quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

A importância das IPSS

Trabalho final de SAT I - 2013/2014 AS IPSS NO COMBATE ÀS DESIGUALDADES SOCIAIS EM TEMPOS DE CRISE - 1 - INTRODUÇÃO Num módulo em que se andou a olhar para a nossa sociedade, achamos que falar do papel das Instituições Privadas de Solidariedade Social (IPSS), no combate à crise e seus reflexos negativos, se adequa perfeitamente aos tempos que vivemos dentro de nossas portas nacionais. Sabendo que deixámos de ser uma ilha no contexto internacional, agora por maiores razões, em função da globalização em que estamos inseridos, optámos, mesmo assim, por localizar aqui a nossa reflexão final neste SAT I, 2013/2014. Entre os campos que fomos desbravando, o das desigualdades e dificuldades sociais prendeu-nos a atenção, mais que os outros, porque, sendo todos eles importantes, não podemos deixar de fazer opções. Por vocação, por desejo de trabalhar a tese final no domínio das assimetrias territoriais, esta é a nossa escolha. Num dos últimos Relatórios sobre Crises Sociais, elaborados pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Coimbra, somos confrontados com uma chamada de atenção, que não nos pode deixar ficar indiferentes. É esta: “... Sobretudo numa época e numa região do mundo em que tão invocada tem sido a dignidade da pessoa humana, em que todas as forças sociais, religiosas e políticas, nela dizem encontrar uma inequívoca marca civilizacional, parece ajustada a interpelação de algumas dessas medidas para nos interrogarmos sobre as suas causas e sobre as suas consequências...” - (P.125). Por se tratar de uma matéria, que neste Relatório é entendida como um caminho para a desvalorização pessoal, que se liga umbilicalmente com a vida das nossas comunidades, que se vêem profundamente debilitadas na sua dignidade e nos seus direitos, ser a ser, quando viermos a abordar a acção das IPSS no contexto da luta contra esse tipo de situações, este alerta faz todo o sentido. A abordagem que vamos seguir tem subjacente a ideia de que o Estado, mesmo com as crescentes agudizações sociais, se tem arredado das funções que, sobretudo depois da República de Weimar, lhe têm sido acometidas e que é a sociedade civil que avança para o preenchimento desse vazio institucional. Ou seja: as IPSS são uma resposta à essa inacção e são, sobretudo, um olhar novo para estas questões, na perspectiva de uma governança mais próxima dos cidadãos, mais solidária e mais partilhada visando cooperar com quem mais precisa, não como caridade apenas, mas como factor de conquista de direitos que, por um outro motivo, várias camadas populacionais vão perdendo. Com as desigualdades em fase ascendente, apesar de todos os avanços tecnológicos, desde 1820 jamais parou de se agudizar o fosso entre países ricos e pobres, como se pode deduzir destes números colhidos em “A luta contra a pobreza e a exclusão social, STEP, 2003”, onde se assinala o seguinte: em 1820, três países pobres para um rico; 1913 – 11/1; 1950 – 35/1; 1973 – 44/1 e 1992 – 72/1. Ora, esta disparidade é bem sintomática do que está a acontecer num mundo cada vez mais globalizado. Surgem, então, as IPSS, no meio desta turbulância social, como pólos de respostas necessárias e urgentes, porque “... Tem vindo a expandir-se a visão de que a economia social (de que falaremos, seguidamente) pode ser uma alternativa eficaz para equilibrar, de forma mais equitativa, o crescimento económico com os objectivos de desenvolvimento sustentado pela inclusão social, pelo que se impôe conhecer bem toda a actividade, não esquecendo que, por dia, são atendidas milhares de pessoas em todo o país...” (Soares et al, 283) Pretendendo trabalhar sobre as acções desenvolvidas pelas IPSS, a nossa metodolologia passa por abordar esta temática de uma forma global, sem estudos de casos (o que seria interessante e até importante para uma melhor compreensão de tudo isto, sendo nós, curiosamente, mesmos protagonistas, como voluntário, no cargo de Presidente da Direcção de uma dessas Instituições que abraça a mais alta das desigualdades, a deficiência), fazendo sobressair a sua ligação com a pobreza, a exclusão social, as heranças recebidas de tempos anteriores a que se juntam os efeitos da crise que estamos a viver, sobretudo depois de 2008 e dos reflexos vindos dos EUA para praticamente todas as partes do globo. Numa primeira fase, vamos tentar enquadrar as IPSS no sector da economia social, incluindo alguns dados referentes às normas que lhe estão subjacentes. Prosseguiremos com a análise dos campos em que actuam e a sua relação com o Módulo e Tópicos que andamos a abordar e vice-versa, para finalizarmos com uma tentativa de aspectos que mostrem a sua pertinência, eficiência e eficaz do seu papel no combate aos efeitos da crise. - 2 – As IPSS e seu crescimento Sem irmos aprofundar o historial dos contributos da sociedade civil em termos de prestação de serviço de apoio assistencial, é sobejamente conhecida a acção dada pela Igreja a estas causas, desde a Idade Média, com a criação de confrarias, albergarias, hospitais e outras formas de ajuda social, sob o prisma caritativo mas é com a fundação da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, pela Rainha D. Leonor, em 1498, que se dá um dos passos mais decisivos em mobilização da sociedade para estas tarefas, a que se veio a juntar, alguns séculos depois, a Casa Pia, no século XVIII (1780), em ideia de Pina Manique a que a Rainha D. Maria deu toda a cobertura. Eram uma espécie de mecanismos sociais que se prupunham fazer aquilo que o Estado, pela sua própria razão de ser dessas épocas, não tinha inscrito na sua carga genética. Entretanto, por via da Revolução Francesa e suas repercussões, esta visão viria a sofrer alterações, pondo o Estado mais à frente destas problemáticas, refreando a Igreja, ou mesmo ostracizando-a em absoluto. Mas não era ainda a entrada em cena dos Estados-Providência. No que diz respeito ao nosso país, o Estado Novo, depois da República, conferiu importância controlada a uma série de instituições, sem se desligar do profundo controle que sobre elas exercia. Por volta dos anos sessenta do seculo XX, há avanços ao nível da Providência, mas seria já após o 25 de Abril que o Sistema Integrado da Segurança Social viria a florescer, sobretudo com a Lei-Quadro nº 28/84, de 14 de Agosto, ocupando o Estado um