quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

A pobreza como chaga social

SATI – Pobreza SAT I- 3 - “Desigualdades sociais e sustentabilidade” A pobreza, uma das maiores insustentabilidades: o papel da Cáritas - 1 - Introdução No campo do desenvolvimento sustentável (DS), um dos factores que destoa é o da pobreza. Como se manifesta na componente cimeira desse DS, o ser humano, é mais do que natural que seja uma das preocupações fundamentais das diversas instâncias, desde o local ao global, incluindo, obviamente, a Organização das Nações Unidas (ONU). Por ser recorrente, por não diminuir, em muitos casos, antes se agravando, inclui a lista dos oito Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, um documento que serve de motor do combate a estes fenómenos sociais, mas que ainda não atingiu as metas, longe disso, que foram estabelecidas em Setembro de 2000. Tendo em conta Michailof e Bonnel (2012), estamos perante um acto de voluntarismo e votos piedosos, ao invés de estarmos a construir, de facto, alternativas, no terreno, à pobreza, sua extensão e impactos. A nível geral, dizem estes pensadores que, na crescente distância entre países ricos e pobres, fazemos “… surgir diferenças que, no plano ético e político, são difíceis de aceitar… “ (p. 155). Como forma local de esbater este problema, incluímos neste trabalho a importância da CARITAS Portuguesa, que, desde 1976, inscreve na sua missão a necessidade de caminhar para a defesa do Desenvolvimento Humano e do bem comum, animada pela Pastoral Social. Será em redor destas vertentes gerais e locais que, neste texto, nos iremos movimentar. Como metodologia, falaremos da pobreza e da sustentabilidade de uma forma interligada, usando como fontes aquelas, ou parte delas, previamente indicadas em Plataforma e outras que são uma nossa escolha, porque, numa perspectiva abrangente, queremos tentar fazer de cada uma de nossas intervenções uma peça para o tema que pretendemos desenvolver em futura Tese, que é o do despovoamento e desertificação, cujo êxodo populacional tem sido motivado, à luz de Amartya Sen, por factores de carência total, em termos de falta de oportunidades para desenvolver capacidades potenciais. - 2 – O conceito de pobreza Antes de continuarmos este trabalho, convém que tentemos encontrar caminhos que nos tentem desvendar o conceito de pobreza. Dando como certo que é difícil encaixar este fenómeno social numa definição única e universal, anotemos, mesmo assim, alguns aspectos que se enquadrem naquilo que pretendemos. Para Amartya Sen, a pobreza passa sempre, entre outros factores por uma “privação das capacidades e carência de potencialidades”. Entretanto, há neste aspecto uma questão de graduação, em termos do absoluto e do relativo, sendo que este fenómeno social tem estas duas componentes, indo de um ponto extremo a posições mais intermédias, mas, mesmo assim, ainda enquadradas dentro do que se deve entender por pobreza e seus limiares. Em Carla Farinha Rodrigues (2013), há que atender a dois indicadores principais: taxa de pobreza e sua intensidade. Indo mais além, falando-se de Desenvolvimento Humano (DH), no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), os índices de DH fazem logo constatar que se está nessa situação, longe, ou perto dela. E acrescenta-se “… O DH é o processo pelo qual uma sociedade melhora a vida dos seus cidadãos através de um aumento de bens com o que pode satisfazer suas necessidades básicas e complementares e a criação de condições para o respeito pelos direitos humanos… “. Desta forma, pobreza e qualidade de vida têm de ser vistas em conjunto. Voltando a Sen, temos várias formas de privação, incluindo a falta de alimentos, nutrição adequada, condições de saúde, educação eficaz, emprego rentável, segurança económica e social, a que juntamos a falta de liberdades políticas e de direitos cívicos, sendo que a pobreza é vista como desigualdade, exclusão social, mas, para melhor a estudarmos e conhecermos, diz Sen, há que ver como se faz a distribuição de rendimentos. Num outro prisma, o da prosperidade, Tim Jackson (2013), alega que esta “… pressupõe erradicar a fome e providenciar abrigo, eliminar a pobreza e a injustiça, ter esperança num mundo seguro e pacífico…” (p. 13) e, para lá dessas componentes, e da “… garantia de nutrição e abrigo, a prosperidade consiste na capacidade de participar na vida da sociedade, na sensação de partilhar significados e objectivos e na capacidade de sonhar…” (p. 225), o que se adapta muito bem – e até o ultrapassa – àquilo que se pretende nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Feita esta caminhada pelo conceito de pobreza, sentimos que a não definimos concreta e correctamente, mas ficamos com a ideia de que andamos à beira do que sentimos quando se toca neste aspecto triste e dramático das nossas sociedades. - 3 – A razão de ser de aqui aparecer a Cáritas A pobreza, infelizmente, tem uma abrangência global e transversal às diversas sociedades e comunidades, muito embora os seus efeitos tenham pesos diferenciados conforme as geografias e as vivências sociais e políticas, como atesta Boaventura Sousa Santos na sua visão algo dicotómica do mundo, separado entre o norte e o sul, sendo que este ponto do globo é nele apreciado para além dos contornos físicos, vendo-se como aquilo que é desigual e desumano, injusto e sem ética, qualquer que seja o sítio de que estejamos a falar. Na preparação deste texto para o trabalho final de SAT I-3, “Desigualdades sociais e sustentabilidade”, pensámos incluir o papel da Cáritas Portuguesa, como poderíamos ter escolhido uma qualquer outra Organização, por exemplo, o Banco Alimentar Contra a Fome. Porém, foi aquela a nossa opção pelas seguintes razões: - A sua faceta de programa internacional; a sua integração nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio; ser capaz de intervir no sentido das necessárias transformações sociais; o facto de ser uma ONG sem pretensões ao lucro, fazendo parte da lista contida em “erradicarlapobreza.org”, entre outras: Acção Contra a Fome, Ajuda em Acção, Canal Solidário, AMI, Cruz Vermelha Internacional, Fundação SOS, para só citar algumas destas instituições. Pesou na nossa escolha o seu historial que vem na linha da caridade cristã, mas que soube dar o salto para a área da assistência mais abrangente e mais alargada nas suas áreas de actuação. Com Estatutos aprovados em 1976, muito por influência do Concílio Vaticano II, sucede, de certa forma, à União da Caridade Portuguesa, anos quarenta do século passado. Concebida num panorama mundial, tem a particularidade de se descentralizar e de dotar de autonomia as estruturas locais, nos seus 20 núcleos da Cáritas Diocesanas, em grupos de proximidade, para melhor articular as respostas a dar. Nesta conformidade, a maleabilidade citada converte-se num bom meio de penetração nos locais onde a sua acção solidária mais se faça sentir como premente e urgente, dela se podendo dizer que é capaz de “ focar a atenção nos recursos disponíveis, começando a uma escala reduzida, usando e divulgando o mais possível as boas práticas”, como preconiza, mais ou menos por estas palavras, para chave do sucesso, Parag khana (2012), para quem “ Redigir relatórios não consegue matar a fome dos pobres” (p. 203). A Cáritas, como praticamente todas as demais ONG, tem também as suas limitações, apesar das tarefas de larga escala que tem realizado, ainda que se possa saber, como acentua Filipe Duarte Santos (2012), que teria sido possível “… realizar (esse Objectivo do Milénio)… com grandes investimentos e uma forte determinação política e coordenação por parte da comunidade internacional… Mas a experiência recente é decepcionante e a situação de fome no mundo agravou-se com a crise financeira e económica de 2008/2009…” (p. 106/107). A falha maior, na nossa modesta opinião, não esteve, contudo, na Instituição de que estamos a falar. Distribuindo a suas funções por áreas diversas e complementares, nota-se aqui um enfoque muito especial no combate à pobreza e discriminação, ao actuar em termos de políticas sociais, pelo NOS – Núcleo de Observação Social, para detectar e desenhar “não apenas o rosto das carências sociais do nosso país mas também perceber a melhor forma de agir para melhorar a condição de vida dos portugueses”; Fundo de Acção Solidário – para socorrer os mais necessitados especialmente neste contexto de crise; GIAS – Grupos de Interajuda Social, para combate ao isolamento, solidão e frustração, sobretudo em tempos da agudização do desemprego. Num esquema que privilegia o contacto directo com a realidade, pretende-se ainda dar “Toda a prioridade à criança”, um dos sectores, com a terceira idade e os desempregados que mais atenção nos deve merecer. Com o suporte e parceria em várias plataformas, mormente o Programa Operacional de Potencial Humano e o de Assistência Técnica/Fundo Social Europeu – POAT/FSE, é clara a sua identificação com as instâncias nacionais e europeias na luta para debelar estes problemas que tanto pesam na nossa sociedade e em cada ser humano e familiar afectado pela pobreza crescente. Na