-se: maior recurso a abordagens de políticas de desenvolvimento urbano integrado, maior envolvimento das pessoas, amplos consensos, análises SWOT detalhadas e úteis, planos justos e eficientes, financiamentos à altura dos projectos, reforço das coordenações, parcerias equitativas entre zonas urbanas e rurais, o que muito nos satisfaz, e entre cidades pequenas, médias e grandes. Quanto a Lisboa, a cultura urbana que ostenta pode ser um poderoso aliado e trunfo para a sua recuperação e para reencontrar um lugar cimeiro no contexto das cidades com qualidade de vida, apresentando, já hoje, vários prémios e distinções a esse nível. Se, para Dickinson, as cidades contêm unidades de vida e organização social, defende, no entanto, mais a dimensão regional que propriamente as cidades em si mesmas, esclarecendo, porém, que as vê como locais especiais e com funções centrais e um certo carácter peculiar, sendo que, em 1964, propõe para elas modelos ecologistas e relações construtiva entre as cidades e o mundo rural. Também o Arquitecto Ribeiro Telles, o ideólogo da junção entre a urbanidade e a ruralidade, tem sugestões neste sentido e a sua ideia das hortas e quintais em plenas zonas urbanizadas é disso um exemplo. Mas, ao falar-se de uma cidade como Lisboa e Madrid, logo salta para cima das mesas da discussão urbanística o problema das acessibilidades e dos tranportes, que têm de estar no centro das preocupações de todos os seus agentes, para que o desenvolvimento urbano seja mais inteligente, mais sustentável, mais integrado e mais inclusivo, como se defende na Declaração de Toledo, apoiando uma maior coerência entre os sistemas territoriais urbanos e ampliando a relação entre as cidades e as comunidades vizinhas em parcerias rurais-urbanas, considerando, realça-se, a ampla diversidade territorial, para uma boa Agenda Territorial Europeia. Na sua “Gestão Estratégica de Cidades e Regiões”, António Fonseca Ferreira vem dizer-nos o seguinte: “... As cidades, as regiões e o território são, hoje, realidades económicas, sociais e identitárias que, a par da globalização e da revolução tecnológica, marcam as bases civilizacionais do século XXI...”. Numa nota oportuna associa espaço e tempo, que passou de bem abundante a escasso, pelo que carece de ser bem aproveitado e a qualidade de vida urbana muito ajuda a que isso possa vir a acontecer. Nesta sociedade da informação e do conhecimento, estas variáveis devem fazer parte do léxico obrigatório das novas urbanizações e da recuperação e regeneração das antigas. Assim é neceessário “... avaliar o progresso social em termos de qualidade de vida e não só de nível de vida...” (Idem, p. 29), raciocínio que se aplica totalmente à problemática que estamos a analisar, para se conseguir um verdadeiro progresso económico, maior justiça social e equilíbrio ecológico, acrescenta. Valorizar a diversidade, como pulsão criativa, para Ferreira, é uma peça fundamental, assim como o saber bem aproveitar as oportunidades mobilizadoras, a promoção de uma estratégia territorial afirmativa, mais comunicacional e a ter em conta o Plano Nacional de Desnvolvimento Económico e Social (PNDS), no seguimento das Agendas Locais 21 e as boas prática legislativas que já existem. Partindo agora do tema “Sustentabilidade e Regeneração Urbana Integrada na Europa” (Plataforma), apela-se à pluralidade de combinações possíveis, ao esforço conjugado de agentes privados e públicos, em intervenções físicas, sociais e económica interligadas e não desgarradas, em princípios de equilíbrio, complexidade e eficiência sustentável e isso viu-se, em boa parte, naquilo que dissemos acerca de Lisboa. Como dissemos no início deste Capítulo, queremos também falar um pouco da Comunidade Urbana de Madrid, apoiando-nos no texto de Santiago Fernández Muñoz, “Participação Pública, governo do Território e paisagem na Comunidade de Madrid – Universidade Carlos III”. Em primeiro lugar, há que dizer-se que esta referência à paisagem tem, de imediato, um forte pendor positivo, por esta ser uma componente determinante em qualquer espaço. Definindo o conceito de participação pública como uma forma de cada sociedade se implicar e ligar aos assuntos e temas que lhe dizem respeito, defende-a acerrimamente nas nossas democracias, onde tem de haver cidadania, reforço da coesão social comunidade vicinal e reforço da integração social. Quanto a Madrid incide sobre uma característica fundamental da sua planificação urbanística que é a da sua integração na Agenda Local 21, assim se fazendo crer que a acção da União Europeia, nessa área específica, não foi deixada ao abandono, mas não deixa de dizer que se atendeu a muitos outros planos anteriores. Há, porém, ali, como em muitos outros locais, um grave problema a resolver: má comunicação interdisciplinar. Mas alude a falhas específicas da Comunidade madrilena e uma delas é a falta de uma base de dados pública, assim como é muito crítico relativamente à burocracia reinante, a ponto de citar uma acção de protesto levada a cabo pela respectiva Associação de Promotores Imobiliários. Vivendo-se ali uma autêntica explosão urbanizadora e demográfica, havendo mais 550000 novas habitações desde 2001 a 2006, pôe em destaque algumas alterações positivas nos últimos tempos, em contraponto às queixas acima citadas: uma dessas é o aparecimento de um documento público para discussão do que se pretende fazer naquele território de mais de 6 milhões de habitantes, integrando uma ampla participação dos interessados, tendo-se em atenção factores naturais e humanos e suas ligações recíprocas. Conferindo à paisagem a expressão da vontade e acção humana, enfatiza os efeitos da do Convénio Europeu da Paisagem, nas suas dimensões identitária, dinâmica, fonte de novas aspirações, novos propósitos e estratégias, em cascata. Defendendo que se tem de partir de bons diagnósticos para se atingirem bons resultados, a avaliação da qualidade deve estar em primeiro lugar, sobretudo para proporcionar bem-estar nestes espaços de tão grande intensidade populacional, de fluxos de tráfego e de toda a espécie de intercâmbios. Tendo em conta, como acentua Joaquin Farinós Dasi, que os espaços se constroem, se territorializam de acordo com a visão, desejo e interesse de seus agentes, há que actuar-se em conjunto, permitindo, no entanto, que cada espaço tenha a sua estratégia, a sua capacidade, o seu potencial e as suas acções. Chamando a atenção para a Estratégia de Lisboa e para o Conselho Europeu de 2004, a governança que preconiza passa por um desenvolvimento territorial a diferentes níveis, mormente o partenariado público-privado. Para acabarmos este capítulo, vamos fazê-lo com a convicção de que “... Enquanto comunidade de democracias, só podemos avançar com o apoio dos nossos cidadãos... (e) ... as decisões deverão ser tomadas tão próximo quanto possível dos cidadãos. Pode (mesmo) conseguir-se uma maior unidade sem execessiva centralização...” (Tizzano, Vilaça e Henriques, p. 413). Aplica-se isto a Lisboa e a Madrid. Mas também a todos os outros locais. - 5 – CONCLUSÕES: ESPAÇOS URBANOS E RURAIS, CAMINHOS A TRILHAR Nos parágrafos anteriores, muito se falou em cidades. Não admira que assim tenha acontecido, porque era disso, em primeiro lugar, que se apelava para a análise à Declaração de Toledo. Pessoalmente, pensando que um trabalho deste género também pode reflectir algo de opções um tanto nossas, privilegiamos políticas de ordenamento e planeamento de território que sejam mais abrangentes e que metam nas metas a seguir os espaços rurais e urbanos em pé de igualdade, ressalvando, como é lógico, as suas diferenças e especificidades. Temos a noção de que estamos a remar bastante contra a maré e até sentimos que fazemos parte de um grupo de cidadãos que, vivendo a utopia de desejarem que o interior de cada país tenha sempre uma actual palavra a dizer, teima em querer contrariar as linhas de tendência que se desenham no horizonte temporal: aquelas que aludem ao claro predomínio das grandes cidades e metrópoles, em