importante patamar destas acções de cariz social. Quanto ao surgimento das IPSS, elas aparecem no quadro do forte enraizamento da economia social, o chamado terceiro sector, que acentua a sua presença à medida que os anos passam e a sua necessidade mais se faz sentir. Num Módulo em que nos seus cinco Tópicos nunca deixou de se evocar a figura da sustentabilidade, associando-a todas a matérias analisadas, jamais é possível falar de uma segura sustentabilidade se descurarmos a sua ligação às pessoas, famílias e à sociedade no seu todo. Podemos referir-nos ao desenvolvimento, aos problemas ambientais, às desigualdades sociais, ao espaço e à ética, sempre com ela relacionados, mas se não lhe conferirmos o valor da acção concreta em favor das pessoas o seu edifício fica incompleto, para não dizer destituído do alicerce principal. Sendo, por exemplo, o ambiente, as alterações climáticas, o desenvolvimento sustentado pilares essenciais de tudo aquilo que temos andado a tratar, nada é tão importante como a qualidade de vida e o bem-estar dos seres humanos. Manda a ética que agarremos nas pessoas e as tentemos livrar das desigualdades sociais que se aprofundam, perigosamente, muito mais nestes tempos de aguda crise económica, financeira, política e, agora, também fortemente social. É aqui que entram em cena as IPSS. Assim, para responder a velhas e novas necessidades e “.... Aos desafios inerentes à actual situação de crise socioeconómicae financeira, quer no espaço Europeu, quer em Portugal, aparece como papel relevante o aprofundamento do contributo das instituições da economia social, nomeadamente as IPSS...” (Soares et al.). Para nos apoiar no conceito de economia social, entre muitas versões, socorremo-nos daquela que estes mesmos autores assinalaram e que consiste, basicamente, no seguinte: formas associativas com carácter empresarial muito específico, com princípios e valores comuns, sob a forma de cooperativas, ASSOCIAÇÕES, fundações e, mais recentemente, de firmas com essa mesma vocação, que se regem por estes princípios, os do primado da pessoa, da adesão voluntária e aberta, do controlo democrático, da solidariedade e da responsabilidade, da autonomia e, factor determinante, a fazerem dos excedentes (lucro) factores de criação de desenvolvimento sustentável. Dentro desta componente da economia social, inserem-se, então, as Instituições Particulares de Segurança Social – IPSS, que “.... São constituídas por iniciativa de particulares, sem finalidade lucrativa, com o propósito de dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de justiça entre os indivíduos, que não sejam administradas pelo Estado ou por um corpo autárquico, para prosseguir, entre outros, com objectivos de apoio social à família, crianças e jovens, idosos e integração social e comunitária, mediante a concessão de bens e a prestação de serviços...” (Guia prático). Subdividindo-as pela sua natureza associativa ou fundacional, destacam-se-lhe as vertentes da solidariedade, do voluntariado, da autonomia face aos poderes públicos, tirando-as da alçada das entidades governamentais e autárquicas, para enfatizar a acção da sociedade civil, em esquema de uma nova governança. Segundo Ezequiel Ander-EGG (1974), citado por Vanessa Sobreiro, em termos de políticas públicas, que cabem ao Estado, este “... Se propõe melhorar a qualidade de vida mediante a prestação de uma série de serviços que procuram atender às necessidades básicas de todos os cidadãos, assegurando níveis mínimos de renda, alimentação, saúde, educação e habitação. Da mesma forma, tende a diminuir as desigualdades sociais e atender aos grupos que, por motivos de idade ou empecilhos físicos e psíquicos, não podem gerar recursos por meio do próprio trabalho...”. O pior é quando ele falha, chegando quase a ruir. Nesse momento, é a hora das IPSS, para suprirem uma lacuna que põe em perigo todo o tecido social e seu necessario equilíbrio. Mais grave que a desigualdade social em si é a quebra que essa situação representa no campo da perda de direitos, pois a “... A problemática dos direitos humanos tornou-se também uma componente destacada dos debates e das acções que tomam como objecto as desigualdades globais e a justiça social”, como nos diz António Firmino da Costa (2012). No seu artigo “Desigualdades globais – Sociologia, problemas e práticas”, acentua o seu carácter transversal, a sua interdependência e a necessidade de se lhe fazer frente, o que as IPSS têm como sua missão e visão. Nesta perspectiva, a CNISS (Confederação Nacional de Instuições de Solidariedade), na sua Declaração de Princípios, alude à urgência em assegurar a igualdade de oportunidades, isto na esteira das posições defendidas por Amrtya Sen, no direito ao desenvolvimento, ao mesmo tempo que pede respeito por esses mesmos direitos, que, com as crises, são sempre mais afectados e, tendencialmente, esquecidos, infelizmente. Advoga, nessa linha, esta CNISS que se actue no âmbito do moderno conceito de economia social europeia, que se baseia na tentativa de se encontrarem experiências inovadoras como estas das associações e instituições de igual índole. Constata ainda que “... No século XXI e última década do século XX, com a globalização, que levou à desregularização dos mercados (...), assistimos à redução das funções do Estado...”. Ou seja: não estamos perante um só mal, que é o da supremacia dos mercados sobre as correctas funções políticas, anuladas pela base, como apanhamos com um Estado fraco, destruído, incapaz de defender a dignidade de seus concidadãos, que se vêem, devido a esse perigoso vazio, na necessidade de se socorrrerem da capacidade de a sociedade civil se reorganizar, neste caso, criando novos mecanismos de sustentabilidade social. Num momento em que impera o individualismo, em que a competitividade pretende ser a medida de todas as coisas, acrescenta a CNISS que quase se está a aceitar a naturalidade das desigualdades sociais, o que rejeita, liminarmente. Precisamente com a crise financeira de 2008/2009 e o desmantelamento do Estado Social, é que crescem, em número, em dimensão e em vontade de assumir novas responsabilidades e respostas sociais, estas instituições da sociedade civil, vistas mesmo com Organizações Não-Governamentais (ONG). - 3 – Enquadramento das IPSS com as temáticas da sustentabilidade Dissemos atrás que, em cada capítulo versado