esfera do trabalho concreto, há ainda lugar para avançar com propostas de grande alcance no que se refere ao enquadramento com os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, como esta que vamos referir: no âmbito dos Direitos Humanos, e por ocasião das respectivas comemorações, o Presidente da Cáritas, Eugénio Fonseca, depois de afirmar que é “… necessária uma maior vontade política para erradicar o problema da fome em todo o mundo (numa óbvia referência aos ODM), porque os recursos existem…”, quis vincar um propósito da Instituição que dirige, como se lê na Agência Ecclesia, no passado dia 10 de Dezembro de 2013, que é o de se consagrar o direito à alimentação, vendo-o incluído nas legislações nacionais. Aliás, esta iniciativa insere-se numa campanha que mobilizou já 164 organizações em todo o mundo e que foi apresentada no Dia Internacional dos Direitos Humanos, visando eliminar a fome até ao ano de 2025, arrojando-se numa meta que é bem mais ambiciosa que a dos 50% até 2015 dos citados ODM, mesmo assim muito longe de ser alcançada. Intitula-se “One Human Family, Food for All”. - 4 – A pobreza como uma das mais gritantes insustentabilidades Feita esta ligeira incursão pelo mundo específico de um ONG que age no sentido de criar sustentabilidade social, a Cáritas, é altura de dizermos que, em matéria de “Desigualdades Sociais e Sustentabilidade”, com a particularidade de o Grupo Rio ter abarcado as questões da pobreza extrema e da fome e como garantir a sustentabilidade ambiental, estas duas vertentes não podem deixar de ser focos de preocupação de toda a humanidade e de cada um de nós, como agentes vivos e activos da mudança de comportamentos e paradigmas que urge levar a cabo. Com base nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, sendo que o primeiro, na série de oito, aborda precisamente a necessidade de “erradicar a pobreza extrema e a fome”, cabendo ao sétimo a vontade de “garantir a sustentabilidade ambiental”, todos eles a invocarem aquilo que o oitavo consagra, que passa por “criar uma parceria global para o desenvolvimento”, fazendo fé nos diversos Relatórios e em comentários diversos, é de cepticismo que temos de falar mais do que na efectividade de acções específicas tendentes a realizar as ideias produzidas na própria ONU. Nesta medida, longe de se atenuarem os efeitos da pobreza e da insustentabilidade ambiental, contrariando-se a esmo o que vem estampado no Relatório Brundtland e nas sucessivas e quase improdutivas Conferências mundiais e sectoriais, tudo parece agravar-se: em vez de partirmos para a aplicação das conclusões da Conferência Internacional de Tessalónica, em que se apelou à Educação e Consciência Pública, à Ética, Sustentabilidade, Identidade, Diversidade, Mobilização e Participação, abundam, pelo contrário, práticas nada condizentes com estes bons princípios. Por isso, crescem a pobreza e a desigualdade, associadas à proliferação de doenças, como o VIH-SIDA e a constante de degradante mortalidade infantil em muitas áreas territoriais e sociais do nosso Globo. Assim, não se pode dizer que estamos perante processos de sustentabilidade, nos dois níveis que o Grupo Rio tem tido em mãos, na medida em que o ambiente está continuamente a ser ameaçado e as alterações climáticas não páram de aumentar, em vez de se atenuarem ou mitigarem. Quando cerca de mil milhões de pessoas passam diariamente fome, segundo Dambisa Moyo (2012), uma das nossas falhas essenciais é não sermos capazes de assegurar alimentos para todos, pelo que foi pertinente o lançamento do Programa que a Cáritas subscreveu e está a dinamizar e a que já acima nos referimos. Por outro lado, na vertente da conservação, preservação e valorização do Ambiente, um aspecto tão caro a Wangari Muta Maathai, que tem vindo a associar paz, ambiente e direitos humanos, sobretudo no seu País, o Quénia, o que lhe valeu um Prémio Nobel da Paz, abordando holisticamente todas estas realidades, com o seu Movimento Cinturão Verde, tem dado grandes lições ao mundo no sentido de se não esquecer nem a emancipação das mulheres, nem a necessidade de se cuidar de uma boa alimentação e nutrição, nem a defesa e promoção da viabilidade ecológica e social, como se pode ler na mensagem que esteve na base do referido Prémio. Concretizando em relação a Portugal, se nos baseámos um pouco na Cáritas, também não se podem subestimar outras formas de “Luta contra a pobreza e exclusão social”, quando o programa com esta designação cita o STEP – Programa Global Estratégico e Técnicas Contra a Exclusão Social e a