oposição ao despovoamento acelerado e implacável dos demais espaços. Mesmo sabendo que a nossa posição é capaz de estar no campo errado, fomos à Plataforma buscar alento. E encontramo-lo em “Espaços rurais e urbanos face ao desenvolvimento sustentável”. Logo descobrimos um aspecto que muito nos preocupou e que faz parte da nossa própria agenda: a pobreza rural, que existe, é esquecida por quem pensa demais nas questões urbanas e esquece o resto. E continua a nossa fonte: “Se é verdade que, em todos os países avançados, há bolsas rurais de pobreza e tendências migratórias que podem pôr em perigo a conservação do território, são, por isso, necessárias políticas sociais na campo e estratégias (também) dirigidas para um desenvolvimento rural sustentável”, até porque nestas paragens há muito do que é fundamental para a sustentabilidade global, em recursos naturais, em suporte de vida humana, em produção agrícola, em estabilidade populacional e manutenção de ecossistemas. Partilhando da exigência do princípio da complementaridade entre os meios rural e urbano, é assim que se deve olhar para o planeamento. Para Fernando Pessoa, arquitecto, para não haver confusões, “... Toda a política de investimentos públicos e de equipamento social terá de ser revista de acordo com uma nova visão regionalista, assente num reordenamento do espaço à volta de autênticas unidades geo-sócio-económicas...”. Assim, afirma, há que olhar para a cultura popular quando se projecta e planeia o espaço, porque ele “... tem raízes na terra que a sustenta e por isso ela reflecte as relações do homem com o meio e com a natureza. A ruralidade e o mar forjaram a cultura portuguesa, diversificando-a de região para região de acordo com as comunidades que ocupavam determinado «nicho» de território...” (Idem, p. 96) Como é o homem que tem a capacidade de agir e é ele que “ modifica os aspectos do globo...”, como refere Amorim Girão, é no Homem que temos de encontrar as respostas para o nosso futuro individual e colectivo. Como geógrafo, a ele se deve muito do estudo da zona em que habitamos e já nessa época distinguia bem os aglomerados rurais e urbanos. Saindo duma zona do campo, afirmou que era a cidade que muito lhe interessava, porque era nela que sentia mais forte a acção humana, vendo-a no cerne da geografia que alimentou ao longo de sua vida na Universidade de Coimbra. E com esta referência regional, damos por concluído este nosso trabalho, que tem o condão de abrir pistas mais do que fechar portas... Carlos Tavares Rodrigues 18 de Janeiro de 2014 - 6 - BIBLIOGRAFIA Aguiar, Joaquim - Seminário Internacional – Europa Social, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1997, p 415 Alves, Fernando M. Brandão – Avaliação da qualidade do espaço público urbano. Proposta metodológica – FCG/FCT, Lisboa, 2003 Benevolo, Leonardo – A cidade na história da Europa, Editorial Presença, Lisboa, 1995, p. 232/233 Carmo, Renato Miguel do – Capital social e policentrismo: para uma análise reflexiva das políticas públicas, CIES/ISCTE, Colóquio Ibérico de Estudos Rurais, Coimbra, Outubro, 2008, p. 4 Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC) Dasi, Joaquin Farinós – “Gobernanza territorial para el desarrolo sostenible: estado de la cuestion y agenda” Delgado, Ana Alvoeiro; Ribeiro, Ana Margarida Cunha - Legislação de Direito de Ordenamento do Território e do Urbanismo, 2ª edição, Coimbra Editora, 2004 Direcção de Serviços de Ordenamento do Território (DSOT) Fernandes, José Alberto Rio – Urbanismo, sustentabilidade e urnbanismo para cidades sustentáveis, Departamento de Geografia, FLUP, Porto Ferreira, António Fonseca – Gestão Estratégica de Cidades e Regiões, 2ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2007, p. 28 Girão, Aristides de Amorim – Lições de Geografia Humana, Coimbra Editoram Lda, 1936, em edição fac-similada da Câmara Municipal de Vouzela, 2000 Grandes Opções do Plano – 2002/2005 – Torres Novas Jesus, Mário – As cidades como pólos de desenvolvimento local e regional, INE, Lisboa, 2002 Lourenço, Júlia Maria – Expansão urbana – gestão de planos-processo, Fundação Calouste Gulbenkian/Fundação Ciência e Tecnologia, Lisboa, 2003, p. 7 Mendes, Maria Clara – O planeamento urbano na Comunidade Europeia, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1990, p. 15 Muñoz, Santiago Fernández - “Participação Pública, governo do Território e paisagem na Comunidade de Madrid – Universidade Carlos III” Pessoa, Fernando – Ecologia e território – Regionalização, desenvolvimento, ordenamento do território numa perspectiva ecológica, Edições Afrontamento, 1985, Porto, p. 116 Raimundo, Gabriel - “Jornadas da Beira Interior II, Jornal do Fundão Regulamento (UE) nº 1303/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho”, de 17 de Dezembro de 2013, publicado no Jornal Oficial da UE em 20 de Dezembro de 2013 Ritta, Gonçalo Santa – Portugal, agricultura e problemas humanos, Terra Livre, Lisboa, 1979, p. 159 Seixas, João - Dinâmicas de governança urbana e estruturas de capital sócio-cultural em Lisboa, Centro de Estudos Territoriais, CET/ISCTE, Lisboa, Plataforma Sustentabilidade e Regeneração Integrada na Europa Tizzano, António; Vilaça, José Luís; Henriques, Miguel Gorjão – Código da União Europeia, Livraria Almedina, Coimbra, 1997, p. 413 Carlos Tavares Rodrigues, Uab, 2014

As IPSS no combate às desigualdades

Trabalho final de SAT I - 2013/2014 AS IPSS NO COMBATE ÀS DESIGUALDADES SOCIAIS EM TEMPOS DE CRISE - 1 - INTRODUÇÃO Num módulo em que se andou a olhar para a nossa sociedade, achamos que falar do papel das Instituições Privadas de Solidariedade Social (IPSS), no combate à crise e seus reflexos negativos, se adequa perfeitamente aos tempos que vivemos dentro de nossas portas nacionais. Sabendo que deixámos de ser uma ilha no contexto internacional, agora por maiores razões, em função da globalização em que estamos inseridos, optámos, mesmo assim, por localizar aqui a nossa reflexão final neste SAT I, 2013/2014. Entre os campos que fomos desbravando, o das desigualdades e dificuldades sociais prendeu-nos a atenção, mais que os outros, porque, sendo todos eles importantes, não podemos deixar de fazer opções. Por vocação, por desejo de trabalhar a tese final no domínio das assimetrias territoriais, esta é a nossa escolha. Num dos últimos Relatórios sobre Crises Sociais, elaborados pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Coimbra, somos confrontados com uma chamada de atenção, que não nos pode deixar ficar indiferentes. É esta: “... Sobretudo numa época e numa região do mundo em que tão invocada tem sido a dignidade da pessoa humana, em que todas as forças sociais, religiosas e políticas, nela dizem encontrar uma inequívoca marca civilizacional, parece ajustada a interpelação de algumas dessas medidas para nos interrogarmos sobre as suas causas e sobre as suas consequências...” - (P.125). Por se tratar de uma matéria, que neste Relatório é entendida como um caminho para a desvalorização pessoal, que se liga umbilicalmente com a vida das nossas comunidades, que se vêem profundamente debilitadas na sua dignidade e nos seus direitos, ser a ser, quando viermos a abordar a acção das IPSS no contexto da luta contra esse tipo de situações, este alerta faz todo o sentido. A abordagem que vamos seguir tem subjacente a ideia de que o Estado, mesmo com as crescentes agudizações sociais, se tem arredado das funções que, sobretudo depois da República de Weimar, lhe têm sido acometidas e que é a sociedade civil que avança para o preenchimento desse vazio institucional. Ou seja: as IPSS são uma resposta à essa inacção e são, sobretudo, um olhar novo para estas questões, na perspectiva de uma governança mais próxima dos cidadãos, mais solidária e mais partilhada visando cooperar com quem mais precisa, não como caridade apenas, mas como factor de conquista de direitos que, por um outro motivo, várias camadas populacionais vão perdendo. Com as desigualdades em fase ascendente, apesar de todos os avanços