neste Módulo, aparece sempre o vocábulo “sustentabilidade”, com toda a sua força e carga filosófica e social. E não é para menos, já que se parte da ideia e se assume que não pode haver desenvolvimento sem ser sustentável, fazendo do Relatório Brundtland e das deliberações, cimeiras e recomendações da ONU parte substancial das nossas preocupações e fontes de pesquisa e estudo. Mas o campo do desenvolvimento humano, que contém dimensões que não podem ser medidas por padrões de PIB e afins, é o que mais atenção nos deve merecer. Como temos estado a tratar da acção das IPSS, na sua vertente de apoio a situações de gravidade social pesada, há duas áreas que não deixam de aumentar os seus efeitos nefastos, como declarou o Director-Geral do Bureau International do Trabalho, Juan Somavia, em 2003, anos antes de ter disparado a última crise, e que são uma perigosa constante. Ao escrever o Prefácio de “A luta contra a pobreza e a exclusão social”, disse: “... A pobreza e a exclusão social não desapareceram da face da terra, bem pelo contrário, em muitos países aumentam e acentuam-se, afectando toda a humanidade, que não pode, nem deve fechar os olhos perante tantos milhões de pessoas que vivem em extrema precaridade, se encontram à margem dos circuitos de consumo e de produção, não têm um trabalho decente e não podem participar na vida económica, social, política e cultural...” Duras são estas palavras e têm mais de dez anos. Já não contam apenas situações de fome e privações de toda a ordem, mas vão mais fundo: reflectem um estado de anemia social que é altamente condenável. Sendo gente que se coloca à margem do sistema, se exclui das dinâmicas vivenciais, a todos os níveis, constitui um claro sinal de que, assim, não há desenvolvimento sustentado algum. Por outro lado, Eugénio Fonseca (2013) acentua “... O nosso País ainda tem, em termos europeus, um tipo de pobreza que se pode qualificar de massiva e persistente...”, que se agrava com a nova vaga que agora vivemos, juntando a longa duração à realidade crua destes tempos de crise, sendo que, continua, “... É esta forma de pobreza que está a surgir, de maneira galopante, como a principal consequência da crise global de cuja profundidade não há memória nos últimos oitenta anos... (Por isso) ... Reverter o fenómeno da pobreza deve ser um dos desígnios principais não só dos nossos decisores políticos, mas também das intituições mais relevantes da sociedade civil...” Na perspectiva da Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentado (ENDS 2015), 1º Relatório Bienal, de Agosto de 2009, um dos indicadores aí contemplados é o de se vir a conseguir mais equidade, igualdade de oportunidades e coesão social, factores que, em sede de desigualdades sociais, se não encontram realizados. Ainda neste mesmo contexto, também a Agenda 21 consagra a sua atenção ao problema da pobreza, que é um dos seus temas indicadores, conjuntamente com a governança, entre vários outros, apontando a necessidade de se debelar essa chaga social Para Baker (2006), importa que se adopte um modelo social de mudança, o que se encaixa muito bem com os objectivos das IPSS, que são a sociedade em transformação pela via do envolvimento das comunidades locais em dinâmica de alterações nas vidas concretas das pessoas em dificuldade. Este autor fala, de igual modo, em conciliar as responsabilidades comuns, mas diferenciadas, de modo a assegurar uma equidade intra-geracional e a satisfação das necessidades das populações. Por sua vez, Epstein (“Estratégia Oceano Verde”), nos seus nove princípios, alude à ética, governação, envolvimento da comunidade, desenvolvimento económico, para só citarmos aqueles que nos parecem mais ajustados ao trabalho que estamos a desenvolver. Na área da ética, ligando-a ao mundo empresarial, estamos a ver que este conceito tem nas IPSS uma manifestação concreta, quando, mais atrás, referimos os valores destas Instituições, onde a responsabilidade social, pelo primado da pessoa humana, pela afectação de excedentes ao desenvolvimento sustentado, é levada a um ponto muito alto. Como é de justiça social que se trata em matéria de funções destas manifestações de vontade e acção da sociedade civil organizada em torno de objectivos comuns de bem-estar e qualidade de vida, eis que esta é também uma forma de se cumprir o que se estipula nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, quando houve o compromisso, logo no ponto 1, de se erradicar a pobreza extrema e a fome, reduzindo-as para metade, podendo ainda citar-se o capítulo 8, em que se refere a vontade de se criar uma parceria global para o desenvolvimento, sendo que, neste caso, isto aqui surge sob um prisma mais de proximidade que de globalidade, mas há neles uma óbvia ligação. No que toca ao nosso País, declaram Maria João Valente Rosa e Paulo Chitas (2013) que “No contexto da União Europeia, Portugal é um país com significativa desigualdade de rendimentos...”, o que se expressa no peso do Índice de Gini, onde só a Letónia e a Bulgária estavam à nossa frente, o que faz com que a maior quantidade e qualidade de IPSS tenha a sua plena justificação e é mesmo uma exigência social, sob pena de tudo istto ainda se agravar e degradar muito mais. Concluem estes autores: “... Em suma, o desenvolvimento de um Estado social em Portugal, desde 1975, não foi capaz de gerar, 35 anos mais tarde, a sociedade igualitária almejada pelos fundadores da democracia...” (p. 59) Numa componente mais profunda, sob o ponto de vista ético, apoiamos Leonardo Boff, no momento em que ele defende uma nova ética, a do cuidar e a do humano, como pilares para o combate às desigualdades gritantes que proliferam um pouco por todo o mundo, à escala global com fortes implicações locais. Aliás, o Tópico 3 deste Módulo SAT I, é claro a esse respeito, até no seu título: “Desigualdades sociais e sustentabilidade”, apontando-se como principais entraves a carência de aplicação dos direitos humanos, a fome, a pobreza, as desigualdades de género, uma duplicação nefasta deste conceito, o acesso à educação e à saúde, factos que, não estando presentes nas políticas e nas práticas, mais acentuam as disparidades que importa corrigir, ou mesmo anular. Ou seja: é preciso usar os direitos humanos, na sua total acepção, para se combater a pobreza e as injustiças, sendo esta uma nova abordagem que implica um olhar pela dignidade