Pobreza, no âmbito da OIT – Organização Internacional do Trabalho, dando prioridade aos excluídos, às vítimas das economias informais, tentando reforçar laços de protecção social, combater assimetrias e desigualdades, promover a inclusão, num trabalho que tenha em conta a complexidade e a multidimensionalidade da pobreza.Olhando para a Globalização que é o substracto em que nos movemos, se tem efeitos perversos, nestas lutas a favor de um Ambiente mais sustentável, fonte de um futuro duradouro (que está em perigo total), e de uma Sociedade mais justa e equilibrada, em que a igualdade não seja uma miragem, declara Boaventura Sousa Santos, por norma bastante crítico, que “… Este fenómeno da globalização, apesar de suscitar alguns desequilíbrios sociais e económicos entre o local e o global, pode, de uma forma articulada, contribuir positivamente para a (re)conservação de equilíbrios sociais, principalmente em épocas de crise…”. Ou seja: aquilo que, muitas vezes, é visto como causa de muitos dos males de que sofremos, pode também ser a sua cura, dependendo do uso que se fizer dela, da Globalização, concretamente. No entanto e contrariamente a qualquer onda de euforia que se possa cultivar em certos meios, “… A fome extrema ainda existe no mundo de hoje, mas apenas em resultado da forma como a comida é partilhada entre nós. Não existe uma escassez absoluta…” (Banerjee e Duflo, 2012, p. 45). Desta forma, estamos perante grossas camadas da população que vivem esse drama, precisamente por não funcionarem bem os mecanismos de redistribuição da riqueza, algo que se pode imputar a uma globalização distorcida. Com uma “Casa” a arder mais a sul do que a norte, na esteira de Michailof e Bonnel e também de Boaventura Sousa Santos, mesmo na crise em que nos encontramos, não devemos pôr de lado a solidariedade que as circunstâncias gritantes de fome e pobreza nos colocam à frente dos olhos. Neste trabalho, temos a certeza e a convicção de que privilegiámos o campo da pobreza em detrimento da outra parte dos temas dados ao Grupo Rio. Fizemo-lo de propósito, por entendermos que, mesmo que haja uma hipotética sustentabilidade ambiental, tudo se desmorona se o Homem tiver fome, sofrer a pobreza (ainda que esta seja percepcionada de maneira diferente, conforme as latitudes e as culturas), a discriminação, a desigualdade, a desintegração social e todos os malefícios de uma sociedade em desequilíbrio permanente. Por outro lado, tendo optado por trazer aqui a Cáritas, foi clara a nossa opção: olhar para a pobreza como o ponto mais importante a ter de merecer a nossa atenção no capítulo daquilo que chamamos Sustentabilidade. Interligados os fenómenos, sempre que o ser humano sofre, tudo o resto fica para segundo lugar. E os Relatórios da fome e da pobreza são duros… Defendendo-se um futuro para todos, como acentua BSS, são pouco animadoras as perspectivas ambientais e a pobreza também se insere nessa onda de pessimismo. Assim, “… O exercício das nossas perplexidades é fundamental para identificar os desafios a que merece a pena responder…” (Santos, p. 31). Seguramente, que estes dois aspectos sociais estão nessa linha. Conferir dignidade à pessoa humana é outro dos caminhos que o combate à pobreza tem em vista. E isso é fundamental para a afirmação pessoal de todos e sua envolvência na vida das comunidades como seres activos, participativos e felizes naquilo que vierem a fazer. Carlos Rodrigues, Universidade Aberta, DSSD Bibliografia - Objectivos do Desenvolvimento do Milénio e Relatórios - Michailof, Serge; Bonnel, Alexis – A nossa casa arde a sul – Para que serve a ajuda ao desenvolvimento, FCG, Lisboa, 2012 - Sen, Amartya – A ideia de justiça – Edições Almedina, Coimbra, 2010 - “ “ - “Desenvolvimento como liberdade”, versão de João Oliveira Correia Silva, Faculdade de Economia do Porto. - Rodrigues, Carla Farinha, in “ Portugal social de A a Z – Temas em aberto, org. de José Luís Cardoso, Pedro Magalhães e José Machado Pais, Expresso, 2013 - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD - Jackson, Tim – Prosperidade sem crescimento – Economia para um planeta finito, Tinta da China, Lisboa, 2013 - www. Caritas.org - http: //erradicarlapobreza.org/Ongs.htm - Khanna, Parag – Como governar o mundo – uma nova diplomacia em tempos de incerteza, Editorial Presença, Lisboa, 2012 - Santos, Filipe Duarte – Alterações globais – Os desafios e os riscos presentes e futuros, FFMS, Lisboa, 2012 - Agência Ecclesia, 10 de Dezembro de 2013 - Relatório Brundtland

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