tecnológicos, desde 1820 jamais parou de se agudizar o fosso entre países ricos e pobres, como se pode deduzir destes números colhidos em “A luta contra a pobreza e a exclusão social, STEP, 2003”, onde se assinala o seguinte: em 1820, três países pobres para um rico; 1913 – 11/1; 1950 – 35/1; 1973 – 44/1 e 1992 – 72/1. Ora, esta disparidade é bem sintomática do que está a acontecer num mundo cada vez mais globalizado. Surgem, então, as IPSS, no meio desta turbulância social, como pólos de respostas necessárias e urgentes, porque “... Tem vindo a expandir-se a visão de que a economia social (de que falaremos, seguidamente) pode ser uma alternativa eficaz para equilibrar, de forma mais equitativa, o crescimento económico com os objectivos de desenvolvimento sustentado pela inclusão social, pelo que se impôe conhecer bem toda a actividade, não esquecendo que, por dia, são atendidas milhares de pessoas em todo o país...” (Soares et al, 283) Pretendendo trabalhar sobre as acções desenvolvidas pelas IPSS, a nossa metodolologia passa por abordar esta temática de uma forma global, sem estudos de casos (o que seria interessante e até importante para uma melhor compreensão de tudo isto, sendo nós, curiosamente, mesmos protagonistas, como voluntário, no cargo de Presidente da Direcção de uma dessas Instituições que abraça a mais alta das desigualdades, a deficiência), fazendo sobressair a sua ligação com a pobreza, a exclusão social, as heranças recebidas de tempos anteriores a que se juntam os efeitos da crise que estamos a viver, sobretudo depois de 2008 e dos reflexos vindos dos EUA para praticamente todas as partes do globo. Numa primeira fase, vamos tentar enquadrar as IPSS no sector da economia social, incluindo alguns dados referentes às normas que lhe estão subjacentes. Prosseguiremos com a análise dos campos em que actuam e a sua relação com o Módulo e Tópicos que andamos a abordar e vice-versa, para finalizarmos com uma tentativa de aspectos que mostrem a sua pertinência, eficiência e eficaz do seu papel no combate aos efeitos da crise. - 2 – As IPSS e seu crescimento Sem irmos aprofundar o historial dos contributos da sociedade civil em termos de prestação de serviço de apoio assistencial, é sobejamente conhecida a acção dada pela Igreja a estas causas, desde a Idade Média, com a criação de confrarias, albergarias, hospitais e outras formas de ajuda social, sob o prisma caritativo mas é com a fundação da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, pela Rainha D. Leonor, em 1498, que se dá um dos passos mais decisivos em mobilização da sociedade para estas tarefas, a que se veio a juntar, alguns séculos depois, a Casa Pia, no século XVIII (1780), em ideia de Pina Manique a que a Rainha D. Maria deu toda a cobertura. Eram uma espécie de mecanismos sociais que se prupunham fazer aquilo que o Estado, pela sua própria razão de ser dessas épocas, não tinha inscrito na sua carga genética. Entretanto, por via da Revolução Francesa e suas repercussões, esta visão viria a sofrer alterações, pondo o Estado mais à frente destas problemáticas, refreando a Igreja, ou mesmo ostracizando-a em absoluto. Mas não era ainda a entrada em cena dos Estados-Providência. No que diz respeito ao nosso país, o Estado Novo, depois da República, conferiu importância controlada a uma série de instituições, sem se desligar do profundo controle que sobre elas exercia. Por volta dos anos sessenta do seculo XX, há avanços ao nível da Providência, mas seria já após o 25 de Abril que o Sistema Integrado da Segurança Social viria a florescer, sobretudo com a Lei-Quadro nº 28/84, de 14 de Agosto, ocupando o Estado um importante patamar destas acções de cariz social. Quanto ao surgimento das IPSS, elas aparecem no quadro do forte enraizamento da economia social, o chamado terceiro sector, que acentua a sua presença à medida que os anos passam e a sua necessidade mais se faz sentir. Num Módulo em que nos seus cinco Tópicos nunca deixou de se evocar a figura da sustentabilidade, associando-a todas a matérias analisadas, jamais é possível falar de uma segura sustentabilidade se descurarmos a sua ligação às pessoas, famílias e à sociedade no seu todo. Podemos referir-nos ao desenvolvimento, aos problemas ambientais, às desigualdades sociais, ao espaço e à ética, sempre com ela relacionados, mas se não lhe conferirmos o valor da acção concreta em favor das pessoas o seu edifício fica incompleto, para não dizer destituído do alicerce principal. Sendo, por exemplo, o ambiente, as alterações climáticas, o desenvolvimento sustentado pilares essenciais de tudo aquilo que temos andado a tratar, nada é tão importante como a qualidade de vida e o bem-estar dos seres humanos. Manda a ética que agarremos nas pessoas e as tentemos livrar das desigualdades sociais que se aprofundam, perigosamente, muito mais nestes tempos de aguda crise económica, financeira, política e, agora, também fortemente social. É aqui que entram em cena as IPSS. Assim, para responder a velhas e novas necessidades e “.... Aos desafios inerentes à actual situação de crise socioeconómicae financeira, quer no espaço Europeu, quer em Portugal, aparece como papel relevante o aprofundamento do contributo das instituições da economia social, nomeadamente as IPSS...” (Soares et al.). Para nos apoiar no conceito de economia social, entre muitas versões, socorremo-nos daquela que estes mesmos autores assinalaram e que consiste, basicamente, no seguinte: formas associativas com carácter empresarial muito específico, com princípios e valores comuns, sob a forma de cooperativas, ASSOCIAÇÕES, fundações e, mais recentemente, de firmas com essa mesma vocação, que se regem por estes princípios, os do primado da pessoa, da adesão voluntária e aberta, do controlo democrático, da solidariedade e da responsabilidade, da autonomia e, factor determinante, a fazerem dos excedentes (lucro) factores de criação de desenvolvimento sustentável. Dentro desta componente da economia social, inserem-se, então, as Instituições Particulares de Segurança Social – IPSS, que “.... São constituídas por iniciativa de particulares, sem finalidade lucrativa, com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de justiça entre os indivíduos, que não sejam administradas pelo Estado ou por um corpo autárquico, para prosseguir, entre outros, com objectivos de apoio social à família, crianças e jovens, idosos e integração social e comunitária, mediante a concessão de bens e a prestação de serviços...” (Guia prático). Subdividindo-as pela sua natureza associativa ou fundacional, destacam-se-lhe as vertentes da solidariedade, do voluntariado, da autonomia face aos poderes públicos, tirando-as da alçada das entidades governamentais e autárquicas, para enfatizar a acção da sociedade civil, em esquema de uma nova governança. Segundo Ezequiel Ander-EGG (1974), citado por Vanessa Sobreiro, em termos de políticas públicas, que cabem ao Estado, este “... Se propõe melhorar a qualidade de vida mediante a prestação de uma série de serviços que procuram atender às necessidades básicas de todos os cidadãos, assegurando níveis mínimos de renda, alimentação, saúde, educação e habitação. Da mesma forma, tende a diminuir as desigualdades sociais e atender aos grupos que, por motivos de idade ou empecilhos físicos e psíquicos, não podem gerar recursos por meio do próprio trabalho...”