da pessoa humana e pelo respeito que lhe é devido. Nos seus pensamentos, Amartya Sen nunca se cansa de fazer a ponte, que acha imprescindível, entre os direitos humanos que têm de ir para além do seu aspecto legal, para trilharem as vias da ética, da justiça, da equidade, da liberdade, apoiando-se, por exemplo, na própria ONU, que, na sua listagem de direitos, invoca o direito ao trabalho e, no que mais nos toca neste curto estudo, à protecção contra o desemprego e a pobreza. Em “Espaço e sustentabilidade”, é com João Ferrão que vamos relacionar a nossa opção pelas IPSS, por ser este autor que nos traz novas visões vindas de Itália, em que o tema da responsabilidade territorial tem sido mais tratado, ou, pelo menos, foi aí que melhor se iniciou esta vertente do conhecimento. Del Baldo, Argiolas et al, Constantino, Marchello e Mezzano são alguns do nomes que evoca, a partir do ano de 2009, na sua “Responsabilidade social e localismo ético” (Ferrão). Começa logo por dar um conselho, que as instuições que actuam no terreno concreto podem vir a integrar nas suas práticas, ao afirmar que “... Reconhece-se o interesse potencial do conceito de responsabilidade social, mas sugere-se que a sua utilização ganhará particular sentido se constituir uma via para introduzir novas preocupações éticas no contexto de estratégias e acções de inovação social ao nível local...” Ressalta, então, da sua leitura que não basta criar IPSS, sendo preciso que venham a trazer inovação e não ficarem por velhos e estafados métodos que se vão esvaziando ao longo dos tempos, ficando enfraquecidos quer para responder a velhas questões, quer para acudir aos novos e gritantes desafios com que nos confrontamos nestes tempos de crise e de uma severa austeridade, que deixa mazelas por todo o lado. Esta abordagem pelo campo territorial faz todo o sentido, porque a proximidade às situações a apoiar é uma das características e dos princípios que presidem às IPSS, enquanto agentes de solidariedade em cada local e em cada situação existente, por um lado e por outro, a nível do espaço geográfico mas também das áreas das maiores vulnerabilidades que vão aparecendo como vítimas do peso da carência que por aí existe. Falando no foco a atingir que é aquele que “Argiolas et al” defendem e que passa por criar parcerias dinâmicas e criativas em termos de governança territorial, saltando da governação tradicional para a boa e citada governança, sustentadas em bases éticas e com envolvimento activo e participado das nossas comunidades, eis um bom caminho a percorrer. Voltando agora à Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável e respectivo Plano de Implementação (PIENDS), citando uma ideia colhida na Agência Portuguesa do Ambiente, é preciso procurar um modelo mais sustentável de evolução da sociedade, em tempos de oportunidades e de ameaças, patamar em que actuam as nossas IPSS, cumprindo assim desígnios de âmbito e cariz nacional, europeu e global, ao aplicar as diversas estratégias que, de uma forma e de outra, se vão delineando. Se já abordámos algumas referências à ONU, entendemos que não podemos esquecer a acção da União Europeia e dos seus Conselhos de Gotemburgo, 2001, juntando-lhe ainda o CE de 2006 e os objectivos da ENDS nacional de que destacamos aquele que se prende com a necessidade de mais equidade, mais igualdade de oportunidades e coesão social. Ao lermos a Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, no Reexame da Estratégia em Favor do Desenvolvimento Sustentável – Uma Plataforma de Acção, 2005, deparamos, já nesse ano, com um Capítulo dedicado a estas temáticas, a “Pobreza no Mundo e os Desafios do Desenvolvimento”. Em intenções, escreveu-se: “... As ameaças que pairam sobre o desenvolvimento sustentável a nível mundial estão interligadas. Existe uma correlação entre a pobreza, a degradação do ambiente e os conflitos (...) A pobreza e as desigualdades criam não só situações de injustiça, como constituem uma ameaça para o desenvolvimento mundial, a prosperidade, a paze a segurança a longo prazo. A globalização significa que a nossa prosperidade e segurança colectivas são indissociáveis do sucesso da luta contra a pobreza. É necessário actuar a todos os níveis e de uma forma ntegrada...” Neste documento, entre os objectivos fundamentais, temos: coesão e justiça social, definindo-se como políticas orientadoras a justiça entre gerações, o envolvimento dos cidadãos, das empresas e dos parceiros sociais, a coerência das políticas e da governança, tudo boas receitas para serem aplicadas nas nossas IPSS. Por sua vez, na “Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável – ENDS 2015”, no 1º Relatório Bienal, de Junho de 2009, aponta-se para “Mais equidade, igualdade de oportunidades e coesão social”, com medidas tendentes a combater a pobreza e salvaguarda da coesão, falando-se ainda no aumento das verbas alocadas à protecção social, crescendo de 21.7%, em 2001, para 27%, em 2006. Nesta ordem de ideias, refere-se também a criação da Rede Social, em 2000 e da assinatura de 19 Contratos Locais de Desenvolvimento Social, até Abril de 2008. Daqui se deduz que, em vontade, há projectos e que o Estado mostra querer ter um papel activo nestas dinâmicas. Só que a velocidade da crise veio despoletar um conjunto de debilidades e prioridades que, se não fossem as acções da sociedade civil, as consequências de tudo isto teriam sido mais gravosas. Também o “Caderno de debate – Agenda 21 e sustentabilidade” ostenta uma série de recomendações que se coadunam muito bem com as temáticas que temos em cima da mesa, mormente ao afirmar-se que a crise não pode ser vencida com meras medidas paliativas, de ordem política e técnica, antes exige uma nova sensibilidade ética, novos valores e também novos padrões de produção e de consumo, o que resvala para o campo das mentalidades mais abertas, objectivo que as IPSS ajudam a compreender e até a aplicar. Mas é, de novo, Amartya Sen que traz severas críticas à nossa situação actual, tendo declarado que o rigor execessivo em disciplina orçamental leva a muito sangue, suor e lágrimas, sendo apologista, pelo contrário, de uma economia do bem-estar e de que se devem privilegiar as medidas mais acertadas para fazer frente a estes novos fenómenos sociais, onde se inserem obviamente as instituições de que estamos a tratar. Ao proporcionarem melhores