. O pior é quando ele falha, chegando quase a ruir. Nesse momento, é a hora das IPSS, para suprirem uma lacuna que põe em perigo todo o tecido social e seu necessario equilíbrio. Mais grave que a desigualdade social em si é a quebra que essa situação representa no campo da perda de direitos, pois a “... A problemática dos direitos humanos tornou-se também uma componente destacada dos debates e das acções que tomam como objecto as desigualdades globais e a justiça social”, como nos diz António Firmino da Costa (2012). No seu artigo “Desigualdades globais – Sociologia, problemas e práticas”, acentua o seu carácter transversal, a sua interdependência e a necessidade de se lhe fazer frente, o que as IPSS têm como sua missão e visão. Nesta perspectiva, a CNISS (Confederação Nacional de Instuições de Solidariedade), na sua Declaração de Princípios, alude à urgência em assegurar a igualdade de oportunidades, isto na esteira das posições defendidas por Amrtya Sen, no direito ao desenvolvimento, ao mesmo tempo que pede respeito por esses mesmos direitos, que, com as crises, são sempre mais afectados e, tendencialmente, esquecidos, infelizmente. Advoga, nessa linha, esta CNISS que se actue no âmbito do moderno conceito de economia social europeia, que se baseia na tentativa de se encontrarem experiências inovadoras como estas das associações e instituições de igual índole. Constata ainda que “... No século XXI e última década do século XX, com a globalização, que levou à desregularização dos mercados (...), assistimos à redução das funções do Estado...”. Ou seja: não estamos perante um só mal, que é o da supremacia dos mercados sobre as correctas funções políticas, anuladas pela base, como apanhamos com um Estado fraco, destruído, incapaz de defender a dignidade de seus concidadãos, que se vêem, devido a esse perigoso vazio, na necessidade de se socorrrerem da capacidade de a sociedade civil se reorganizar, neste caso, criando novos mecanismos de sustentabilidade social. Num momento em que impera o individualismo, em que a competitividade pretende ser a medida de todas as coisas, acrescenta a CNISS que quase se está a aceitar a naturalidade das desigualdades sociais, o que rejeita, liminarmente. Precisamente com a crise financeira de 2008/2009 e o desmantelamento do Estado Social, é que crescem, em número, em dimensão e em vontade de assumir novas responsabilidades e respostas sociais, estas instituições da sociedade civil, vistas mesmo com Organizações Não-Governamentais (ONG). - 3 – Enquadramento das IPSS com as temáticas da sustentabilidade Dissemos atrás que, em cada capítulo versado neste Módulo, aparece sempre o vocábulo “sustentabilidade”, com toda a sua força e carga filosófica e social. E não é para menos, já que se parte da ideia e se assume que não pode haver desenvolvimento sem ser sustentável, fazendo do Relatório Brundtland e das deliberações, cimeiras e recomendações da ONU parte substancial das nossas preocupações e fontes de pesquisa e estudo. Mas o campo do desenvolvimento humano, que contém dimensões que não podem ser medidas por padrões de PIB e afins, é o que mais atenção nos deve merecer. Como temos estado a tratar da acção das IPSS, na sua vertente de apoio a situações de gravidade social pesada, há duas áreas que não deixam de aumentar os seus efeitos nefastos, como declarou o Director-Geral do Bureau International do Trabalho, Juan Somavia, em 2003, anos antes de ter disparado a última crise, e que são uma perigosa constante. Ao escrever o Prefácio de “A luta contra a pobreza e a exclusão social”, disse: “... A pobreza e a exclusão social não desapareceram da face da terra, bem pelo contrário, em muitos países aumentam e acentuam-se, afectando toda a humanidade, que não pode, nem deve fechar os olhos perante tantos milhões de pessoas que vivem em extrema precaridade, se encontram à margem dos circuitos de consumo e de produção, não têm um trabalho decente e não podem participar na vida económica, social, política e cultural...” Duras são estas palavras e têm mais de dez anos. Já não contam apenas situações de fome e privações de toda a ordem, mas vão mais fundo: reflectem um estado de anemia social que é altamente condenável. Sendo gente que se coloca à margem do sistema, se exclui das dinâmicas vivenciais, a todos os níveis, constitui um claro sinal de que, assim, não há desenvolvimento sustentado algum. Por outro lado, Eugénio Fonseca (2013) acentua “... O nosso País ainda tem, em termos europeus, um tipo de pobreza que se pode qualificar de massiva e persistente...”, que se agrava com a nova vaga que agora vivemos, juntando a longa duração à realidade crua destes tempos de crise, sendo que, continua, “... É esta forma de pobreza que está a surgir, de maneira galopante, como a principal consequência da crise global de cuja profundidade não há memória nos últimos oitenta anos... (Por isso) ... Reverter o fenómeno da pobreza deve ser um dos desígnios principais não só dos nossos decisores políticos, mas também das intituições mais relevantes da sociedade civil...” Na perspectiva da Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentado (ENDS 2015), 1º Relatório Bienal, de Agosto de 2009, um dos indicadores aí contemplados é o de se vir a conseguir mais equidade, igualdade de oportunidades e coesão social, factores que, em sede de desigualdades sociais, se não encontram realizados. Ainda neste mesmo contexto, também a Agenda 21 consagra a sua atenção ao problema da pobreza, que é um dos seus temas indicadores, conjuntamente com a governança, entre vários outros, apontando a necessidade de se debelar essa chaga social Para Baker (2006), importa que se adopte um modelo social de mudança, o que se encaixa muito bem com os objectivos das IPSS, que são a sociedade em transformação pela via do envolvimento das comunidades locais em dinâmica de alterações nas vidas concretas das pessoas em dificuldade. Este autor fala, de igual modo, em conciliar as responsabilidades comuns, mas diferenciadas, de modo a assegurar uma equidade intra-geracional e a satisfação das necessidades das populações. Por sua vez, Epstein (“Estratégia Oceano Verde”), nos seus nove princípios, alude à ética, governação, envolvimento da comunidade, desenvolvimento económico, para só citarmos aqueles que nos parecem mais ajustados ao trabalho que estamos a desenvolver. Na área da ética, ligando-a ao mundo empresarial, estamos a ver que este conceito tem nas IPSS uma manifestação concreta, quando, mais atrás, referimos os valores destas Instituições, onde a responsabilidade social, pelo primado da pessoa humana, pela afectação de excedentes ao desenvolvimento sustentado, é levada a um ponto muito alto. Como é de justiça social que se trata em matéria de funções destas manifestações de vontade e acção da sociedade civil organizada em torno de objectivos comuns de bem-estar e qualidade de vida, eis que esta é também uma forma de se cumprir o que se estipula nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, quando houve o compromisso, logo no ponto 1, de se erradicar a pobreza extrema e a fome, reduzindo-as para metade, podendo ainda citar-se o capítulo 8, em que se refere a vontade de se criar uma parceria global para o desenvolvimento, sendo que, neste caso, isto aqui surge sob um prisma mais de proximidade que de globalidade, mas há neles uma óbvia ligação. No que toca ao nosso País, declaram Maria João Valente Rosa e Paulo Chitas (2013) que “No contexto da União Europeia, Portugal é um país com significativa desigualdade de rendimentos...”, o que se expressa no peso do Índice de Gini, onde só a Letónia e a Bulgária estavam à nossa frente, o que faz com que a maior quantidade e qualidade de IPSS tenha a sua plena justificação e é mesmo uma exigência social, sob pena de tudo istto ainda se agravar e degradar muito mais. Concluem estes autores: “... Em suma, o desenvolvimento de um Estado social em Portugal, desde 1975, não foi capaz de gerar, 35 anos mais tarde, a sociedade igualitária almejada pelos fundadores da democracia...” (p. 59) Numa componente mais profunda, sob o ponto de vista ético, apoiamos Leonardo Boff, no momento em que ele defende uma nova ética, a do cuidar e a do humano, como pilares para o combate às desigualdades gritantes que proliferam um pouco por todo o mundo, à escala global com fortes implicações locais. Aliás, o Tópico 3 deste Módulo SAT I, é claro a esse respeito, até no seu título: “Desigualdades sociais e sustentabilidade”, apontando-se como principais entraves a carência de aplicação dos direitos humanos, a fome, a pobreza, as desigualdades de género, uma duplicação nefasta deste conceito, o acesso à educação e à saúde, factos que, não estando presentes nas políticas e nas práticas, mais acentuam as disparidades que importa corrigir, ou mesmo anular. Ou seja: é preciso usar os direitos humanos, na sua total acepção, para se combater a pobreza e as injustiças, sendo esta uma nova abordagem que implica um olhar pela dignidade da pessoa humana e pelo respeito que lhe é devido. Nos seus pensamentos, Amartya Sen nunca se cansa de fazer a ponte, que acha imprescindível, entre os direitos humanos que têm de ir para além do seu aspecto legal, para trilharem as vias da ética, da justiça, da equidade, da liberdade, apoiando-se, por exemplo, na própria ONU, que, na sua listagem de direitos, invoca o direito ao trabalho e, no que mais nos toca neste curto estudo, à protecção contra o desemprego e a pobreza. Em “Espaço e sustentabilidade”, é com João Ferrão que vamos relacionar a nossa opção pelas IPSS, por ser este autor que nos traz novas visões vindas de Itália, em que o tema da responsabilidade territorial tem sido mais tratado, ou, pelo menos, foi aí que melhor se iniciou esta vertente do conhecimento. Del Baldo, Argiolas et al, Constantino, Marchello e Mezzano são alguns do nomes que evoca, a partir do ano de 2009, na sua “Responsabilidade social e localismo ético” (Ferrão). Começa logo por dar um conselho, que as instuições que actuam no terreno concreto podem vir a integrar nas suas práticas, ao afirmar que “... Reconhece-se o interesse potencial do conceito de responsabilidade social, mas sugere-se que a sua utilização ganhará particular sentido se constituir uma via para introduzir novas preocupações éticas no contexto de estratégias e acções de inovação social ao nível local...” Ressalta, então, da sua leitura que não basta criar IPSS, sendo preciso que venham a trazer inovação e não ficarem por velhos e estafados métodos que se vão esvaziando ao longo dos tempos, ficando enfraquecidos quer para responder a velhas questões, quer para acudir aos novos e gritantes desafios com que nos confrontamos nestes tempos de crise e de uma severa austeridade, que deixa mazelas por todo o lado. Esta abordagem pelo campo territorial faz todo o sentido, porque a proximidade às situações a apoiar é uma das características e dos princípios que presidem às IPSS, enquanto agentes de solidariedade em cada local e em cada situação existente, por um lado e por outro, a nível do espaço geográfico mas também das áreas das maiores vulnerabilidades que vão aparecendo como vítimas do peso da carência que por aí existe. Falando no foco a atingir que é aquele que “Argiolas et al” defendem e que passa por criar parcerias dinâmicas e criativas em termos de governança territorial, saltando da governação tradicional para a boa e citada governança, sustentadas em bases éticas e com envolvimento activo e participado das nossas comunidades, eis um bom caminho a percorrer. Voltando agora à Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável e respectivo Plano de Implementação (PIENDS), citando uma ideia colhida na Agência Portuguesa do Ambiente, é preciso procurar um modelo mais sustentável de evolução da sociedade, em tempos de oportunidades e de ameaças, patamar em que actuam as nossas IPSS, cumprindo assim desígnios de âmbito e cariz nacional, europeu e global, ao aplicar as diversas estratégias que, de uma forma e de outra, se vão delineando. Se já abordámos algumas referências à ONU, entendemos que não podemos esquecer a acção da União Europeia e dos seus Conselhos de Gotemburgo, 2001, juntando-lhe ainda o CE de 2006 e os objectivos da ENDS nacional de que destacamos aquele que se prende com a necessidade de mais equidade, mais igualdade de oportunidades e coesão social. Ao lermos a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, no Reexame da Estratégia em Favor do Desenvolvimento Sustentável – Uma Plataforma de Acção, 2005, deparamos, já nesse ano, com um Capítulo dedicado a estas temáticas, a “Pobreza no Mundo e os Desafios do Desenvolvimento”. Em intenções, escreveu-se: “... As ameaças que pairam sobre o desenvolvimento sustentável a nível mundial estão interligadas. Existe uma correlação entre a pobreza, a degradação do ambiente e os conflitos (...) A pobreza e as desigualdades criam não só situações de injustiça, como constituem uma ameaça para o desenvolvimento mundial, a prosperidade, a paze a segurança a longo prazo. A globalização significa que a nossa prosperidade e segurança colectivas são indissociáveis do sucesso da luta contra a pobreza. É necessário actuar a todos os níveis e de uma forma ntegrada...” Neste documento, entre os objectivos fundamentais, temos: coesão e justiça social, definindo-se como políticas orientadoras a justiça entre gerações, o envolvimento dos cidadãos, das empresas e dos parceiros sociais, a coerência das políticas e da governança, tudo boas receitas para serem aplicadas nas nossas IPSS. Por sua vez, na “Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável – ENDS 2015”, no 1º Relatório Bienal, de Junho de 2009, aponta-se para “Mais equidade, igualdade de oportunidades e coesão social”, com medidas tendentes a combater a pobreza e salvaguarda da coesão, falando-se ainda no aumento das verbas alocadas à protecção social, crescendo de 21.7%, em 2001, para 27%, em 2006. Nesta ordem de ideias, refere-se também a criação da Rede Social, em 2000 e da assinatura de 19 Contratos Locais de Desenvolvimento Social, até Abril de 2008. Daqui se deduz que, em vontade, há projectos e que o Estado mostra querer ter um papel activo nestas dinâmicas. Só que a velocidade da crise veio despoletar um conjunto de debilidades e prioridades que, se não fossem as acções da sociedade civil, as consequências de tudo isto teriam sido mais gravosas. Também o “Caderno de debate – Agenda 21 e sustentabilidade” ostenta uma série de recomendações que se coadunam muito bem com as temáticas que temos em cima da mesa, mormente ao afirmar-se que a crise não pode ser vencida com meras medidas paliativas, de ordem política e técnica, antes exige uma nova sensibilidade ética, novos valores e também novos padrões de produção e de consumo, o que resvala para o campo das mentalidades mais abertas, objectivo que as IPSS ajudam a compreender e até a aplicar. Mas é, de novo, Amartya Sen que traz severas críticas à nossa situação actual, tendo declarado que o rigor execessivo em disciplina orçamental leva a muito sangue, suor e lágrimas, sendo apologista, pelo contrário, de uma economia do bem-estar e de que se devem privilegiar as medidas mais acertadas para fazer frente a estes novos fenómenos sociais, onde se inserem obviamente as instituições de que estamos a tratar. Ao proporcionarem melhores escolhas e mais hipóteses de se seguirem as vias das oportunidades como sustentáculos da liberdade futura, são as IPSS factores de um desenvolvimento humano que saia das amarras em que o FMI, a UE e o BCE nos têm apertado nas suas visões austeritárias como passos para a “salvação” dos países, como o nosso, com programas de ajustamento. Como esses objectivos estão a ser mais devastadores do que aquilo que, provavelmente, se estaria a prever (não querendo nós alimentar a ideia de que o empobrecimento foi mesmo pensado como política a seguir), eis as IPSS em acção. - 4 – Na desordem económica e social, são essenciais as IPSS Num tempo em que a economia anda em sentido contrário aos correctos mecanismos de desenvolvimento humano, tese que achamos mais condizente com a nossa postura do que a de desenvolvimento mesmo que sustentado, conclui-se que estes desacertos já têm anos de presença entre nós. Assim, em 1993, Georges Corm já tecia críticas bem fortes, quando adiantou, quase como premonitoriamente, que “... As transformações que afectaram a economia mundial ao longo dos últimos trinta anos, e muito particularmente as relações financeiras internacionais, foram de tal modo rápidas a brutais que a teoria económica parece ter perdido a capacidade de explicar racionalmente o ritmo de tais transformações...” Passando por