escolhas e mais hipóteses de se seguirem as vias das oportunidades como sustentáculos da liberdade futura, são as IPSS factores de um desenvolvimento humano que saia das amarras em que o FMI, a UE e o BCE nos têm apertado nas suas visões austeritárias como passos para a “salvação” dos países, como o nosso, com programas de ajustamento. Como esses objectivos estão a ser mais devastadores do que aquilo que, provavelmente, se estaria a prever (não querendo nós alimentar a ideia de que o empobrecimento foi mesmo pensado como política a seguir), eis as IPSS em acção. - 4 – Na desordem económica e social, são essenciais as IPSS Num tempo em que a economia anda em sentido contrário aos correctos mecanismos de desenvolvimento humano, tese que achamos mais condizente com a nossa postura do que a de desenvolvimento mesmo que sustentado, conclui-se que estes desacertos já têm anos de presença entre nós. Assim, em 1993, Georges Corm já tecia críticas bem fortes, quando adiantou, quase como premonitoriamente, que “... As transformações que afectaram a economia mundial ao longo dos últimos trinta anos, e muito particularmente as relações financeiras internacionais, foram de tal modo rápidas a brutais que a teoria económica parece ter perdido a capacidade de explicar racionalmente o ritmo de tais transformações...” Passando por tempos de um liberalismo desenfreado, de acordo com este mesmo autor, a pobreza tem sido visto como uma fatalidade, pelo que, em tais circunstâncias, nada haveria a fazer para a debelar. Se assim fosse e se essa corrente dominasse as mentes de toda a gente, num arrepiante cruzar de braços, jamais as IPSS se teriam aventurado a quererem mudar o mundo. Felizmente, não foi isso que aconteceu. Como que a aceitar uma outra filosofia, que António Ferrer Correia caracterizou como humanista, o homem também não deixou, ainda, de assim ser visto, em termos de colocação na tabela dos direitos fundamentais que “... São um corolário indesmentível da mundividência humanista: o homem é sujeito perante o Estado dos direitos que lhes advêm da sua emimente qualidade de pessoa. A personalidade jurídica do indivíduo não lhe é conferida por qualquer acto de poder legislativo: o Estado limita-se a reconhecer o que resulta da concepção filosófica-jurídica que lhe subjaz...” (Seminário Internacional, 1997). Foi com esta visão humanista de solidariedade que as IPSS se lançaram nas aventuras de suas actividades e objectivos, dando voz a Cristina Alberdi Afonso, que, no Seminário atrás referido, alude a políticas sociais, visando caminhar para sociedades de bem-estar, porque, diz, a democracia tem algumas contradições como estas do desemprego, da exclusão social e outras mazelas igualmente destrutivas do equilíbrio que as sociedades almejam, sem, contudo, o conseguirem alcançar. Com Joaquin Farinós Dasi (2008), com as IPSS estamos no domínio dos seus princípios da boa governança, tais como os da horizontalidade, da cooperação, da coerência, da participação voluntária, partenariado, responsabilidade, coordenação, valorização do capital territorial, coesão, acção, colocando, na esteira de Schumpeter, a pessoa no centro (Peyrefitte, 1997). Para a existência deste pólo de instituições sociais, são muitos os motivos que as justificam e as desigualdades, pela via da pobreza, que “... É seguramente uma das mais patentes violações do primeiro de todos os direitos humanos, um direito sem o qual todos os outros quedam despojados de sentido, o direito à vida, à vida digna...”, como acentua Manuel Couret Branco. Associando-se a Amartya Sen, também este autor entende que o desenvolvimento das capacidades das pessoas e suas liberdades substantivas são matéria que deve ser tida em linha de conta, o que as IPSS tentam sempre pôr em prática. E, por falarmos em Amartya Sen, vamos dar-lhe a voz para o ouvir dizer que “... Há mútuos benefícios da cooperação... É manifesto que todas as pessoas envolvidas reconhecem não poder alcançar o que desejariam sem a cooperação dos demais. É este o tipo de comportamento cooperativo...” E é esta a postura de quem abraça os ideais do trabalho em cooperação em tantas e tantas Instituições do género daquelas que estamos a retratar. Para “Soares et al”, podemos citar alguns eixos de luta contra a pobreza, que passam por um combate visando a inclusão activa, uma maior eficácia e eficiência na protecção social, de modo a promover a sustentabilidade e a proximidade entre os cidadãos e as instituições, destruindo as assimetrias económicas e sociais, em junção e valorização de sinergias e potenciação de escalas, em sistemas de cooperação entre as próprias IPSS. Para dar consistência a estas acções, defendem estes autores que a abordagem deve ser feita pela via prospectiva, muito mais abrangente e mais aberta que a visão previsional, sendo que as duas se opõem desta maneira: previsão – parte de certezas, de um único ponto, de continuidades, de quantidades e de ocultação de riscos; prospectiva – incerteza, vários pontos de partida, rupturas, qualidades e riscos assumidos. Na perspectiva de respostas às crises, a esta e a outras, a visão prospectiva, atrás referida, adequa-se muito mais àquilo que é preciso fazer: perante cenários novos e imprevisíveis, uma postura rígida levaria mais facilmente ao insucesso que ao êxito das missões em campo. Assim, na maleabilidade de propostas em jogo, o caminho, mesmo no campo mental, será mais fácil, por haver uma maior predisposição até para os imprevistos que possam vir a aparecer. Num estudo desenvolvido pela CNISS, de seu título “As IPSS num contexto de crise económica”, vinca-se o maior destaque a dar a estas Instituições, considerando-as determinantes no panorama da economia social e consequentes necessidades, designadamente a pobreza, a consolidada e a emergente, ali apelidada de envergonhada, e a fome, associando-lhe a dificuldade em satisfazer compromissos financeiros, uma outra janela que se abre e a pedir, tantas vezes, soluções ou mitigações urgentes, para evitar colapsos pessoais e familiares com todo o cortejo de efeitos que, em cascata, minam alicerces de segurança e estabilidade, sendo, muitas vezes, a causa de situações limite. A par de meios de natureza e matriz financeira, ou de apoios alimentares e de alojamento, têm as IPSS de estar despertas também para outras realidades, uma espécie de novos serviços, a incluirem a psicologia, a psiquiatria e acompanhamentos directos muito bem estruturados e solidamente humanizados em duas frentes: com os protagonistas destes casos e com as suas rectaguardas familiares, de modo a estancar resultados colaterais altamente indesejados e absolutamente nefastos. No seguimento das recomendações que temos vindo a apreciar, saídas da CNISS, estabelece-se como missão o seguinte: - Desenvolver acções conscientes e consequentes; encontrar caminhos e soluções inovadoras; buscar o equilíbrio harmónico entre a assistência, per si, a promoção e a utopia, sendo esta, vezes sem conta, uma via para o descalabro das tarefas que se têm em mãos, devido à impossibilidade de se conseguir chegar à lua, impondo-se o realismo como pilar de trabalho; aplicar valores de fraternidade humana e de solidariedade, aqui de novo enfatizados estes pontos, apesar de, em capítulos anteriores, já se ter aflorado estes mesmos aspectos; tomar consciência de que os bens materiais possuem valor social. A vasta lista de ideias prossegue com a necessidade de haver sentimentos de proximidade para uma maior eficácia, acções em rede, cooperação que seja constitutiva de uma nova governação, a governança, a subsidiariedade, para evitar atropelos e sobreposições em que se desperdiçam meios, energias e vontades, sempre muito úteis nos campos onde devem estar. Deste modo, com coordenação e organização capazes, as IPSS rentabilizam muito melhor os sempre parcos recursos de que dispôem. Num dos Relatórios elaborados pelo Instituto de Ciências Sociais, da Universidade de Coimbra, já referenciado, em que se aborda o problema das crises sociais, fica claro que estamos, neste momento, em face de uma contingência que está a adquirir foros de perigosa estruturalidade, se pensarmos em que as políticas de austeridade possam vir a ser assumidas como medidas para continuarem e se enraizarem na nossa sociedade. Invocando dados oriundos da União Europeia, afirma-se que Portugal é um dos países mais afectado pela crise, vendo-se que os efeitos da austeridade têm conduzido a uma profunda recessão, concluindo-se que “.... Os problemas estruturais da pobreza e das desigualdades avolumam-se, visto que que se sabe que, em Portugal, a sua redução depende criticamente da acção das transferências públicas”, que têm tendência para se irem estreitando, facto que se continua a verficar, não obstante, nestes últimos meses, a questão da recessão tenha vindo a atenuar-se. Em parágrafos anteriores, carreámos para este trabalho o problema do endividamento das famílias, esclarecendo José Reis, João Rodrigues, Ana Santos e Nuno Teles que “... A crise veio mostrar que a gravidade do endividamento das famílias portuguesas está directamente associada à situação económica do país da qual depende o emprego e, portanto, a capacidade de fazer face aos encargos da dívida...”, que, em 2012, correspondia a 91% do PIB, de acordo com o Banco de Portugal. Paralelamente a este quadro, temos ainda a desvalorização salarial, a diminuição dos rendimentos das pensões e aposentações, a quebra nas receitas pela via do aumento dos impostos e a falha nas deduções fiscais, as falências, a quebra na roda dos mecanismos de pagamentos de compromissos vários, o que mais dificulta as operações que as IPSS têm de implantar nos seus territórios e sectores de actuação. No Relatório em análise, Pedro Hespanha, Sílvia Ferreira e Vanda Pacheco, em “O estado social, crise e reformas”, adiantam que, sendo as políticas sociais instrumentos estratégicos de intervenção, sempre que venham a diminuir e a refrear os recursos a afectar a quem mais delas carece, cresce a pobreza estrutural e não se põe termo, como deveria ser, à visão assistencialista, que não é a forma de combate a este tipo de situações que se possa aceitar, porque é preciso fazer do apoio social um capítulo dos direitos humanos, repetindo algo que já ventilámos. Assumindo, com firmeza, uma nova postura, dizem estes autores que se tem de caminhar para uma sábia combinação de quatro fontes de bem-estar, que são o Estado, o terceiro sector (em que se integram as IPSS), as famílias e o mercado. Só que, acrescentamos nós, há três destes pilares que estão em ruptura o que faz transportar para o terceiro sector uma maior carga de tarefas a desempenhar. Se vivemos em crise profunda, há outros gritos que se ouvem por todo o lado, em sede de categorias sociais desfavorecidas tradicionais, como referem “Eduardo Vítor Rodrigues et al”, tais como os idosos, os camponeneses pobres, os assaliariados precários e com fracas qualificações, elencando ainda, em novas categorias sociais, os desempregados de longa duração, os grupos étnicos e culturais minoritários, as famílias monoparentais, as pessoas com deficiência, os jovens em risco, os sem-abrigo, os trabalhadores da economia informal, as mulheres, os candidatos e primeiro emprego, as pessoas com doenças crónicas, os beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI), o que implica que as IPSS estejam disponíveis para atender estas chamadas diferentes do habitual para arranjarem as respostas mais adequadas. Com factores macro (globais), meso (locais e sectoriais) e micro (pessoais e familiares), seguindo a classificação do STEP – Bureau International do Trabalho, cabem mais às entidades que nos servem de base o segundo e o terceiro, ficando primeiro para outras instâncias, a nível de órgãos de uma outra dimensão e envergadura. Porém, como a essa esfera também as falhas são evidentes e notórias, caem para estes dois últimos patamares muitas responsabilidades que deveriam, então, ter solução noutras salas e com outras gentes. A razão da proximidade, da afectividade, da humanidade de quem está perto dos problemas, fazendo de cada dificuldade um desafio e um obstáculo a ultrapassar, leva a que também esses casos, que são filhos de incapacidade de outra ordem, ali venham parar, fazendo das IPSS um porto de abrigo para todas as situações problemáticas. Como testemunho de tudo isto, vejamos um desabafo, colhido no Fórum Cidadania. Pertence a Maria Celeste, Presidente do Centro Social Cultural e Recreativo Abel Varzim e é do seguinte teor: “.... Num momento de profunda crise económica, o nosso papel é fundamental no combate às desigualdades, à pobreza e à exclusão social, mas o facto é que também nós somos afectados pela crise e temos que, obrigatoriamente, encontrar novas estratégias de gestão, pois os desafios diários são muitos...”