tempos de um liberalismo desenfreado, de acordo com este mesmo autor, a pobreza tem sido visto como uma fatalidade, pelo que, em tais circunstâncias, nada haveria a fazer para a debelar. Se assim fosse e se essa corrente dominasse as mentes de toda a gente, num arrepiante cruzar de braços, jamais as IPSS se teriam aventurado a quererem mudar o mundo. Felizmente, não foi isso que aconteceu. Como que a aceitar uma outra filosofia, que António Ferrer Correia caracterizou como humanista, o homem também não deixou, ainda, de assim ser visto, em termos de colocação na tabela dos direitos fundamentais que “... São um corolário indesmentível da mundividência humanista: o homem é sujeito perante o Estado dos direitos que lhes advêm da sua emimente qualidade de pessoa. A personalidade jurídica do indivíduo não lhe é conferida por qualquer acto de poder legislativo: o Estado limita-se a reconhecer o que resulta da concepção filosófica-jurídica que lhe subjaz...” (Seminário Internacional, 1997). Foi com esta visão humanista de solidariedade que as IPSS se lançaram nas aventuras de suas actividades e objectivos, dando voz a Cristina Alberdi Afonso, que, no Seminário atrás referido, alude a políticas sociais, visando caminhar para sociedades de bem-estar, porque, diz, a democracia tem algumas contradições como estas do desemprego, da exclusão social e outras mazelas igualmente destrutivas do equilíbrio que as sociedades almejam, sem, contudo, o conseguirem alcançar. Com Joaquin Farinós Dasi (2008), com as IPSS estamos no domínio dos seus princípios da boa governança, tais como os da horizontalidade, da cooperação, da coerência, da participação voluntária, partenariado, responsabilidade, coordenação, valorização do capital territorial, coesão, acção, colocando, na esteira de Schumpeter, a pessoa no centro (Peyrefitte, 1997). Para a existência deste pólo de instituições sociais, são muitos os motivos que as justificam e as desigualdades, pela via da pobreza, que “... É seguramente uma das mais patentes violações do primeiro de todos os direitos humanos, um direito sem o qual todos os outros quedam despojados de sentido, o direito à vida, à vida digna...”, como acentua Manuel Couret Branco. Associando-se a Amartya Sen, também este autor entende que o desenvolvimento das capacidades das pessoas e suas liberdades substantivas são matéria que deve ser tida em linha de conta, o que as IPSS tentam sempre pôr em prática. E, por falarmos em Amartya Sen, vamos dar-lhe a voz para o ouvir dizer que “... Há mútuos benefícios da cooperação... É manifesto que todas as pessoas envolvidas reconhecem não poder alcançar o que desejariam sem a cooperação dos demais. É este o tipo de comportamento cooperativo...” E é esta a postura de quem abraça os ideais do trabalho em cooperação em tantas e tantas Instituições do género daquelas que estamos a retratar. Para “Soares et al”, podemos citar alguns eixos de luta contra a pobreza, que passam por um combate visando a inclusão activa, uma maior eficácia e eficiência na protecção social, de modo a promover a sustentabilidade e a proximidade entre os cidadãos e as instituições, destruindo as assimetrias económicas e sociais, em junção e valorização de sinergias e potenciação de escalas, em sistemas de cooperação entre as próprias IPSS. Para dar consistência a estas acções, defendem estes autores que a abordagem deve ser feita pela via prospectiva, muito mais abrangente e mais aberta que a visão previsional, sendo que as duas se opõem desta maneira: previsão – parte de certezas, de um único ponto, de continuidades, de quantidades e de ocultação de riscos; prospectiva – incerteza, vários pontos de partida, rupturas, qualidades e riscos assumidos. Na perspectiva de respostas às crises, a esta e a outras, a visão prospectiva, atrás referida, adequa-se muito mais àquilo que é preciso fazer: perante cenários novos e imprevisíveis, uma postura rígida levaria mais facilmente ao insucesso que ao êxito das missões em campo. Assim, na maleabilidade de propostas em jogo, o caminho, mesmo no campo mental, será mais fácil, por haver uma maior predisposição até para os imprevistos que possam vir a aparecer. Num estudo desenvolvido pela CNISS, de seu título “As IPSS num contexto de crise económica”, vinca-se o maior destaque a dar a estas Instituições, considerando-as determinantes no panorama da economia social e consequentes necessidades, designadamente a pobreza, a consolidada e a emergente, ali apelidada de envergonhada, e a fome, associando-lhe a dificuldade em satisfazer compromissos financeiros, uma outra janela que se abre e a pedir, tantas vezes, soluções ou mitigações urgentes, para evitar colapsos pessoais e familiares com todo o cortejo de efeitos que, em cascata, minam alicerces de segurança e estabilidade, sendo, muitas vezes, a causa de situações limite. A par de meios de natureza e matriz financeira, ou de apoios alimentares e de alojamento, têm as IPSS de estar despertas também para outras realidades, uma espécie de novos serviços, a incluirem a psicologia, a psiquiatria e acompanhamentos directos muito bem estruturados e solidamente humanizados em duas frentes: com os protagonistas destes casos e com as suas rectaguardas familiares, de modo a estancar resultados colaterais altamente indesejados e absolutamente nefastos. No seguimento das recomendações que temos vindo a apreciar, saídas da CNISS, estabelece-se como missão o seguinte: - Desenvolver acções conscientes e consequentes; encontrar caminhos e soluções inovadoras; buscar o equilíbrio harmónico entre a assistência, per si, a promoção e a utopia, sendo esta, vezes sem conta, uma via para o descalabro das tarefas que se têm em mãos, devido à impossibilidade de se conseguir chegar à lua, impondo-se o realismo como pilar de trabalho; aplicar valores de fraternidade humana e de solidariedade, aqui de novo enfatizados estes pontos, apesar de, em capítulos anteriores, já se ter aflorado estes mesmos aspectos; tomar consciência de que os bens materiais possuem valor social. A vasta lista de ideias prossegue com a necessidade de haver sentimentos de proximidade para uma maior eficácia, acções em rede, cooperação que seja constitutiva de uma nova governação, a governança, a subsidiariedade, para evitar atropelos e sobreposições em que se desperdiçam meios, energias e vontades, sempre muito úteis nos campos onde devem estar. Deste modo, com coordenação e organização capazes, as IPSS rentabilizam muito melhor os sempre parcos recursos de que dispôem. Num dos Relatórios elaborados pelo Instituto de Ciências Sociais, da Universidade de Coimbra, já referenciado, em que se aborda o problema das crises sociais, fica claro que estamos, neste momento, em face de uma contingência que está a adquirir foros de perigosa estruturalidade, se pensarmos em que as políticas de austeridade possam vir a ser assumidas como medidas para continuarem e se enraizarem na nossa sociedade. Invocando dados oriundos da União Europeia, afirma-se que Portugal é um dos países mais afectado pela crise, vendo-se que os efeitos da austeridade têm conduzido a uma profunda recessão, concluindo-se que “.... Os problemas estruturais da pobreza e das desigualdades avolumam-se, visto que que se sabe que, em Portugal, a sua redução depende criticamente da acção das transferências públicas”, que têm tendência para se irem estreitando, facto que se continua a verficar, não obstante, nestes últimos meses, a questão da recessão tenha vindo a atenuar-se. Em parágrafos anteriores, carreámos para este trabalho o problema do endividamento das famílias, esclarecendo José Reis, João Rodrigues, Ana Santos e Nuno Teles que “... A crise veio mostrar que a gravidade do endividamento das famílias portuguesas está directamente associada à situação económica do país da qual depende o emprego e, portanto, a capacidade de fazer face aos encargos da dívida...”, que, em 2012, correspondia a 91% do PIB, de acordo com o Banco de Portugal. Paralelamente a este quadro, temos ainda a