. Mais abaixo, veremos, ainda que por alto, algo sobre organização destas Instituições, para se ter uma ideia de como se organizam e se adaptam aos problemas internos com que tropeçam todos os dias. Com desigualdades vitais, existenciais e de recursos (Costa, 2012), estas derradeiras têm forte ligação com carências de rendimentos, escolaridade, qualificação profissional, competências cognitivas e culturais, posição hierárquica nas organizações e acesso a redes sociais, pelo que há sempre campos novos a desbravar, sendo que, em cada caso, também do outro lado, daquele de quem devia ter todas as condições para acudir a estas questões, há lacunas arreliadoras que, às vezes, quase fazem pensar em que é impossível prosseguir com os urgentes e pertinentes objectivos que estão estabelecidos e com os desejos de proporcionar bem-estar e qualidade de vida a quem lhes bate à porta. Com estatísticas que continuam a alterar-se continuamente, na Carta Social de 2007, referenciavam-se 4896 IPSS, sendo 2245 IPSS (45,9%), 1825 Fundações (37.3%), 761 Misericórdias (15.5%) e 65 na rubrica Outras (1.3%). Curiosamente, no ano em que saiu o Decreto-Lei nº 119/83, de 25 de Fevereiro, bases do Estatuto das IPSS, contavam-se cerca de 1570, verificando-se assim o crescimento exponencial destas valências. Já agora, como complemento informativo, há possibilidade de se terem dados mais fiáveis na base Pordata da FFMS, e em http://observatorio-das-desigualdades.cies.iscte.pt. Por entendermos que os números que aqui colocássemos logo poderiam ter de ser revistos, deixamos apenas estas fontes como pistas para eventuais futuras pesquisas ou outros fins. Dado que, como afirma Hugo Mendes, “... A pobreza desafia as políticas públicas redistributivas exequíveis num regime democrático e, numa economia globalizada (...), convoca a análise cirúrgica da realidade...”. Nesta medida, propõe que se criem instrumentos que sejam capazes de encarar de frente estas situações problemáticas. Sendo que, a nosso ver, escasseiam as políticas públicas directas, a hora pertence à sociedade civil, como temos estado a ver. Neste mesmo contexto e nesta obra, os próprios Renato do Carmo e João Rodrigues, trazem o seu contributo, que é este: “Se agora (2009) se exige um Estado mais activo (...) então também se deve exigir um Estado mais relacional que se manifeste no incremento de políticas sociais e redistributivas, mas que vá mais longe e desenvolva um conjunto de políticas de capacitação que promovam simultaneamente o aprofundamento da democracia...” (Id, p. 10). Nem de propósito: dentro de pouco tempo, estalaria a crise e a pergunta já andava no ar: “Onde pára o Estado?”. Em questões sociais, ficaria cada vez mais distante da realidade vivencial de grande parte da sociedade. Anos antes, algures na década de noventa, Bernard Perret e Guy Roustang já clamavam contra uma economia que estava a minar a sociedade, quando escreveram: “... Mais do que de uma contestação política organizada, foi da economia que veio o castigo (... ) A vitória do capitalismo liberal neste fim de século é muito mais do que a derrota de seu rival encartado...” Ou seja: havia aqui muito de antecipação àquilo que se iria verifcar pouco tempo depois. Citando Jean-Jacques Rousseau, 1750, proclamavam, logo de início: “... Que os políticos se dignem suspender os seus cálculos a fim de meditarem nestes exemplos e que aprendam de uma vez por todas que com o dinheiro se pode ter tudo, exceptuando costumes e cidadãos...” Ainda a partir desta mesma fonte, há uma outra constatação que se encaixa naquilo que é observável nos nossos dias. Esta: “... A construção europeia baseia-se na aposta de que a unificação do espaço económico acabará por desaguar numa identidade cultural e política comum...” (P. 183). Concluem, logo a seguir, com a ideia de que a dinâmica real do prcesso é talvez completamente diferente. Sem sermos eurocépticos, bem lomge disso, no que à componente social, apesar de termos o Modelo Social Europeu e o Projecto 2020, diz respeito, parece-nos que tiveram razão antes do tempo. Falhando a UE, fugindo o nosso Estado, ficam então as IPSS e muito trabalho têm feito, num percurso que está ainda muito incompleto. - 5 – As IPSS também com dificuldades próprias Na organização das IPSS, tendo nós visto um conjunto de circunstâncias que abrem campo para as suas acções no terreno concreto e palpável, onde a miséria social se nota com mais intensidade, nota-se também que estamos perante uma espécie de reverso da medalha. Nascidas na sociedade civil para a ajudar nas suas dificuldades, sofrem elas mesmo também as vicissitudes da crise, que as toca muito de perto. Como precisam de recursos para fazer face às situações que se lhes deparam, muitas vezes sofrem os efeitos directos, dentro das suas estruturas, da carestia que, a esse nível, se nota. Vivendo dos contributos dos parceiros, das quotas dos seus associados, das ofertas e recolhas de bens e meios, dos contratos e acordos estabelecidos com várias entidades, nas quais se inclui o próprio Estado, em maré baixa os reflexos da falta de dinheiro também as atingem. Com quadros de pessoal, geralmente, com qualificações académicas bastante razoáveis e níveis profissionais de elevada exigência e dedicação, são caros os custos de funcioanamento. O mesmo se diga dos meios que têm de usar, desde os transportes à alimentação de seus utentes e pessoas apoiadas, passando pela energia, pelas comunicações e não há benefícios ou sistema de discriminação positiva em seu favor, a não ser nalguns casos pontuais. Num contributo com um certo sentido particular, relativamente a um importante ponto que atravessa todas estas entidades, até como instinto de sobrevivência, o da qualidade, Alexandra Raquel Guimarães Alves fala em aspectos vários que se enquadram em muitos outros níveis de exigência organizativa. São eles: o ambiente competitivo, que também se verifica nestas Casas, os requisitos contratuais, a obtenção de resultados, a necessidade de renovação de práticas e metodologias de intervenção, os processos de certificação. Tudo isto tem os seus custos, diários e constantes. Com o objectivo de melhorar sempre e não estagnar, os gastos sucedem-se. Mas o resultado da Qualidade Total que se deseja alcançar, em todos os casos, é paga que muito