desvalorização salarial, a diminuição dos rendimentos das pensões e aposentações, a quebra nas receitas pela via do aumento dos impostos e a falha nas deduções fiscais, as falências, a quebra na roda dos mecanismos de pagamentos de compromissos vários, o que mais dificulta as operações que as IPSS têm de implantar nos seus territórios e sectores de actuação. No Relatório em análise, Pedro Hespanha, Sílvia Ferreira e Vanda Pacheco, em “O estado social, crise e reformas”, adiantam que, sendo as políticas sociais instrumentos estratégicos de intervenção, sempre que venham a diminuir e a refrear os recursos a afectar a quem mais delas carece, cresce a pobreza estrutural e não se põe termo, como deveria ser, à visão assistencialista, que não é a forma de combate a este tipo de situações que se possa aceitar, porque é preciso fazer do apoio social um capítulo dos direitos humanos, repetindo algo que já ventilámos. Assumindo, com firmeza, uma nova postura, dizem estes autores que se tem de caminhar para uma sábia combinação de quatro fontes de bem-estar, que são o Estado, o terceiro sector (em que se integram as IPSS), as famílias e o mercado. Só que, acrescentamos nós, há três destes pilares que estão em ruptura o que faz transportar para o terceiro sector uma maior carga de tarefas a desempenhar. Se vivemos em crise profunda, há outros gritos que se ouvem por todo o lado, em sede de categorias sociais desfavorecidas tradicionais, como referem “Eduardo Vítor Rodrigues et al”, tais como os idosos, os camponeneses pobres, os assaliariados precários e com fracas qualificações, elencando ainda, em novas categorias sociais, os desempregados de longa duração, os grupos étnicos e culturais minoritários, as famílias monoparentais, as pessoas com deficiência, os jovens em risco, os sem-abrigo, os trabalhadores da economia informal, as mulheres, os candidatos e primeiro emprego, as pessoas com doenças crónicas, os beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI), o que implica que as IPSS estejam disponíveis para atender estas chamadas diferentes do habitual para arranjarem as respostas mais adequadas. Com factores macro (globais), meso (locais e sectoriais) e micro (pessoais e familiares), seguindo a classificação do STEP – Bureau International do Trabalho, cabem mais às entidades que nos servem de base o segundo e o terceiro, ficando primeiro para outras instâncias, a nível de órgãos de uma outra dimensão e envergadura. Porém, como a essa esfera também as falhas são evidentes e notórias, caem para estes dois últimos patamares muitas responsabilidades que deveriam, então, ter solução noutras salas e com outras gentes. A razão da proximidade, da afectividade, da humanidade de quem está perto dos problemas, fazendo de cada dificuldade um desafio e um obstáculo a ultrapassar, leva a que também esses casos, que são filhos de incapacidade de outra ordem, ali venham parar, fazendo das IPSS um porto de abrigo para todas as situações problemáticas. Como testemunho de tudo isto, vejamos um desabafo, colhido no Fórum Cidadania. Pertence a Maria Celeste, Presidente do Centro Social Cultural e Recreativo Abel Varzim e é do seguinte teor: “.... Num momento de profunda crise económica, o nosso papel é fundamental no combate às desigualdades, à pobreza e à exclusão social, mas o facto é que também nós somos afectados pela crise e temos que, obrigatoriamente, encontrar novas estratégias de gestão, pois os desafios diários são muitos...”. Mais abaixo, veremos, ainda que por alto, algo sobre organização destas Instituições, para se ter uma ideia de como se organizam e se adaptam aos problemas internos com que tropeçam todos os dias. Com desigualdades vitais, existenciais e de recursos (Costa, 2012), estas derradeiras têm forte ligação com carências de rendimentos, escolaridade, qualificação profissional, competências cognitivas e culturais, posição hierárquica nas organizações e acesso a redes sociais, pelo que há sempre campos novos a desbravar, sendo que, em cada caso, também do outro lado, daquele de quem devia ter todas as condições para acudir a estas questões, há lacunas arreliadoras que, às vezes, quase fazem pensar em que é impossível prosseguir com os urgentes e pertinentes objectivos que estão estabelecidos e com os desejos de proporcionar bem-estar e qualidade de vida a quem lhes bate à porta. Com estatísticas que continuam a alterar-se continuamente, na Carta Social de 2007, referenciavam-se 4896 IPSS, sendo 2245 IPSS (45,9%), 1825 Fundações (37.3%), 761 Misericórdias (15.5%) e 65 na rubrica Outras (1.3%). Curiosamente, no ano em que saiu o Decreto-Lei nº 119/83, de 25 de Fevereiro, bases do Estatuto das IPSS, contavam-se cerca de 1570, verificando-se assim o crescimento exponencial destas valências. Já agora, como complemento informativo, há possibilidade de se terem dados mais fiáveis na base Pordata da FFMS, e em http://observatorio-das-desigualdades.cies.iscte.pt. Por entendermos que os números que aqui colocássemos logo poderiam ter de ser revistos, deixamos apenas estas fontes como pistas para eventuais futuras pesquisas ou outros fins. Dado que, como afirma Hugo Mendes, “... A pobreza desafia as políticas públicas redistributivas exequíveis num regime democrático e, numa economia globalizada (...), convoca a análise cirúrgica da realidade...”. Nesta medida, propõe que se criem instrumentos que sejam capazes de encarar de frente estas situações problemáticas. Sendo que, a nosso ver, escasseiam as políticas públicas directas, a hora pertence à sociedade civil, como temos estado a ver. Neste mesmo contexto e nesta obra, os próprios Renato do Carmo e João Rodrigues, trazem o seu contributo, que é este: “Se agora (2009) se exige um Estado mais activo (...) então também se deve exigir um Estado mais relacional que se manifeste no incremento de políticas sociais e redistributivas, mas que vá mais longe e desenvolva um conjunto de políticas de capacitação que promovam simultaneamente o aprofundamento da democracia...” (Id, p. 10). Nem de propósito: dentro de pouco tempo, estalaria a crise e a pergunta já andava no ar: “Onde pára o Estado?”. Em questões sociais, ficaria cada vez mais distante da realidade vivencial de grande parte da sociedade. Anos antes, algures na década de noventa, Bernard Perret e Guy Roustang já clamavam contra uma economia que estava a minar a sociedade, quando escreveram: “... Mais do que de uma contestação política organizada, foi da economia que veio o castigo (... ) A vitória do capitalismo liberal neste fim de século é muito mais do que a derrota de seu rival encartado...” Ou seja: havia aqui muito de antecipação àquilo que se iria verifcar pouco tempo depois. Citando Jean-Jacques Rousseau, 1750, proclamavam, logo de início: “... Que os políticos se dignem suspender os seus cálculos a fim de meditarem nestes exemplos e que aprendam de uma vez por todas que com o dinheiro se pode ter tudo, exceptuando costumes e cidadãos...” Ainda a partir desta mesma fonte, há uma outra constatação que se encaixa naquilo que é observável nos nossos dias. Esta: “... A construção europeia baseia-se na aposta de que a unificação do espaço económico acabará por desaguar numa identidade cultural e política comum...” (P. 183). Concluem, logo a seguir, com a ideia de que a dinâmica real do prcesso é talvez completamente diferente. Sem sermos eurocépticos, bem lomge disso, no que à componente social, apesar de termos o Modelo Social Europeu e o Projecto 2020, diz respeito, parece-nos que tiveram razão antes do tempo. Falhando a UE, fugindo o nosso Estado, ficam então as IPSS e muito trabalho têm feito, num percurso que está ainda muito incompleto. - 5 – As IPSS também com dificuldades próprias Na organização das IPSS, tendo nós visto um conjunto de circunstâncias que abrem campo para as suas acções no terreno concreto e palpável, onde a miséria social se nota com mais intensidade, nota-se também que estamos perante uma espécie de reverso da medalha. Nascidas na sociedade civil para a ajudar nas suas dificuldades, sofrem elas mesmo também as vicissitudes da crise, que as toca muito de perto. Como precisam de recursos para fazer face às situações que se lhes deparam, muitas vezes sofrem os efeitos directos, dentro das suas estruturas, da carestia que, a esse nível, se nota. Vivendo dos contributos dos parceiros, das quotas dos seus associados, das ofertas e recolhas de bens e meios, dos contratos e acordos estabelecidos com várias entidades, nas quais se inclui o próprio Estado, em maré baixa os reflexos da falta de dinheiro também as atingem. Com quadros de pessoal, geralmente, com qualificações académicas bastante razoáveis e níveis profissionais de elevada exigência e dedicação, são caros os custos de funcioanamento. O mesmo se diga dos meios que têm de usar, desde os transportes à alimentação de seus utentes e pessoas apoiadas, passando pela energia, pelas comunicações e não há benefícios ou sistema de discriminação positiva em seu favor, a não ser nalguns casos pontuais. Num contributo com um certo sentido particular, relativamente a um importante ponto que atravessa todas estas entidades, até como instinto de sobrevivência, o da qualidade, Alexandra Raquel Guimarães Alves fala em aspectos vários que se enquadram em muitos outros níveis de exigência organizativa. São eles: o ambiente competitivo, que também se verifica nestas Casas, os requisitos contratuais, a obtenção de resultados, a necessidade de renovação de práticas e metodologias de intervenção, os processos de certificação. Tudo isto tem os seus custos, diários e constantes. Com o objectivo de melhorar sempre e não estagnar, os gastos sucedem-se. Mas o resultado da Qualidade Total que se deseja alcançar, em todos os casos, é paga que muito honra quem anda por estas paragens das IPSS, sendo que “... O envolvimento total é uma condição para a Qualidade Global das instituições sociais. Ela não é apenas responsabilidade dos sectores técnicos, mas de todos e de cada um na organização, com particular incidência nos seus dirigentes, cujo líder principal é fiel depositário dos valores da organização...” Como se vê, nestas Instituições há campos diversos de actuação e isso acarreta dificudades de toda a ordem, que têm de ser sempre ultrapassadas, porque os fins das IPSS não se compadecem com questões menores. Por um lado, temos um corpo profissional com tudo quanto isso implica; por outro, há os dirigentes, que são voluntários na estrutura em causa, mas que, aderindo a esses projectos e processos, têm a incumbência de gerir as instituições e de serem os seus prinicpais responsáveis e dinamizadores. Conciliar interesses tão diversos pode ser, e é, em muitos casos, um caminho de difícil percurso. Com a missão de ter tudo em ordem e pronto a responder às muitas solicitações, são muitos os entraves encontrados, uns de carácter financeiro, outros, por estranho que pareça, de ordem institucional a muitos níveis. Mas também não seria este um exercício sério se não disséssemos que, neste campo das IPSS, há situações muito diferentes, mesmo em questões de possibilidades, haveres e património. Se há dificuldades em quase todas elas, numas há mais do que noutras, como é facilmente compreensível. Dadas estas notas, que partem também de algum conhecimento com origem em experiências concretas, em profundo envolvimento da nossa parte, optámos por trazer aqui estas reflexões sem recurso a grandes fontes. Foi uma opção. - 6 – Conclusões Muito embora tenhamos afirmado que iríamos prescindir de quaisquer estudos de caso, não resistimos, porém, a incluir aqui, em jeito de conclusões num trabalho todo ele dedicado às IPSS, uma referência à “Carta dos Direitos das Pessoas Apoiadas” na ASSOL – Associação de Solidariedade Social de Lafões, que actua na área do apoio a pessoas com deficiência, nos concelhos de Oliveira de Frades, S. Pedro do Sul, Vouzela, Castro Daire e Tondela. É este o texto dessa Carta, em extractos parciais: “... As pessoas, apoiadas pela ASSOL, beneficiam, plenamente, dos direitos reconhecidos a todos os seres humanos a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem, bem como de todas as convenções internacionais e leis vigentes em Portugal. Sendo o último documento publicado a Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiênciam ratitficada pela Assembleia da República em 7 de Maio de 2009, transcrevemos o disposto no Artigo 3º - a) – O respeito pela dignidade inerente, autonomia individual, incluindo a liberdade de fazerem as suas próprias escolhas, e independência das pessoas; (...) e) – Igualdade de oportunidades...” Com mais de vinte e cinco anos de actividade, recebeu, nos últimos anos, as Certificações de “Muito Bom” e, agora, de “Excelência” EQUASS da União Europeia, pela qualidade de seu desempenho nas funções exercidas perante cerca de seis centenas de pessoas apoiadas diariamente na vasta área territorial atrás citada. Cremos que, modéstia à parte, este exemplo pode servir muito bem para retratar a importância das missões desenvolvidas pelas IPSS, em contextos tão diversos e todos eles com um objectivo comum: ser parte activa de uma partilha de tarefas, quando a sociedade, que se vê bastante desamparada de um Estado que lhe não confere a atenção a quem dela tanto tem direito. Neste trabalho, tentámos dar uma volta pelos tópicos que temos andado a tratar, tendo como base as IPSS, para abordar os conceitos, sustentabilidade, desenvolvimento, governança, estratégias, desafios, problemas, actualidade, equidade, entraves à sustentabilidade social, desafios territoriais, questões éticas, responsabilidade social, desigualdades e, em geral, um pouco de tudo quanto vimos ao longo destes meses em SAT I e seis cinco Tópicos. -7- Bibliografia A economia social e a sua sustentabilidade como factor de inclusão social – Equipa do Projecto: Cândida Soares, José António Sousa Fialho, Fernando Chau, João Gageiro e Helena Pestana, POAF/FSE, Gerir, conhecer e intervir “A luta contra a pobreza e a exclusão social”, STEP, 2003 Alves, Alexandra Raquel Guimarães, “O envolvimento das IPSS com o sistema de gestão pela qualidade”, Universidade de Aveiro, 2011 Branco, Manuel Couret, “Economia política dos direitos humanos – Os direitos humanos na era dos mercados”, Edições Sílabo, Lisboa, 2012, p. 10 Caderno de debate – Agenda 21 e sustentabilidade Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, no Reexame da Estratégia em Favor do Desenvolvimento Sustentável – Uma Plataforma de Acção, 2005 Corm, Georges, “A nova desordem económica nundial na origem do fracasso do desenvolvimento”, Instituto Piaget, Lisboa, 1993, p. 9 Costa, António Firmino da, “Desigualdades globais – Sociologia, problemas e práticas”, Nº 68, 2012, pp. 9 a 32 Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável e respectivo Plano de Implementação (PIENDS) Estratégia Oceano Verde Ferrão, João, “Responsabilidade social territorial e localismo ético”, ICS, Universidade de Lisboa Fórum Cidadania (www.forumcidadania.pt/node/63) Guia prático – Constituição de instituições particulares de solidariedade social, Instituto da Segurança Social, IP, Março de 2013 Mendes, Hugo, “Onde pára o Estado?”, Coordenação de Renato Miguel do Carmo/João Rodrigues, Edições Nelson de Matos/Pensar. Navegar, Lisboa, 2009, p. 199 Perret, Bernard; Roustang, Guy, “A economia contra a sociedade – Afrontar a crise de integração social e cultural”, Instituto Piaget, Lisboa, 1993, p.21 Peyrefitte, Alain, “A sociedade de confiança”, Instituto Piaget, 1997 Relatórios elaborados pelo Instituto de Ciências Sociais, da Universidade de Coimbra “Revista Seara Nova”, Eugénio Fonseca, nº 1723, Primavera 2013 Rodrigues, Eduardo Vítor et al, “A Pobreza e a Exclusão Social: Teorias, Conceitos e Políticas Sociais em Portugal” Rosa, Maria João Valente e Chitas, Paulo, “Portugal e a Europa: os números”, FFMS, 2013, p. 56 Seminário Internacional – Europa Social, FCG, Lisboa, 1997, p. 15 Sen, Amartya, “A ideia de justiça”, Edições Almedina Coimbra, 2010, p. 283 Carlos Tavares Rodrigues Março de 2014