honra quem anda por estas paragens das IPSS, sendo que “... O envolvimento total é uma condição para a Qualidade Global das instituições sociais. Ela não é apenas responsabilidade dos sectores técnicos, mas de todos e de cada um na organização, com particular incidência nos seus dirigentes, cujo líder principal é fiel depositário dos valores da organização...” Como se vê, nestas Instituições há campos diversos de actuação e isso acarreta dificudades de toda a ordem, que têm de ser sempre ultrapassadas, porque os fins das IPSS não se compadecem com questões menores. Por um lado, temos um corpo profissional com tudo quanto isso implica; por outro, há os dirigentes, que são voluntários na estrutura em causa, mas que, aderindo a esses projectos e processos, têm a incumbência de gerir as instituições e de serem os seus prinicpais responsáveis e dinamizadores. Conciliar interesses tão diversos pode ser, e é, em muitos casos, um caminho de difícil percurso. Com a missão de ter tudo em ordem e pronto a responder às muitas solicitações, são muitos os entraves encontrados, uns de carácter financeiro, outros, por estranho que pareça, de ordem institucional a muitos níveis. Mas também não seria este um exercício sério se não disséssemos que, neste campo das IPSS, há situações muito diferentes, mesmo em questões de possibilidades, haveres e património. Se há dificuldades em quase todas elas, numas há mais do que noutras, como é facilmente compreensível. Dadas estas notas, que partem também de algum conhecimento com origem em experiências concretas, em profundo envolvimento da nossa parte, optámos por trazer aqui estas reflexões sem recurso a grandes fontes. Foi uma opção. - 6 – Conclusões Muito embora tenhamos afirmado que iríamos prescindir de quaisquer estudos de caso, não resistimos, porém, a incluir aqui, em jeito de conclusões num trabalho todo ele dedicado às IPSS, uma referência à “Carta dos Direitos das Pessoas Apoiadas” na ASSOL – Associação de Solidariedade Social de Lafões, que actua na área do apoio a pessoas com deficiência, nos concelhos de Oliveira de Frades, S. Pedro do Sul, Vouzela, Castro Daire e Tondela. É este o texto dessa Carta, em extractos parciais: “... As pessoas, apoiadas pela ASSOL, beneficiam, plenamente, dos direitos reconhecidos a todos os seres humanos a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem, bem como de todas as convenções internacionais e leis vigentes em Portugal. Sendo o último documento publicado a Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiênciam ratitficada pela Assembleia da República em 7 de Maio de 2009, transcrevemos o disposto no Artigo 3º - a) – O respeito pela dignidade inerente, autonomia individual, incluindo a liberdade de fazerem as suas próprias escolhas, e independência das pessoas; (...) e) – Igualdade de oportunidades...” Com mais de vinte e cinco anos de actividade, recebeu, nos últimos anos, as Certificações de “Muito Bom” e, agora, de “Excelência” EQUASS da União Europeia, pela qualidade de seu desempenho nas funções exercidas perante cerca de seis centenas de pessoas apoiadas diariamente na vasta área territorial atrás citada. Cremos que, modéstia à parte, este exemplo pode servir muito bem para retratar a importância das missões desenvolvidas pelas IPSS, em contextos tão diversos e todos eles com um objectivo comum: ser parte activa de uma partilha de tarefas, quando a sociedade, que se vê bastante desamparada de um Estado que lhe não confere a atenção a quem dela tanto tem direito. Neste trabalho, tentámos dar uma volta pelos tópicos que temos andado a tratar, tendo como base as IPSS, para abordar os conceitos, sustentabilidade, desenvolvimento, governança, estratégias, desafios, problemas, actualidade, equidade, entraves à sustentabilidade social, desafios territoriais, questões éticas, responsabilidade social, desigualdades e, em geral, um pouco de tudo quanto vimos ao longo destes meses em SAT I e seis cinco Tópicos. -7- Bibliografia A economia social e a sua sustentabilidade como factor de inclusão social – Equipa do Projecto: Cândida Soares, José António Sousa Fialho, Fernando Chau, João Gageiro e Helena Pestana, POAF/FSE, Gerir, conhecer e intervir “A luta contra a pobreza e a exclusão social”, STEP, 2003 Alves, Alexandra Raquel Guimarães, “O envolvimento das IPSS com o sistema de gestão pela qualidade”, Universidade de Aveiro, 2011 Branco, Manuel Couret, “Economia política dos direitos humanos – Os direitos humanos na era dos mercados”, Edições Sílabo, Lisboa, 2012, p. 10 Caderno de debate – Agenda 21 e sustentabilidade Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, no Reexame da Estratégia em Favor do Desenvolvimento Sustentável – Uma Plataforma de Acção, 2005 Corm, Georges, “A nova desordem económica nundial na origem do fracasso do desenvolvimento”, Instituto Piaget, Lisboa, 1993, p. 9 Costa, António Firmino da, “Desigualdades globais – Sociologia, problemas e práticas”, Nº 68, 2012, pp. 9 a 32 Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável e respectivo Plano de Implementação (PIENDS) Estratégia Oceano Verde Ferrão, João, “Responsabilidade social territorial e localismo ético”, ICS, Universidade de Lisboa Fórum Cidadania (www.forumcidadania.pt/node/63) Guia prático – Constituição de instituições particulares de solidariedade social, Instituto da Segurança Social, IP, Março de 2013 Mendes, Hugo, “Onde pára o Estado?”, Coordenação de Renato Miguel do Carmo/João Rodrigues, Edições Nelson de Matos/Pensar. Navegar, Lisboa, 2009, p. 199 Perret, Bernard; Roustang, Guy, “A economia contra a sociedade – Afrontar a crise de integração social e cultural”, Instituto Piaget, Lisboa, 1993, p.21 Peyrefitte, Alain, “A sociedade de confiança”, Instituto Piaget, 1997 Relatórios elaborados pelo Instituto de Ciências Sociais, da Universidade de Coimbra “Revista Seara Nova”, Eugénio Fonseca, nº 1723, Primavera 2013 Rodrigues, Eduardo Vítor et al, “A Pobreza e a Exclusão Social: Teorias, Conceitos e Políticas Sociais em Portugal” Rosa, Maria João Valente e Chitas, Paulo, “Portugal e a Europa: os números”, FFMS, 2013, p. 56 Seminário Internacional – Europa Social, FCG, Lisboa, 1997, p. 15 Sen, Amartya, “A ideia de justiça”, Edições Almedina Coimbra, 2010, p. 283 Carlos Tavares Rodrigues, Universidade Aberta, DSSD Março de 2014

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